Muitas bandas tentaram (e tantas outras realizaram outros prodígios tentando), mas nenhuma conseguiu nem de perto reproduzir o equilíbrio na combinação de romantismo e desolação que vem sendo a marca do Cure, há mais de 40 anos, em discos e shows.
Sem nenhuma dúvida o inventor de um estilo do rock, o grupo liderado pelo inglês Robert Smith levou 16 anos para aprontar seu 14º álbum, “Songs of a lost world”, que chega inteiro ao streaming nessa sexta-feira, após o lançamento de dois singles. Se valeu a pena a espera? Depende de como o ouvinte vai encarar o disco.
Quem tem na memória o poder pop de canções tristes-alegres como “Friday I’m in love” ou “Inbetween days” certamente vai se frustrar. Aos 65 anos de idade, Smith está cada vez mais mergulhado em suas obsessões e pouco interessado em disputar com Sabrina Carpenter ou Olivia Rodrigo por um lugar nas paradas de sucessos. Como dá a entender o título do disco, ele vive em um mundo que não é mais este daqui.
Nesse mundo próprio em que o artista vive (um mundo que, por sinal, muita gente mais jovem veio descobrindo com os mais velhos e resolveu fazer sua morada também), as coisas acontecem de forma mais lenta, quase sempre envoltas em bruma. Mesmo que feito nos econômicos moldes de um LP de vinil (49 minutos de duração, oito faixas claramente organizadas em lados A e B), “Songs of a lost world” não se deixa guiar pelo imediatismo dos novos tempos: é um disco contemplativo, teatral e cheio de beleza.
Síntese do que é o Cure (meio como os clássicos “Disintegration”, de 1989, ou “Pornography”, de 1982), o disco começa com “Alone”, faixa com a qual o grupo tem feito a abertura de seus shows: uma bela e épica canção, na qual o grupo dispensa modernidades e a voz de Robert Smith só entra aos 3m22. Na mesma toada, ele segue por outras faixas, como “Nothing is forever” e “I can never say goodbye”, unidas por seus pianos e teclados que beiram o brega e suas sentidas reflexões sobre mortalidade – o tipo de música que só faz sentido (e só emociona)orque é obra de Smith.
Há algumas músicas mais agitadas, porém. “A fragile thing” traz guitarras bonitas e os melhores vocais do disco. “Warsong” fecha um possível lado A do disco já pegando bastante gás, com as guitarras farpadas de Reeves Gabrels. E “Drone:Nodrone”, a primeira do lado B (que Roberto Smith compôs instigado pelos drones que viu sobrevoando o jardim de casa) evoca o Cure mais violento e paranoico, com o baixo distorcido de Simon Gallup conduzindo a devastação sonora.
Por fim, “All I ever am” é o que se tem mais próximo no disco de um roquinho (embora não seja nenhum “Friday I’m in love”) e “Endsong” (outra que o grupo vinha mostrando em seus shows mais recentes) cumpre a função que outras faixas cumpriram em outros discos da banda: a de dizer “aqui vamos nós, tirando o time de campo, mas sem qualquer pressa”. E, desta vez, sem qualquer pressa mesmo: voz de Robert Smith aparece só lá pelos 6m24 e a coisa vai até 10m23.
Pode parecer que é a despedida definitiva do Cure, mas o líder garante que ainda há uns outros dois álbuns a serem feitos. Como “Songs of a lost world” indica, muito provavelmente eles não trarão canções pop como nos outros tempos. Mas tudo bem. Afinal, os estados de espírito tão desesperadamente juvenis que esta banda evoca, em sua gloriosa maturidade, não há qualquer outra banda que consiga evocar.