Por que roupas vintage viraram símbolo de status e artigos de luxo

Os compradores também precisam de paciência para encontrar barganhas

Em 2022, a modelo americana Bella Hadid usou um vestido Gucci branco vintage durante o Festival de Cinema de Cannes, na França. O vestido era mais velho do que ela.

Criado pelo estilista Tom Ford durante sua passagem pela casa de moda italiana, o vestido de mangas longas foi usado pela primeira vez em uma passarela de Milão, na Itália, no verão de 1996 – cerca de 10 meses antes do nascimento de Hadid.

“O vintage se tornou um símbolo próprio de status de luxo”, diz Samina Virk, CEO (diretora-executiva) nos Estados Unidos da Vestiaire Collective, uma plataforma global de alta costura de segunda mão.

“Agora, nem sempre a questão é sobre o que é novo. Às vezes, é sobre o que é velho e difícil de achar.”

Samina Virk

Samina Virk, CEO americana da plataforma de revenda Vestiaire Collective, conta que seus clientes apreciam a ‘emoção da busca’/Clemence Poles

Virk afirma que os clientes pesquisam o site da Vestiaire em busca de “arquivo Gucci”, além de Prada, Miu Miu e Saint Laurent.

“Arquivo” é um termo não oficial da indústria da moda, que basicamente significa “mais de 10 anos de idade, mas suficientemente famoso para que você se lembre dele em um tapete vermelho ou campanha publicitária”. E “troféu vintage” é outra expressão empregada para identificar essas peças simbólicas e muito procuradas.

A modelo e atriz britânica Emily Ratajkowski é uma das celebridades que passaram a dar preferência às peças que já foram adoradas no passado.

A Vestiaire não comercializa apenas produtos vintage. Ela oferece um dinâmico banco de dados de roupas de estilistas, sapatos e acessórios, às vezes de poucas estações atrás.

Uma rápida busca pelas novas ofertas do site mostra um modelador intocado da Khaite ainda com as etiquetas, um par de sapatos de salto alto Dior usados uma única vez e uma bolsa Loewe que poderia ter vindo direto do showroom.

Comprar estes artigos com pouco uso certamente representam economia de dinheiro – na maioria dos casos, cerca de 50% a 70% do preço de varejo. E pode também representar um alívio para os recursos do planeta.

“Comprar uma roupa de segunda mão aumenta seu ciclo de vida, em média, em 2,2 anos”, explica Virk à BBC. Isso significa que não é preciso produzir novas roupas com a mesma rapidez, já que as velhas permanecem em uso por mais tempo.

“É claro que o transporte de roupas pelo mundo consome energia”, prossegue ela. “Mas não chega nem perto da produção de um novo par de sapatos.”

Bella Hadid com um emblemático vestido Gucci de Tom Ford de 1996, durante o Festival de Cinema de Cannes de 2022

Bella Hadid usou um emblemático vestido Gucci de Tom Ford de 1996, durante o Festival de Cinema de Cannes de 2022/Foto: Getty Images

Para Virk, a Vestiaire é uma melhor opção em um sistema de consumo fracassado. E também é uma injeção de dopamina para os consumidores que apreciam a emoção da busca.

“Você rola a tela e, de repente, vê aquele vestido dos seus sonhos, ou se lembra de vê-lo com uma celebridade”, ela conta. “Mas, como o custo é mais baixo, você pode comprar.”

“É parecido com aquelas colaborações dos estilistas com as marcas. A Vestiaire está trazendo este acesso para mais pessoas.”

Banho de realidade

Mas, antes que você fique animada demais, temos um banho de realidade. Os artigos de estilistas na Vestiaire podem ter preços abaixo do mercado, mas, ainda assim, não são baratos.

Óculos de sol Miu Miu, por exemplo, são oferecidos a cerca de US$ 330 (cerca de R$ 1,8 mil) e um top de veludo Vivienne Westwood custa cerca de US$ 630 (cerca de R$ 3,4 mil).

Os compradores também precisam de paciência para encontrar barganhas. O lado negativo do extenso arquivo da Vestiaire é que ele exige muita pesquisa (muitas telas rolando e rolando…) para encontrar o guarda-roupa dos seus sonhos.

Bolsa de luxo

As plataformas de venda de artigos de segunda mão aumentam a vida útil das roupas e dos acessórios criados pelos estilistas/Foto: Vestiaire Collective

Para evitar que os sonhos se transformem em pesadelos, a Vestiaire treina e emprega quase 100 “certificadores” em todo o mundo, para verificar a procedência dos estilistas.

Muitos deles já trabalharam nas marcas de luxo vendidas pelo site e possuem conhecimento profundo sobre as características dos estilistas, como a costura, a qualidade do couro e o material, como os fechos de metal e zíperes usados na maioria das bolsas e sapatos.

Ainda assim, a única forma totalmente segura de saber que sua bolsa Chanel foi realmente produzida pela badalada marca francesa é comprar na sua própria butique. Mas muitos compradores apreciam as oportunidades oferecidas pela Vestiaire e outros sites de revenda, como The RealReal e Fashionphile.

“Sabemos que a confiança não é negociável”, afirma Virk. “Não iremos vender um artigo se não acreditarmos nele.”

Virk começou a acreditar na moda logo no início da vida. Quando era adolescente no Estado norte-americano de Michigan, a paquistanesa-americana usava a moda para mesclar a cultura dos pais com a sua própria.

“Cresci nessa dicotomia, ‘como conciliar a cultura dos meus pais, que eles realmente querem garantir que eu preserve, com a minha vida de adolescente americana?'”, relembra ela. “Para isso, peguei a máquina de costura da minha mãe e comecei a fazer essas roupas tradicionais do Paquistão usando tecidos americanos modernos.”

“Eram os anos 1990 e usei todas aquelas estampas florais bonitas que víamos nas meninas da TV. Tudo surgiu do fato de que eu vivia entre duas culturas. E a forma que imaginei para unir essas culturas foi através da moda.”

Em agosto de 2024, Virk ajudou a Vestiaire a formar outra conexão, desta vez com um sucesso da TV: a série Emily em Paris, da Netflix.

A alta costura exibida na série despertou a imaginação coletiva dos fãs da moda. As roupas de Emily em Paris são fabulosas e até exageradas, mas Virk sabia que o envolvimento da Vestiaire precisaria estar relacionado com o roteiro da produção.

A atriz Jessica Chastain usa uma das roupas que ela vendeu no Vestiaire Collective com fins beneficentes

A atriz Jessica Chastain usa uma das roupas que ela vendeu no Vestiaire Collective com fins beneficentes/Foto:Getty Images

“Era importante que, se os personagens fossem mencionar a Vestiaire, o roteiro fizesse sentido e fosse autêntico”, explica ela. “Não poderiam ser simplesmente roupas malucas e fabulosas, sem fundamento.”

Por fim, a Vestiaire se transformou em uma espécie de fada-madrinha para a candidata a estrela pop Mindy Chen. Na primeira parte da quarta temporada (spoiler!), a personagem vende suas roupas de grife na plataforma, depois de ficar sem dinheiro na busca dos seus sonhos.

Foto de cena da personagem Mindy, vivida por Ashley Park, na série 'Emily em Paris'

Na quarta temporada da série ‘Emily em Paris’, Mindy (Ashley Park) vende suas roupas de grife para financiar sua carreira como cantora/Foto: Netflix

Mindy é uma personagem de ficção, brilhantemente interpretada pela atriz Ashley Park. Mas celebridades da vida real, como Jessica Chastain, Julia Roberts e Kim Kardashian, já venderam peças de grife pela Vestiaire – muitas vezes, em vendas beneficentes.

Outras estrelas e seus estilistas também ficaram conhecidos por vender trajes usados em tapetes vermelhos na plataforma. Eles se mantêm em segredo, apenas para que as transações corram com mais tranquilidade.

Virk não pode divulgar os nomes dessas celebridades ao público. Mas, se ela o fizesse, talvez diminuísse a empolgação de buscar mercadorias no site e ficar imaginando se o suéter Loewe de US$ 150 (cerca de R$ 822) que você acabou de comprar seria realmente o mesmo usado pela atriz Zendaya no filme Rivais (2024).

“Faz parte da diversão da revenda”, destaca Virk. “Você nunca sabe de quem eram as roupas que você pode acabar usando.”

PUBLICIDADE