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A nova Lei de Feminicídio e o exemplo do Acre na luta pela vida das mulheres; confira o artigo de Roraima Rocha

Por Roraima Rocha, ContilNet

Nesta quarta-feira (9), o Brasil deu um passo importante no combate à violência contra a mulher. O governo federal sancionou uma lei que agrava as penas para feminicídio, aumentando a pena mínima de 12 para 20 anos e a máxima de 30 para 40 anos. Mais do que números, essa mudança no Código Penal é um grito de socorro diante de uma realidade que choca e entristece: mulheres continuam sendo mortas simplesmente por serem mulheres.

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No entanto, enquanto celebramos a rigidez da nova legislação, é preciso olhar para a prática. O que esses números realmente significam para o combate ao feminicídio no país? E, mais importante, o que o Acre, um dos estados com avanços notáveis na redução desse crime, tem a nos ensinar?

Uma epidemia silenciosa

O Brasil está entre os países que mais registram casos de feminicídio no mundo. Só em 2023, foram mais de mil mulheres mortas por questões de gênero. O crime é, em essência, a expressão máxima da violência de gênero. Ele ocorre quando a mulher é assassinada em decorrência de sua condição de mulher, frequentemente num contexto de relações afetivas e de violência doméstica.

Dados recentes do Monitor de Feminicídios (LESFEM – Laboratório de Estudos de Feminicídios) no Brasil revelam um aumento preocupante no número de casos em 2024, com 750 feminicídios consumados até o momento (junho de 2024). Estados como São Paulo, Paraná e Bahia apresentam crescimento significativo, e Sergipe teve o maior aumento percentual, com 171,4%. Esses números refletem a urgência de ações mais eficazes no combate a essa violência​.

Mas, apesar desses dados alarmantes, há um estado que vem trilhando um caminho diferente: o Acre. Entre janeiro e agosto de 2024, o Acre reduziu em 37,5% os casos de feminicídio. Em Rio Branco, a queda foi ainda mais expressiva, com 50% de redução. Como um dos menores estados do Brasil conseguiu alcançar esses resultados?

Não é mágica, é ação integrada

Um dos pilares desse sucesso no Acre é a Patrulha Maria da Penha, uma iniciativa que deveria ser replicada nacionalmente. Essa patrulha é responsável por fiscalizar de perto as medidas protetivas concedidas às vítimas de violência doméstica, garantindo que essas mulheres não fiquem à mercê de seus agressores. Além disso, as delegacias especializadas no atendimento à mulher oferecem um ambiente de acolhimento, onde a vítima encontra segurança para denunciar.

Não se trata é só prender o agressor, é mudar a cultura que dá suporte a essa violência!

Outro ponto importante é o esforço do governo estadual para integrar as políticas de segurança pública com ações de conscientização. Campanhas educativas, articulações entre o estado e os municípios e, principalmente, um forte compromisso com a fiscalização das medidas protetivas têm sido fundamentais para garantir que as ações não se limitem ao papel.

A nova lei: punição mais rígida ou uma mudança de paradigma?

A mudança da lei não é apenas mais um recrudescimento de penas. Ela transforma o feminicídio em um crime com artigo próprio no Código Penal e traz novos agravantes que refletem a gravidade das circunstâncias em que esses assassinatos ocorrem: o uso de veneno, fogo, asfixia ou outras formas cruéis; e o assassinato de mães ou responsáveis por pessoas com deficiência, por exemplo.

Ao mesmo tempo, a lei endurece as penas para quem descumprir medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Agora, ao invés de uma punição de detenção de três meses a dois anos, os agressores poderão ser condenados a reclusão de dois a cinco anos, o que já indica uma mudança importante.

Parece ótimo no papel, mas a pergunta que fica é: como será a aplicação prática dessa lei nos tribunais? Críticos levantam um alerta importante: sem diretrizes claras sobre como interpretar os novos agravantes e aplicá-los nos julgamentos (que no caso do feminicídio são no Tribunal do Júri), o risco de insegurança jurídica é alto. Em outras palavras, cada juiz poderá interpretar de uma maneira diferente, levando a resultados desiguais no país inteiro.

A realidade dura por trás das estatísticas

Mas vamos ser sinceros: nenhum número de redução de feminicídio, seja no Acre ou em qualquer outro estado, será suficiente enquanto uma única mulher continuar morrendo em casa, no trabalho ou nas ruas, simplesmente por ser mulher. Cada caso representa uma vida perdida, uma família destruída e um fracasso coletivo em proteger as nossas cidadãs.

A redução dos números é importante, mas não é o fim da batalha. A cultura que sustenta a violência de gênero precisa ser enfrentada de maneira contínua e incansável. E isso só vai acontecer com mais investimento em educação, mais políticas públicas eficazes e, sobretudo, com o compromisso de toda a sociedade.

O que o Acre tem a ensinar para o Brasil

A lição que o Acre dá aos demais estados é simples: o combate à violência de gênero exige mais do que leis. É preciso uma rede de proteção forte, que vá desde a fiscalização das medidas protetivas até o acolhimento das vítimas. Políticas públicas só funcionam quando são aplicadas de forma integrada, e o exemplo do nosso estado mostra que essa integração é possível.

No entanto, ainda há muito a ser feito. A nova lei traz uma rigidez necessária, mas será que estamos prontos para aplicá-la de forma justa e efetiva? Sem uma mudança cultural e um sistema jurídico que funcione de maneira eficaz, corremos o risco de ver esses números voltarem a subir.

E Agora?

Quando falamos de feminicídio, estamos falando de uma ferida aberta na nossa sociedade. Não podemos continuar tratando esse tema apenas como uma questão jurídica. Ele vai além disso. Trata-se de uma questão social, cultural e, acima de tudo, humana.

A nova lei é um avanço, mas não podemos parar por aí. Como sociedade, precisamos nos perguntar: o que mais pode ser feito para proteger nossas mulheres? Será que estamos realmente dispostos a mudar a cultura de violência que permeia nossas relações? E, mais importante, qual é o nosso papel individual nessa luta?

A resposta não está apenas nas mãos do governo ou do sistema de justiça. Ela está nas atitudes cotidianas de cada um de nós.

*Advogado; sócio fundador do escritório MGR – Maia, Gouveia & Rocha Advogados; Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Gran; Especialista em Advocacia Cível pela Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (FMP); Membro da Comissão de Advocacia Criminal, e Conselheiro Seccional da OAB/AC.

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