Cinco dias antes da morte de Adilson Maguila, seu filho, Júnior Ahzura, usou seu perfil no Instagram para prestar uma homenagem ao pugilista. Ele postou um vídeo no qual o boxeador aparecia discorrendo sobre o que pensava da homossexualidade durante uma entrevista. Na época, o caçula de Maguila ainda era uma criança e sequer imaginava que no futuro seria um “viado”, como o pai se referia aos gays sem qualquer demérito, apesar do termo empregado.
“Para mim, esse negócio de homossexualismo é para quem sabe ler e quem inventou esse nome científico. Eu não tenho estudo. O homem, o ‘viado’ não é uma doença. Ele nasceu com o dom de ser ‘viado’ e de transar com homens. Então, não acho que seja uma doença. A pessoa já nasceu com esse dom”, disse em 1992: “A gente não pode ser contra”.
A “aula!” dada por Maguila dentro de sua simplória divagação pautou sua relação com Júnior, também nascido Adilson como o pai, e como ele, um lutador. Ainda que sem as luvas, o garoto cresceu dando a cara pra bater nos ringues da vida ao ser gay, preto e gordo.
A forma que encontrou de disseminar o conhecimento que tem sobre os assuntos, após duas faculdades e o trabalho de pesquisador, foi usar a internet como seu saco de pancadas. Autor e apresentador do podcast Gordosfera, no primeiro episódio ele narra como foram as suas próprias descobertas e de como sua família foi importante no processo de acolhimento.
“Eu já nasci grande. Sou filho de uma mulher branca relativamente alta. Meu pai, um homem negro de 1m88, com porte físico largo. Todo mundo esperava um bebezão. E eu fui muito bem acolhido nessa família. Já havia pessoas gordas. Meu avô, por parte de pai, meus tios e tias”, conta ele, que sofreu o primeiro bullying já na infância: “Me chamavam de baleia”
A provocação e os xingamentos ainda piorariam na adolescência, quando assumiu a homossexualidade.
Sempre fui um gordinho viado, era nerd também, ainda sou. Mas fui uma criança viada. Eu era muito gay e desde pequeno. E me zoavam muito porque eu era gordo, e depois porque eu era uma bichinha e minha voz não tinha engrossado como a dos outros meninos” . Junior, filho de Maguila
O pai foi seu protetor e companheiro o tempo todo. Inclusive nos muitos episódios em que o racismo chegava na frente.
“”Tive uma infância meio pública e privada. Meu pai é o Maguila, um dos maiores pugilistas do país, eu tive privilégios sociais e econômicos, sou fruto de uma relação inter-racial e sempre estudei em escolas particulares”, inicia: “Estudei numa universidade tradicional, dentro de uma aristocracia imensa em São Paulo e no meu grupo de amigos tinha muitos bolsistas do Prouni. Uma vez, um colega veio me questionar se eu era bolsista. Eu disse que não e quis saber o porquê da pergunta. Ele disse que, como meus amigos eram da periferia e bolsistas, eu também poderia ser. Mas insisti na pergunta. Aí ele falou: ‘É só olhar pra você, seu cabelo é duro'”.
Dali por diante, o ativismo através da arte passou a ser mais forte. Além do podcast Gordosfera, ele atua no coletivo Adiposa Facção e dá aulas no Instituto Moreira Salles, em São Paulo. Co Maguila, Adilson Júnior sempre teve uma relação de profundo carinho e cuidado, em via de mão dupla, e jamais pediu que o boxeador intervisse numa de suas “lutas”:
Orgulho ter um pai que sempre me aceitou e respeitou! Mais que um herói nacional, meu pai!”