Se um dia, por uma razão qualquer, a amizade tivesse que declarar um endereço, certamente seria o seguinte: Rua Francisco Neri, 492, Conjunto Procon, Vila Ivonete, Rio Branco, Acre. Talvez, a amizade não more ali, mas, à primeira vista, o endereço é um local em que se os sentimentos de solidariedade e fraternidade se materializassem, seria ali, naquela esquina sem maiores atrativos, que escolheriam para sentar e acompanhar de perto o que, faça chuva ou faça sol, acontece naquele local frequentado diariamente por diferentes pessoas e que, à primeira vista, seriam uma às outras, companhias improváveis.
Na verdade, aquele endereço é o do negócio do comerciante Francisco Moka, um homem franzino, o típico acreano cuja aparência frágil não revela que, para sobreviver, ele enfrentou todas as dificuldades inerentes aos acreanos nascido em seringais, como no caso dele, que nasceu em Jordão, no alto Tarauacá, as margens do Rio Muru. Depois de enfrentar malárias, impaludismo, verminoses e outras doenças endêmicas e típicas daquelas matas, Moka e a família bateram em retirada rumo à capital em busca de dias melhores.
Não foram fáceis os primeiros anos na capital, com as dificuldades próprias de uma cidade de poucas opções para emprego e atividade rentável para alguém de poucas posses e sem profissão definida. Dificuldades iguais às de muita gente que buscaram a capital como refúgio e de aposta num futuro de menores dificuldades.
Depois de trabalhar no comércio em diversas funções mas sempre como empregado assalariado, Moka decidiu deixar de cuidar dos negócios dos outros e ser seu próprio patrão. Juntou as economias, comprou uma casa e montou uma mercearia no local que acabou por de transformar numa confraria.
Na verdade, o que era a mercearia, aos poucos foi se transformando no Bar do Moka, a confraria das pessoas improváveis, uma esquina frequentada basicamente por homens de ocupações as mais diferentes – empresários, médicos, dentistas, policiais civis militares, artistas, jornalistas e outras pessoas sem atividade nenhuma e até desempregados.
É uma confraria onde todos, pelo menos ali, se tornam iguais, com direito a defender seus pontos de vista os mais diversos possíveis, principalmente neste período de campanha eleitoral na qual todos têm candidatos diferentes e todos tentam impor, às vezes ate no grito, o nome de seus candidatos. Quem passa por ali, ainda que na calçada do outro lado da rua, não tem dúvida: ali deve sair uma confusão com muita pancadaria. Apesar dos gritos, seguidos de palavrões impublicáveis, de repente a sensatez e a sobriedade também se materializam e sentam com aquele senhores que voltam a ser respeitáveis e solidários entre si.
Aquela esquina passou a ser famosa, inclusive do ponto de vista politico, há quase três décadas atrás, quando passou a ser frequentada pelo professor e ex-vereador – por um curto período em que assumiu o mandato como suplente – Wincler Collier. Collier era morador do bairro, um bom vivant e um craque na arte de fazer amigos. Tinha-os para todos os gostos e matizes ideológicos diferentes.
Com o tempo, cada amigo, ao que parece, passou a chamar mais um. Assim chegaram por ali o engenheiro civil José Veras, o dentista e pecuarista Cloves, o ator e diretor de teatro Lenine Alencar, o militante político de esquerda Jenaduly Mendes, o fiscal de tributos aposentado Tião Dantas, o empresário da construção civil Laurismar, o tenente-coronel PM aposentado e agora construtor Oliveira, o empresário Evandro Damasceno, que só se apresenta como “Velho Amigo”, o empresário Ethione Mesquita, o policial penal Paulo Sahid, o repórter cinematográfico Eduardo Silva, o Dudu, o vice-presidente da Federação das Indústrias João Paulo Assis, professor Luiz Carlos, além de outros anônimos e nem tanto – mas que não fazem questão de terem seus nomes citados e integrantes daquela confraria improvável.
A esquina só não pode ser chamada de “Clube do Bolinha”, aquele dos gibis em que “meninas não entram” porque, de vez em quando alguém leva suas companheiras, esposas ou namoradas ao local, ou a cabeleira Ana dar o ar de sua graça como a única mulher com direito à cadeira cativa em meio àqueles que transformaram uma esquina também improvável num dos pontos mais democráticos da cidade. Ali, quem tem o que dizer, seja lá o que for, ainda que o dono Moka se sinta abespinhado, diz, e pronto, tá dito.
Ao final do ano os frequentadores, até promovem uma confraternização entre eles, que ocorria no local, mas, graça à profusão e aumento de pessoas, acabou por se transformar para um clube próprio, no mesmo bairro. Mas, pelo menos uma vez por mês, mediante cota para pagamento, com um cardápio escolhido democraticamente pelo voto, há um almoço em que, além do riso e da alegria pela arte do encontro, a mesa é farta. Da última vez, o cardápio foi um porco assado por inteiro. Por esses dias, o debate, além das eleições municipais, é sobre o cardápio a ser encendado e servido ao final do mês.