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Vítimas enterradas vivas: os detalhes de um “tribunal” do PCC

Por Metrópoles

Criminosos supostamente ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) foram torturados, enterrados vivos e mortos em Jundiaí, interior de São Paulo, por membros da própria facção após serem submetidos a um “tribunal do crime“, também chamado de tabuleiro.

No primeiro semestre de 2019, três homens foram assassinados no Morro São Camilo. Três deles teriam matado “por engano” o irmão de um membro da organização criminosa. O intuito era receber mais dinheiro na divisão do montante obtido em um assalto. A outra vítima foi “julgada” e morta por supostamente ameaçar o irmão e braço direito do chefão do PCC por um desentendimento de cunho pessoal.

Documento do Ministério Público de São Paulo (MPSP), obtido pelo Metrópoles, aponta que as vítimas teriam sido convencidas a ir para o morro acreditando que esclareceriam a situação por meio de um debate.

Reprodução/Polícia Civil

No local, porém, eles foram “julgados” e sentenciados à morte por determinação do sintonia da região, Elias Oliveira dos Santos, o Nego Lia. O criminoso seguia foragido da Justiça até a publicação desta reportagem.

Covas rasas

O caso veio à tona após um funcionário do Departamento de Água e Esgoto (DAE) da cidade, que vistoriava uma tubulação da empresa, identificar um corpo enterrado clandestinamente em um terreno no bairro Engordadouro, em 29 de julho de 2019. Bombeiros e Polícia Civil foram acionados e encontraram duas covas rasas no local.

Em uma delas, com 50 centímetros de profundidade, estava enterrado Cláudio Dias de Moraes, que teria ameaçado Silvinho — irmão de Nego Lia — por ele não ter lhe ajudado enquanto estava na cadeia.

Na outra cova, com um metro e meio abaixo do solo, estavam os corpos de William Adão, Gabriel Pereira dos Santos e José André de Souza Santos — os dois últimos estavam foragidos do sistema penitenciário de Mineiros, em Goiás.

Com exceção de Cláudio, de acordo com laudos do Instituto Médico Legal (IML) obtidos pelo Metrópoles, as demais vítimas foram enterradas ainda respirando.

Os quatro cadáveres estavam com mãos e pés amarrados, todos sem unhas, indicando que foram torturados antes de morrerem. A partir da identificação dos mortos, a Polícia Civil iniciou um trabalho para entender como os corpos foram parar no terreno e quem estaria envolvido.

Sobrevivente

Um participante do roubo que motivou a briga entre os faccionados, identificado somente como Humberto, prestou depoimento à polícia, em troca de proteção, porque temia ser morto na cadeia.

Ele afirmou que esteve no assalto com as vítimas enterradas vivas. Humberto foi, inclusive, chamado por um criminoso — identificado como Problemático — para participar do falso debate no morro de Jundiaí.

“Como ele já imaginava o resultado do referido debate [os homicídios], acabou fugindo”, diz trecho do depoimento.

Humberto afirmou que Tiago Cajaíba Roberto, o Jagunço, foi um dos carrascos contratados para torturar e matar os sentenciados.

Testemunhas ouvidas pela polícia também apontaram Roberto de Oliveira Santos, o Zulu, como um dos assassinos. Ele teria, supostamente, participado da chacina para pagar uma dívida com o tráfico de drogas. Roberto nega.

Nenhum suspeito pela chacina e ocultação dos cadáveres está preso.

Alvo de 30 tiros

Antes de ser encontrado pela polícia, Jagunço foi morto, alvo de ao menos 30 tiros, em frente à esposa, que segurava um bebê de colo à época.

O crime ocorreu em 23 de julho de 2019, em Sumaré (SP), seis dias antes de os cadáveres serem encontrados em Jundiaí.

Pedreiro fugiu do “júri” do morro

Depois de ter sido vítima de uma fake news “plantada” pela ex-mulher, um pedreiro de 44 anos que vivia em Jarinu, no interior de São Paulo, conseguiu escapar do mesmo tribunal do crime do PCC que resultou nas quatro mortes relatadas acima. Em desespero, ele fugiu e buscou ajuda na delegacia da cidade.

O pedreiro havia sido “sentenciado” pelo chamado “tabuleiro” depois que sua ex-companheira disse a criminosos do PCC que ele estaria vendendo drogas em áreas controladas pela facção. Segundo a Polícia Civil, a mulher inventou a história para ficar com a casa do ex-marido, com quem tem dois filhos.

Código do PCC impõe 45 regras de conduta em áreas dominadas por facção

De acordo com as investigações, a vítima foi submetida ao tribunal do crime e condenada à morte. Antes do cumprimento da “sentença”, contudo, ele conseguiu fugir, atravessou correndo a região central e embarcou em um ônibus intermunicipal.

A sentença teria sido determinada por Nego Lia e uma mulher, identificada somente como Buia, apontada também como liderança da facção na região.

Ex-mulher e disciplina

A mulher do pedreiro, Bianca Larissa dos Santos Ferreira, de 28 anos, fez um vídeo para incriminá-lo. Na gravação, ela aparecia manuseando uma sacola aparentemente com drogas.

Ao enviar o registro para membros do PCC, a mulher afirmou que o ex-companheiro estaria vendendo “sem a autorização” da facção. Bianca conseguiu convencer o ex-marido a ir de Jarinu até o Morro São Camilo, em Jundiaí, onde seria realizado o “julgamento”.

Ela e o disciplina Luís Fernando Silva de Souza, que iria matar o pedreiro, foram presos. Os disciplinas são os responsáveis por garantir o cumprimento das regras impostas nas regiões dominadas pela facção e por punir eventuais “infratores” — por meio de espancamentos, quebra de membros ou com a morte.

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