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Programa de R$ 58 milhões para Cultura beneficia ONGs ligadas a assessores de ministério e petistas

Por Estadão

A iniciativa é considerada um marco histórico pelo governo federal. Foto: Reprodução

BRASÍLIA – O governo federal criou um programa para difusão de cultura nos Estados que beneficia ONGs (Organizações Não Governamentais) ligadas a dois assessores do próprio Ministério da Cultura e a militantes do PT. Em dois anos, os “comitês de cultura”, instituídos pela ministra Margareth Menezes, serão financiados com R$ 58,8 milhões, ao todo.

Entre os contemplados também está um empresário do Mato Grosso que responde por suposto envolvimento com uma quadrilha acusada de crimes como peculato, desvio de recursos e lavagem de dinheiro. Ele foi alvo da Operação Pão e Circo, do Ministério Público estadual, que investiga desvios milionários na Cultura do Estado.

Em nota, o ministério afirmou que as seleções foram feitas com base na capacidade técnica e na qualificação profissional dos contemplados, ressaltou que os órgãos internos não apontaram conflitos de interesses e que não cabe julgamento da pasta sobre a filiação partidária de coordenadores (leia mais abaixo).

Os primeiros repasses do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para as ONGs foram viabilizados entre dezembro e julho, perto do início da campanha eleitoral. As próximas parcelas estão previstas para novembro. Um dos principais contemplados concorreu a vereador, recebeu a ministra para lançamento do comitê enquanto pré-candidato e usou o mesmo espaço para atividades da própria campanha.

A ministra Margareth Menezes, da Cultura, em junho deste ano, durante evento de lançamento do comitê de cultura do Paraná e do Laboratório de Culturas Digitais, em Curitiba Foto: Filipe Araújo / Ministério da Cultura

Criado em setembro de 2023, o Programa Nacional de Comitês de Cultura (PNCC) estabeleceu comitês nas 27 unidades da federação. O plano consiste em contratar entidades culturais para coordenar atividades de fomento nos Estados. Cabe a elas realizar “ações de mobilização social, formação em direitos e políticas culturais, apoio à elaboração de projetos, comunicação social e difusão de informações sobre políticas culturais”.

A seleção dessas Organizações da Sociedade Civil (OSCs) para as coordenações se deu por meio de edital lançado em outubro passado – segundo a definição usada pelo Sebrae, OSC pode ser usado como sinônimo de ONG. Os termos de colaboração das entidades com o ministério foram firmados em dezembro. De lá para cá, o governo já pagou cerca de 26% dos R$ 58 milhões.

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No Distrito Federal, a ONG contemplada para liderar o comitê é a Associação Artística Mapati, uma conhecida fomentadora da cultura em Brasília. Até 23 de janeiro de 2023, ela tinha como vice-presidente o historiador Yuri Soares Franco, secretário de cultura do PT-DF. Como número 2 da entidade, ele falava em nome dela em eventos do segmento e no Congresso.

Franco renunciou à entidade 45 dias antes de ser nomeado assessor da secretaria-executiva do Ministério da Cultura. Nove meses depois de ele virar funcionário do governo, a Mapati assinou o acordo de colaboração com a pasta. Em dois anos, deverá receber R$ 2 milhões. Até agora, foram R$ 486 mil.

O servidor não quis comentar. Em nota, o ministério pontuou que, Yuri Franco, “não fazia mais parte dos quadros da associação quando passou a atuar” na pasta. Também “não estava na Mapati quando o edital foi lançado e não participou do processo seletivo”.

Festa na rua da ministra com candidato a vereador em Curitiba

A ministra Margareth Menezes foi pessoalmente ao lançamento do comitê de cultura do Paraná. O ato contou com cortejo pelas ruas de Curitiba, blocos de carnaval, artistas regionais e trupes circenses. Para coordenar o programa no Estado, a selecionada foi a ONG Soylocoporti, dirigida por João Paulo Mehl.

João Paulo Mehl, líder da ONG Soylocoporti, coordenadora do comitê do Paraná, e a ministra Margareth Menezes Foto: Filipe Araújo / Ministério da Cultura

À época do lançamento do comitê, em junho, ele era pré-candidato a vereador pelo PT. Um mês depois, teve a candidatura homologada para sua estreia nas urnas. Apesar do apoio de lideranças como a ministra e a presidente nacional da sigla, deputada Gleisi Hoffmann, João Paulo Mehl não foi eleito.

As atividades do comitê de cultura do Paraná ocorrem em torno do Terraço Verde, um projeto ambiental de Mehl que também funciona como braço cultural de seu grupo político. O mesmo espaço serviu para atividades da campanha eleitoral. Ele é líder de uma rede com centenas de sites, blogs e influenciadores à esquerda e já tem sido provocado para novos planos eleitorais em 2026. Em dois anos, a ONG dele receberá R$ 2,6 milhões.

Procurado pela reportagem, João Paulo Mehl afirmou que “o Terraço Verde é um espaço privado com fins públicos” e que o uso pode ser agendado por qualquer pessoa para atividades desde que ela “compartilhe dos valores éticos e morais de um mundo ambientalmente correto, respeito aos direitos humanos e as diferenças étnicas, de gênero e religiosas”.

Também destacou que ao recepcionar a ministra ainda não tinha a candidatura homologada. Disse ainda que suas preferências políticas não comprometem a execução da política pública porque “enquanto organização não fazemos parte do atual governo e não atuamos ligados a qualquer governo.”

Dirigente de Manaus ganhou cargo no governo após convênio

No Amazonas, outro militante do PT foi beneficiado pelo programa. Conforme a documentação apresentada pela própria entidade ao ministério, Ruan Octávio da Silva Rodrigues é um dos dirigentes do Instituto de Articulação de Juventude da Amazônia (Iaja), escolhido para coordenar o comitê estadual. Para a tarefa, deverá receber R$ 2 milhões do Ministério da Cultura.

Em março deste ano, já com o comitê sob a coordenação do Iaja formalizado, ele teve passagens custeadas pelo governo para participar da 4ª Conferência Nacional de Cultura. Durante a estadia na capital federal, aproveitou para ir a um “encontro com a diplomacia cubana” na sede do diretório nacional do PT.

“Uma troca cultural importante. Na oportunidade falei sobre a minha relação com Cuba e a nossa experiência na articulação entre os países”, escreveu nas redes sociais.

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