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Com a maior biodiversidade do mundo, Acre tem espécies afetadas por mudanças climáticas

Por Maria Fernanda Arival, ContilNet

Ondas de calor intenso, inundações, seca extrema, deslizamento de terra e incêndios florestais são alguns dos eventos climáticos que vem acontecendo no Acre nos últimos anos, com cada vez mais frequência e em intervalos menores.

Apenas em 2024, o Rio Acre atingiu a marca de 17,54 metros, em março, registrando a segunda maior enchente em Rio Branco e uma das menores cotas dos últimos anos para o período de julho com a marca de 1,45 metros, neste sábado (3).

O baixo nível dos rios é um dos efeitos da seca extrema que o Acre enfrenta em todo o território do estado. Em Rio Branco, além das queimadas urbanas e incêndios florestais, a baixa umidade relativa do ar também vem batendo recordes, causando prejuízos à saúde da população.

Rio Acre está abaixo dos 1,50 metros, em Rio Branco/Foto: Matheus Mello/ContilNet

Além de afetar diretamente a população, a vida vegetal e animal. No Acre, ocorre a maior biodiversidade da Amazônia e ela pode ser diretamente afetada pelos eventos climáticos extremos. Para entender melhor as possíveis causas, o ContilNet conversou com o doutor em Geografia e professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Anderson Mesquita.

“O planeta Terra funciona como uma máquina, como um sistema, então por ela ter essa integração, toda vez que alterna a dinâmica de uma parte desse sistema, automaticamente, todas as demais engrenagens também acabam sofrendo algum tipo de modificação de transformação, então o que vem acontecendo no planeta Terra é mais ou menos isso”, explica.

Segundo o professor, as mudanças climáticas envolvem temperaturas, chuvas e umidade relativa do ar.

“Essas mudanças sempre ocorreram e vão continuar correndo no planeta. Pelas características do nosso planeta, ora ele vai estar mais aquecido, ora vai estar mais frio. Esse processo ao longo de formação do planeta é natural, no entanto, o que está ocorrendo, principalmente, a partir da primeira Revolução Industrial, é a utilização de carvão mineral, e depois da segunda Revolução Industrial, o uso do petróleo, como a principal fonte de energia para tudo que a gente acaba fazendo e qual é a grande questão? O CO2, que é o dióxido de carbono, é um gás que quando está na atmosfera, ele gosta de energia e absorve ela. É como se você colocasse uma panela no fogão e quanto mais energia ela recebe, mais ela aquece”, explicou.

O CO2 na atmosfera é uma das causas das mudanças climáticas/Foto: Pixabay

“Antes esse carbono estava nas camadas mais profundas da Terra, com o uso do carvão mineral, a gente tira esse carbono da superfície da Terra que não estava na atmosfera, tava lá na superfície guardado. O que a gente faz com esse carbono? Pega e transfere para a atmosfera, e isso vem ocorrendo de forma cada vez mais intensa desde a primeira revolução industrial, por isso o aquecimento global é ocasionado pela atividade humana e por conta desse processo, que também pode ser causado pelo desmatamento, não apenas pelo uso de carvão mineral ou petróleo”, disse.

O professor explicou ainda que a floresta é uma reserva de carbono, que não está na superfície, mas sim nas árvores, então quando você tira [a árvore] ele vai para atmosfera, então quanto maior o desmatamento, mais quente o planeta vai ficar”, ressaltou.

Segundo Anderson, o planeta chegou em um ponto em que não é possível mais retornar a uma situação de equilíbrio e a única coisa que o ser humano pode fazer é não piorar o que já está grave. “De hoje em diante os efeitos vão ser cada vez mais frequentes”, explicou.

Agravamento para o ser humano

O ser humano vai começar a sentir os efeitos pela agricultura. Segundo o professor, o primeiro impacto vai ser na produção de alimentos, porque vai chover mais que o normal em um curto período de tempo, enquanto em outro momento, será de seca muito forte, que também é ruim para as plantações. “Podemos ter uma crise na produção de alimentos. Nós já estamos vivendo isso, mas pode ser ainda pior. Nossa capacidade de produção de proteínas também pode sofrer drasticamente por conta das mudanças climáticas. Além disso, também tem o impacto relacionado ao abastecimento de água. Essas coisas afetam a vida humana, bem como toda forma de vida”, explicou.

Anderson é doutor em Geografia e professor da Ufac/Foto: Cedida

De acordo com Anderson, a Amazônia pode deixar de ser uma floresta densa para se tornar um bioma parecido com o Cerrado, que são árvores arbustivas.

Impacto na biodiversidade

O Acre abriga mais de 2 mil espécies e tem a biodiversidade considerada a maior da Amazônia. Além das espécies que são comuns em outros locais, o Acre tem ainda espécies endêmicas que só ocorrem por aqui, isso inclui aves, mamíferos e outros animais. Apesar das espécies não respeitarem limite territorial, alguns tipos de vegetação e clima são mais propícios para a existência dessas espécies.

Parte da Floresta Amazônica, no Acre/Foto: Alexandre Cruz-Noronha

Segundo o doutor em Ecologia e coordenador de estudos de biodiversidade da SOS Amazônia, Luiz Borges, a região da Floresta Amazônica, dentre muitas outras regiões, tem suas peculiaridades e suas características únicas. “No Acre, a nossa característica da região amazônica está mais atrelada a Amazônia de região dos sopé dos Andes, então as características dos rios são diferentes do resto amazônico, então aqui a gente tem um clima característico e uma composição de espécies de fauna e flora totalmente diferente de outras regiões. Se a gente for olhar a Amazônia como um todo, 10% das espécies conhecidas do mundo ocorrem aqui, são mais de 20 milhões de espécies e esse número acima é estimado, e o Acre tem sua parcela de 2 a 5% disso”, explica.

Além das espécies que ocorrem em outros lugares, o Acre tem espécies que só ocorrem aqui, chamadas de endêmicas, como aves, mamíferos e outros. “Tem uma espécie de primata que só ocorre aqui no sudoeste amazônico, onde se insere o Acre, um exemplo claro é o bigodeiro (Saguinus impertator), o soin preto (Callimico goeldii) e muitas outras espécies de mamiferos, aves, anfíbios e répteis que só ocorrem na nossa região”, disse.

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A espécie ocorre no sul e sudeste amazônico do Brasil/Foto: Pedro Figueiredo/VC no TG

Ao falar de desmatamento, o pesquisador explica que é necessário considerar que os eventos climáticos extremos estão associados ao uso indiscriminado do ambiente. “É necessário fazer uma reflexão de como temos utilizado o ambiente. Essas espécies não estão sendo afetadas apenas pela mudança do clima, mas já faz um tempo que elas são afetadas pela perda de habitat, o que vem acontecendo com os eventos climáticos extremos é que isso vem agravando ainda mais o que as espécies vem sentindo com o passar do tempo”, explica.

Com o passar do tempo, com a perda da cobertura vegetal, vem reverberando de forma negativa com as espécies, de acordo com o pesquisador. “Um estudo recente traz essa análise de como algumas espécies têm sido afetadas. À medida que o desmatamento avança e que esses eventos extremos avançam, a gente tem um agravamento nessas questões. No mesmo ano a gente passou por uma alagação sem precedência e agora a gente está em uma seca também sem precedentes. Essa seca contribui da seguinte forma: a vegetação fica mais seca, as folhas no chão da floresta ficam mais secas e o ambiente tem menos umidade, isso facilita com que as queimadas causadas pelo homem tenham facilidade de avançar muito mais rápido por dentro da floresta, o que antes era inimaginável. Os eventos extremos são consequências do desmatamento, que por sua vez vão agravar ainda mais a perda da biodiversidade. É um evento em cadeia que não tem precedentes mais”, disse.

De acordo com o pesquisador, anfíbios e répteis como tracajás (Podocnemis unifilis) e a Tartaruga -da-Amazônia (Podocnemis expansa) podem ser as espécies mais afetadas, visto que não controlam as temperaturas corporais.

“Ano passado passamos por dias de calor intenso, batendo recordes de temperaturas, e essas espécies não controlam suas temperaturas corporais, são afetadas pelas temperaturas externas, isso pode afetar também a fisiologia desses indivíduos. Mais especificamente, quando se trata de répteis, que a maioria se reproduz através de ovos, e o que determina se vai nascer macho ou fêmea nessas espécies, é a temperatura, então se eu tenho altas temperaturas, mais fêmeas vão nascer, se tá mais frio, mais machos vão nascer, naturalmente vai nascendo macho e fêmea, pois alguns dias estão mais frio e outros mais quentes, mas o que está acontecendo? está aumentando a temperatura em 0,5°C a cada ano, então futuramente vamos ter o nascimento de mais fêmeas e para que a gente tenha o sucesso reprodutivo, é preciso que tenha uma faixa equivalente de macho e fêmea. No futuro, vamos ter impacto negativo em algumas espécies”, explicou.

Podocnemis unifilis/Foto: Embrapa

De acordo com o pesquisador, anfíbios e répteis podem ser as espécies mais afetadas, visto que não controlam as temperaturas corporais.

“Ano passado passamos por dias de calor intenso, batendo recordes de temperaturas, e essas espécies não controlam suas temperaturas corporais, são afetadas pelas temperaturas externas, isso pode afetar também a fisiologia desses indivíduos. Mais especificamente, quando se trata de répteis, que a maioria se reproduz através de ovos, e o que determina se vai nascer macho ou fêmea nessas espécies, é a temperatura, então se eu tenho altas temperaturas, mais fêmeas vão nascer, se tá mais frio, mais machos vão nascer, naturalmente vai nascendo macho e fêmea, pois alguns dias estão mais frio e outros mais quentes, mas o que está acontecendo? está aumentando a temperatura em 0,5-1,5°C nos últimos anos, então futuramente vamos ter o nascimento de mais fêmeas e para que a gente tenha o sucesso reprodutivo, é preciso que tenha uma taxa equivalente de macho e fêmea. No futuro, vamos ter impacto negativo em algumas espécies”, explicou.

Serra do Divisor/Foto: Reprodução

Além disso, os peixes são outros animais que também podem ser afetados pelas mudanças climáticas, não só pela temperatura das águas dos rios, mas também pela quantidade de oxigênio dissolvido na água, reduzindo as condições viáveis para sobrevivência das espécies, que porventura irá ocasionar falta de peixes nos mercados para consumo.

Outra parte afetada são os animais silvestres que têm perda do habitat natural pelas queimadas e, por isso, buscam áreas urbanas para procurar comida e água, o que pode resultar em doenças. “Os animais silvestres transmitem algumas doenças, que podem passar para os animais domésticos e até mesmo para os humanos, da mesma maneira que as pessoas podem passar doenças para eles”, explica.

Seca extrema

O Acre vem enfrentando um período de estiagem cada vez mais severo, principalmente com a escassez de chuvas e baixo nível dos rios. Na capital, o Rio Acre já está abaixo de 1,50 metros, próximo de atingir a pior cota da história, de 1,25 metros em setembro de 2022.

Segundo o Monitor de Secas, entre maio e junho, em termos de severidade da seca, em oito unidades da federação a seca se intensificou nesse período: Acre, Amazonas, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e São Paulo.

Apesar de intensificar a severidade, o Acre não aumentou no território com seca. Esta é a primeira vez que o estado registra seca em 100% de seu território por dois meses consecutivos desde o período entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024.

Além disso, em termos de severidade, o fenômeno se intensificou no Acre entre maio e junho com o registro de seca grave em 44% do estado e esta é a condição mais severa desde janeiro deste ano, quando houve seca extrema em 1% do Acre.

Situação de emergência em Rio Branco

O prefeito de Rio Branco, Tião Bocalom, assinou o decreto de situação de emergência em junho deste ano. O decreto considera a urgência provocada pelos baixos índices dos rios, que indicam que o período de seca será mais crítico e prolongado, além da tendência de baixa umidade do ar.

O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), por meio da Defesa Civil Nacional, reconheceu, na última quarta-feira (24), a situação de emergência em Rio Branco, por conta da seca severa que o município enfrenta. Nesta terça-feira, o Rio Acre amanheceu com 1,49 metros na capital acreana.

A portaria com a medida foi publicada em edição do Diário Oficial da União (DOU). Com isso, a prefeitura está apta a solicitar recursos do Governo Federal para ações de defesa civil, como compra de cestas básicas, água mineral, refeição para trabalhadores e voluntários, além de kits de limpeza de residência, higiene pessoal e dormitório, entre outros.

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