Incêndios no Brasil em 2024 queimaram uma área duas vezes maior que todo o território de Portugal

Maior parte dos incêndios ocorreu na Amazônia, alerta o Montor do Fogo e o Ipam

Uma área equivalente a quase 2,5 vezes o tamanho de Portugal foi o total destruído no Brasil pelos incêndios registrados, principalmente em biomas como a Amazônia, Cerrado e Pantanal, no período de janeiro a setembro deste ano. Isso equivale a 223 mil km² devastados.

A Amazônia foi o bioma mais atingido, contabilizando mais da metade, 51%, da área queimada até agora em 2024. A extensão do estrago espanta até quem está acostumada a estudar o comportamento do fogo.

Incêndio florestal/Foto: Ascom

“É assustador. É um dado muito impactante comparando com os outros anos e o quanto de Floresta Amazônica foi queimada nesses meses”, comenta Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

Na Amazônia, em setembro, foram queimados mais de 56 mil km²; ao todo, no ano, já foram 113 mil km². No mês passado, foram devastados 30 mil km² dos 47 mil km² queimados este ano somente na floresta nativa – o que corresponde a cerca de 20% de toda a área destruída pelo fogo no país em 2024.

Alencar é uma das cientistas que analisa os dados coletados pelo Monitor do Fogo, do Mapbiomas. O levantamento mais recente, divulgado na sexta-feira (11), mostra que mais da metade da área queimada no Brasil (56%) fica em três estados: Mato Grosso, Pará e Tocantins.

A análise mostra que, na Amazônia, a situação foi mais crítica de janeiro a setembro em Terras Indígenas, grandes propriedades e florestas públicas não destinadas. O fogo nesta época não começa de forma espontânea, mas é iniciado por ação humana em mais de 90% dos casos.

A extrema escassez de água e o calor intenso ao longo de todo o ano têm um papel-chave neste cenário. Segundo especialistas em clima, a seca já teria começado na primavera do ano passado, e a estação chuvosa, no início de 2024, chegou tarde e fraca.

“É um ano muito atípico. 2023 foi o mais quente da história e 2024 deve superá-lo. Esse calor e o déficit hídrico são fatores determinantes para aumentar o risco de incêndio”, diz José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

Em 2023, dez ondas de calor foram registradas no Brasil, sete delas chegaram depois de agosto. Até setembro de 2024, o país já enfrentou oito eventos do tipo. “O preocupante é que ainda teremos dois meses bastante quentes pela frente”, alerta Marengo.

Em alguns pontos do Brasil, não há sinal de chuva há mais de um ano. As cidades de Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro, no Amazonas, vivem 16 meses de seca, aponta o índice acompanhado pelo Cemaden. Isso diminuiu a umidade do solo e prolonga a estiagem, pois plantas, lagos e rios transpiram menos – o que reduz a formação de nuvens de chuva.

“As condições climáticas certamente têm um peso grande. Numa situação como essa, qualquer ‘foguinho’ vira um grande incêndio. As chamas escapam e queimam grandes áreas”, comenta Alencar.

Bombeiros e brigadistas costumam se referir ao fenômeno “30, 30, 30” para calcular o risco de incêndio. O primeiro deles diz respeito à temperatura: quando ela atinge ou ultrapassa os 30°C, o ar fica mais seco e facilita a propagação do fogo. O segundo é a marca em percentagem da umidade relativa do ar que, quando é menor que 30%, torna a vegetação mais inflamável. O terceiro tem a ver com a velocidade do vento, um “propagador” de chamas quando chega a 30 km/h.

Pesquisadores buscam também entender o que mais pode explicar a existência de tantos focos de calor mesmo com o desmatamento na Amazônia em queda. Historicamente, o fogo é usado para limpar a área depois que as árvores são cortadas, principalmente de forma criminosa.

“Se a gente não tivesse reduzido o desmatamento na Amazônia nesses dois anos, eu diria que hoje estaríamos numa situação absolutamente catastrófica. Teríamos muitos incêndios que realmente já teriam perdido totalmente o controle e queimado 100% da área de floresta”, argumenta André Lima, secretário de Controle dos Desmatamentos e Ordenamento Ambiental e Territorial do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam que, de janeiro a setembro, houve uma redução de 24% na derrubada da Amazônia em relação ao mesmo período anterior. Ainda assim, a área de florestas atingidas pelo fogo cresceu de uma média de 10% para 35% do total, admite Lima.

Quando olha para os gráficos, Ane Alencar vê semelhanças entre 2024 e 2010, que registrou queimadas em nível semelhante ao atual. Naquele ano, o Brasil tinha quase o mesmo nível de desmatamento de agora e uma situação climática grave. Com um El Niño instalado e o aquecimento das águas do Atlântico Norte, a bacia Amazônica sofreu com a pior seca registrada até então.

“Isso indica que ter reduzido o desmatamento teve uma contribuição importante; caso contrário, poderia haver muito mais fogo na paisagem”, avalia Alencar.

A desconfiança é de que a facilidade para incendiar uma floresta mais seca tenha tornado o fogo uma arma. Beto Mesquita, engenheiro florestal e membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, vê a possibilidade de as chamas serem usadas intencionalmente em maior proporção para eliminar a mata nativa.

“Se a pessoa desmata, ela corre o risco de ser pega pela fiscalização e pelo satélite. Então, ela pula esta etapa e já coloca fogo porque a floresta está seca. Em condições normais, a Floresta Amazônica não pegaria fogo tão facilmente”, diz Mesquita.

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