Manacapuru, o município amazonense a 91 quilômetros da capital Manaus, pela estrada em linha reta batizada com o nome de Manuel Urbano, não é apenas uma figura de linguagem quando apontado como local de degredo dos derrotados na política local a cada eleição.
O purgatório de infortúnios naquela cidade existia de fato nos tempos do Acre território e se intensificou mesmo com o advento do Acre, em 1962, quando, dois anos depois, em maio de 1964, a ditadura militar derrubou o primeiro governador constitucional, José Augusto de Araújo.
Nos tempos ditatoriais, reza a lenda, os políticos derrotados nas urnas, ainda que a apuração dos votos demorasse alguns dias, pois eram contados manualmente, voto a voto, tinham que fugir da cidade na calada da noite, antes que o resultado oficial fosse proclamado.
BALSA DE 2024:
Muitos fugiam para evitar gozação, não pagar dívidas de apostas, ou com medo de prisões ou de surras homéricas, que também ocorriam e não raramente – ou, como também ocorreu em muitos casos, para evitar humilhações.
Depois de tantos anos de democracia, ninguém, mesmo os mais antigos, aponta um caso concreto. Mas muitos lembram que, para escapar das perseguições, já que as únicas formas de deixar a cidade eram via fluvial ou de avião – com voos para o Acre sempre precários – a saída literal era em barcos, até mesmo balsas, na calada da noite.
Para não denunciar a fuga com o barulho dos motores das embarcações, numa época em que a cidade era pacata e silenciosa, a solução era descer “de bubuia”, em silêncio, com os motores das embarcações desligados. De bubuia, o fujão descia o rio Acre até alcançar a Boca do Acre, entrava no Purus e depois no rio Solimões, até Manacapuru.
Sobre o termo “bubuia”, quem revela mais é o jornalista e humorista Antônio Klemer, que em 2014 criou o que chamou de “minidicionário de acreanês”, reunindo expressões do linguajar peculiar dos acreanos, herdeiros de eufemismos, pleonasmos e regionalismos dos estados do Nordeste, como o Ceará. Essas expressões são bem distintas do linguajar formal do idioma português.
O que Klemer certamente não previa é que ele mesmo estaria na “balsa dos derrotados” em 2024. O jornalista, agora convertido ao papel de pastor evangélico, já havia embarcado na canoa furada de Marcus Alexandre, em 2018, para o governo do Estado pelo PT, e agora repete a trajetória na candidatura para prefeito.
Segundo o cartunista Francisco Braga, que criou uma “balsa” ilustrativa postada pela ContilNet, Klemer e outros personagens estariam viajando rumo a Manacapuru, numa sátira que remonta aos tempos dos jornais impressos, imortalizada pelos chargistas Dim Mendes e Maxtane Dias, e outros desenhistas como o falecido Emanuel Amaral e Gean Cabral.
A lenda da balsa foi popularizada por Zé Leite, jornalista José Chalub Leite, e pelo advogado Aloísio Macedo Maia, que escrevia a crônica “Crônica da Cidade” no extinto jornal O Rio Branco. Aloísio Macedo Maia faleceu em 2005, mas deixou um legado com sua coluna diária que eternizou o folclore da balsa.
Embora o degredo para Manacapuru seja uma lenda satírica, o município amazonense, situado na região metropolitana de Manaus, não é nada desfavorável. Com 101.883 habitantes, Manacapuru é a terceira cidade mais populosa do Amazonas e está localizada às margens do rio Solimões. Seu acesso é pela rodovia Manoel Urbano, que liga a cidade a Manaus, tornando-a um importante polo de integração na Grande Manaus.
O município ocupa uma área de 7.336,579 km² e tem uma vegetação típica amazônica, composta por florestas de várzea e terra firme, além de lagos, ilhotes e uma pequena serra. Fundada em 1786, a cidade originou-se de uma aldeia de índios muras, e ao longo dos séculos, se consolidou como um importante centro turístico e econômico, com destaque para o Festival de Ciranda de Manacapuru.
Manacapuru também tem uma economia forte, sendo o terceiro maior PIB do Amazonas, além de apresentar um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,614, o que a coloca entre os municípios de desenvolvimento médio no estado.
O termo Manacapuru, de origem indígena, significa “flor matizada” em tupi-guarani. A cidade é chamada de “Princesinha do Solimões” por seus atrativos naturais, e o atual prefeito, Betanael da Silva D’Ângelo, foi reeleito em 2020, consolidando sua gestão.