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Ilusão com dinheiro fácil, curiosidade e fascínio alimentam o vício em bets

Por Notícias ao Minuto

© Shutterstock

“Sempre joguei na minha vida, mas o que me destruiu foram as bets.” A frase é do analista contábil Osnan, 51. Sua história nas apostas começou no jogo do bicho e nas máquinas caça-níqueis. Segundo ele, não afetavam a rotina da casa e nem as contas.

Em 2019, a curiosidade para fazer apostas de futebol o levou às bets e aos cassinos online. “Eu fiquei fascinado”, disse.

Osnan integra um grupo na irmandade Jogadores Anônimos. A reportagem acompanhou uma das reuniões no Bom Retiro, região central de São Paulo, e conversou com alguns participantes.

Ilusão com dinheiro fácil, curiosidade e fascínio alimentam o vício em bets

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Os nomes citados são fictícios.

“Eu estava nas apostas de futebol, mas queria coisa rápida. No cassino você pode jogar de R$ 0,50 a R$ 200 a girada. Você perde R$ 5.000 em meia hora, e eu perdi isso várias vezes. Foi a destruição”, relata.

Na primeira vez que jogou, Osnan ganhou R$ 8.200. O valor o incentivou a continuar. A perda chegou a R$ 150 mil em menos de um ano.

Eu estava nas apostas de futebol, mas queria coisa rápida. No cassino você pode jogar de R$ 0,50 a R$ 200 a girada. Você perde R$ 5.000 em meia hora, e eu perdi isso várias vezes. Foi a destruição
analista contábil

“Nas bets, você quer ganhar cada vez mais. Se perde, quer recuperar. Muitas vezes perdi tudo numa noite. Chegou o momento de eu estar com R$ 6.000 no bolso e no outro dia não ter nem um centavo para tomar um café na padaria.”

Além dos prejuízos em dinheiro, Osnan coleciona arrependimentos. Entre eles, o de não ter ficado ao lado da mãe -que tinha doença de Chagas- enquanto ela era viva. “Eu nem atendia as ligações dela para jogar.” Além disso, passou a tratar mal as pessoas e perdeu a paciência com os animais. “Até eles sofriam comigo.”

Por três vezes, Osnan recorreu a agiotas. Da última, não conseguiu pagar e precisou da ajuda da família. “Fiquei sem saída. Minhas contas não fechavam e não conseguia pagar água, luz, TV a cabo. Devia R$ 22 mil ao agiota. Estourei minhas contas no banco, cartões de crédito, empréstimos, dinheiro que peguei com familiares”, conta o analista contábil.

Para ter dinheiro, Osnan pedia adiantamento de salário, de férias e de décimo terceiro. Durante o expediente, usava o banheiro para jogar. O corpo sentiu o impacto. Ansiedade, angústia, taquicardia, sudorese e irritação acompanhavam o vício.

O Jogadores Anônimos trouxe o controle do vício. No dia 23 de setembro, quando conversou com a reportagem, Osnan havia completado 135 dias sem jogar. Hoje, ele também frequenta o AA (Alcoólicos Anônimos), porque o jogo o levou à bebida. Por medo de uma recaída, sua vida financeira é controlada pela irmã.

“Procurem ajuda, porque tem saída. Se eu tivesse continuado com os jogos, teria três saídas para mim: insanidade, prisão ou a morte”, diz Osnan.

O vício em jogos de azar é uma doença, assim como a dependênci a química. E algumas pessoas são mais propensas a desenvolver.

Segundo o psiquiatra e pesquisador Rodrigo Machado, supervisor do Ambulatório Integrado de Transtornos do Impulso do IPq/HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), elas têm vulnerabilidades que, quando expostas repetidas vezes a comportamentos com potencial de gerar dependência, podem modificar o cérebro e adoecer.

“Há um bom tempo a ciência entendeu que a gente não só poderia ficar dependente de substâncias químicas que geram prazer para o cérebro, mas também de alguns comportamentos mais sedutores para uma área do cérebro que processa o prazer. O que une todas as dependências em comum é a perda de controle frente a um comportamento ou uma substância geradora de prazer, com consequências devastadoras seja em esferas sociais, acadêmicas ou profissionais”, explica o médico.

O que une todas as dependências em comum é a perda de controle frente a um comportamento ou uma substância geradora de prazer, com consequências devastadoras seja em esferas sociais, acadêmicas ou profissionais psiquiatra supervisor do Ambulatório Integrado de Transtornos do Impulso do IPq/HC-FMUSP

No final de 2020, o diretor de multinacional Mário, 58, entrou no mundo das bets pelo futebol. Atraído pela variedade de jogos online, se encantou e vislumbrou a possibilidade de os lucros com as apostas servirem como um plano de aposentadoria para o futuro.

“Parece que a nossa história é a mesma de qualquer jogador. No começo você ganha, e isso te empolga. Quando você começa a perder, já está tomado pelo jogo”, relata. No início, ele chegou a ganhar de R$ 2.000 a R$ 3.000.

“Comecei jogando só no futebol. Aí eu vi que tinha corrida de cachorro, de cavalo… A ansiedade te pega.” A partir de um jogo, Mário conheceu vários até chegar a um site de apostas.

“Aquilo é uma máquina que age com toda a inteligência do mundo. Eu não enxergava porque o vício estava me pegando”, relata.

Mário zerou a conta e o limite do pix em quatro bancos. O dano também foi familiar. Em muitos momentos, evitou a presença dos netos para jogar. “Meus filhos e netos são o que tenho de mais importante.”

O prejuízo trouxe um momento de lucidez. Ciente do vício, pediu ajuda aos filhos. “Joguei parte da minha vida pessoal e financeira fora”, conta.

“Minha filha teve problemas com drogas há 14 anos. Eu a levei ao Narcóticos Anônimos e ela não usa mais. Desta vez, ela é quem foi atrás de uma irmandade de jogos para mim. E descobriu o Jogadores Anônimos. Nunca mais parei de vir. Já faz dois anos e quatro meses”, conta.

Minha filha teve problemas com drogas há 14 anos. Eu a levei ao Narcóticos Anônimos e ela não usa mais. Desta vez, ela é quem foi atrás de uma irmandade de jogos para mim. E descobriu o

Jogadores Anônimos. Nunca mais parei de vir. Já faz dois anos e quatro meses diretor de multinacional

Mário prefere não mensurar quanto já perdeu, mas revela que da previdência privada sacou quase R$ 200 mil para jogar. Em recuperação, montou um plano para quitar as dívidas, desejo que realizou um ano e nove meses após sair do vício.

“Você tem que perceber que o jogo é uma doença incurável e que precisa de ajuda. Costumo dizer que estou abstinente. É igual o diabetes, não vai curar e você terá que fazer algumas restrições”, finaliza.

Segundo Clarice Madruga, professora da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a dependência ativa o circuito da recompensa. No vício, a pessoa não valoriza o que antes dava prazer e deixa de dedicar seus recursos à família, ao esporte, ao trabalho ou a qualquer outra atividade.

“É como se o pensamento, o comportamento e as decisões fossem sequestradas para que tudo fique voltado a repetir o comportamento do jogo”, diz.

A ilusão de ganhar dinheiro fácil é um dos reforçadores mais potentes e se equipara de forma muito parecida com o reforço que uma droga faz quando é usada.

“O algoritmo é muito bom para manter a percepção errônea de que o jogador tira vantagem. Reforça a pessoa a achar que está conseguindo ser exceção, que é especial e tira vantagem do sistema, quando o navegador sabe que isso é impossível. O algoritmo sempre vai fazer essa pessoa, em algum pont,o perder mais do que ganhou”, explica a professora.

Os sinais da dependência são isolamento social, dificuldade de se dedicar às tarefas cotidianas e aumento de gastos com jogos em vez de pagar contas básicas.

ONDE BUSCAR AJUDA

O paciente pode buscar tratamento gratuito no Pro-Amiti (Programa Ambulatorial Integrado dos Transtornos do Impulso) do Hospital das Clínicas de São Paulo: proamiti.com.br/transtornodojogo

A irmandade Jogadores Anônimos oferece acolhimento gratuito: jogadoresanonimos.com.br

Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes) da Unifesp: agendamentos por mensagem no WhatsApp: 11 99645-8038
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde.

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