Deputados tentam emplacar PEC para reduzir jornada de trabalho; Congresso já engavetou tese antes

Texto ainda não é oficialmente uma PEC, mas tem movimentado debate público. Tanto a Constituição quanto a CLT não fazem menção a modelos específicos de escalas de trabalho.

Um movimento crescente nas redes sociais tem impulsionado a discussão no Congresso Nacional sobre propostas que alteram as regras das jornadas de trabalho.

Ainda não protocolado na Câmara dos Deputados, um texto proposto pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) tem sido o responsável por manter o tema nos assuntos mais comentados das plataformas.

A parlamentar tem recolhido assinaturas para apresentar à Câmara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz a jornada máxima de trabalho para 36 horas semanais, em 4 dias por semana.

  • O objetivo central do texto é acabar com a possibilidade de escalas de 6 dias de trabalho e 1 de descanso — chamada de 6×1.

Em nota (veja íntegra abaixo), o Ministério do Trabalho afirmou que tem “acompanhado de perto o debate” e que a redução da jornada é “plenamente possível e saudável”, mas a questão deveria ser tratada em convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados.

A iniciativa de Erika Hilton nasceu de uma mobilização do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que ganhou força nas redes e somou 1,5 milhão de assinaturas em um abaixo-assinado que pede à Câmara dos Deputados a revisão da escala 6×1.

Apesar dos movimentos, o texto ainda não é oficialmente uma PEC. Para se tornar uma matéria em tramitação na Câmara, a proposta de Erika terá de reunir as assinaturas de, no mínimo, 171 dos 513 deputados.

Até o momento, a equipe da deputada afirma ter superado a marca dos 100 apoios. Depois de alcançar o mínimo de assinaturas, a proposta poderá ser protocolada e enfrentará um longo processo até a aprovação.

A sugestão de PEC pretende alterar um trecho da Constituição que trata dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. Outra proposta com o mesmo objetivo já foi engavetada pela Câmara, antes de ser votada pelo plenário (relembre mais abaixo).

A proposta de Erika Hilton prevê estabelecer que a jornada de trabalho normal:

  • não poderá ser superior a 8 horas diárias;
  • não poderá ultrapassar 36 horas semanais; e
  • será de 4 dias por semana.

Segundo o texto, que está no sistema interno da Câmara para reunir apoio de deputados, as mudanças entrariam em vigor depois de 360 dias da eventual promulgação da PEC.

A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) em discurso no plenário da Câmara no dia 8 de março — Foto: Pablo Valadares/ Câmara dos Deputados

A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) em discurso no plenário da Câmara no dia 8 de março/Foto: Pablo Valadares/ Câmara dos Deputados

A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) em discurso no plenário da Câmara no dia 8 de março — Foto: Pablo Valadares/ Câmara dos Deputados

Qual a regra atual?

Atualmente, a Constituição estabelece que a jornada de trabalho normal:

  • não pode ser superior a 8 horas diárias;
  • não pode superar 44 horas semanais; e
  • poderá ser estendida por até 2 horas.

Essas regras também estão previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A CLT determina que os empregados não podem exceder 8 horas diárias de trabalho. Diz, ainda, que todo trabalhador tem direito a um descanso semanal de 24 horas consecutivas, que deve coincidir com o domingo.

Tanto a Constituição quanto a CLT não fazem menção a modelos específicos de escalas de trabalho. Não há, portanto, restrição ou definição explícita das modalidades.

A regra é que, ao definir as escalas, os empregadores têm de seguir os limites de horas diárias e semanais previstos na legislação. Isso torna possível o modelo 6×1, que é alvo de revisão na proposta de Erika Hilton, com a distribuição das horas ao longo dos 6 dias e com uma única folga.

Demissões e risco a pequenos negócios

Para o economista Pedro Fernando Nery, a proposta ainda não está clara e mistura o fim da escala “6 x 1” – que, por si só, pode afetar setores importantes como comércio e hotelaria – com a redução da carga horária semanal, que afetaria toda a economia e geraria mais riscos sobre o emprego formal.

“Empresas podem deixar de contratar, ou até mesmo demitir. Alguns pequenos negócios poderiam fechar”, diz Nery.

O economista afirma que, em razão desses riscos, qualquer mudança nesse sentido exigiria “uma transição”. “Uma mudança devagar ao longo dos anos, permitindo que o governo avalie, também, compensações para minimizar o risco de desemprego em setores que estiverem sofrendo”.

Nery diz que, de fato, o nível de emprego poderia aumentar em setores mais movimentados nos fins de semana – como empresas do ramo de entretenimento, que teriam que contratar para completar a escala. Por outro lado, há setores que seriam prejudicados e teriam, possivelmente, que demitir.

‘Novas realidades de mercado’

Erika e o movimento em defesa da proposta argumentam que a revisão é necessária para adaptar o trabalho às “novas realidades do mercado de trabalho e às demandas por melhor qualidade de vida dos trabalhadores e de seus familiares”.

  • O modelo de escala 6×1 é comum em setores como restaurantes, mercados, saúde e serviços, por exemplo.
  • A escala prevê que o profissional com carteira assinada trabalhe seis dias da semana consecutivos e tenha um dia de descanso.

A parlamentar defende acabar com o modelo em que o trabalhador folga apenas um dia na semana do 6×1 e adotar a jornada de trabalho de 4 dias na semana no Brasil.

“A alteração proposta à Constituição Federal reflete um movimento global em direção a modelos de trabalho mais flexíveis aos trabalhadores, reconhecendo a necessidade de adaptação às novas realidades do mercado de trabalho e às demandas por melhor qualidade de vida dos trabalhadores e de seus familiares”, afirma.

No abaixo-assinado que deu origem à mobilização, o VAT defende que a escala 6×1 é “abusiva” e afeta “negativamente a qualidade de vida dos empregados, comprometendo sua saúde, bem-estar e relações familiares”.

Congresso já engavetou propostas semelhantes

O debate sobre o limite de horas de trabalho não é recente no Congresso Nacional. Diversas propostas foram apresentadas ao longo das últimas décadas para alterar a Constituição ou modificar a CLT.

Algumas registraram avanços, mas não prosperaram a ponto de serem aprovadas pelo conjunto dos parlamentares.

  • Redução de jornada para 40 horas

Em 2009, depois de 14 anos de discussão na Casa, uma comissão especial da Câmara aprovou, por unanimidade, uma PEC que reduzia a jornada máxima para 40 horas semanais. O texto também elevava o valor da hora extra trabalhada.

A proposta, que tentava modificar a Constituição, chegou longe para uma matéria desse tipo.

Na Câmara, PECs precisam ser admitidas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ); depois, analisadas por uma comissão especial; e, por fim, ainda precisam ser votadas pelo plenário principal da Casa.

Relatada pelo deputado Vicentinho (PT-SP), após ser aprovada pela comissão especial, esta PEC ficou apta a ser votada pelo plenário. Nunca foi pautada.

Apesar dos diversos pedidos para que o texto fosse incluído na agenda de votações, a proposta acabou arquivada em 2023.

  • Redução de jornada para 36 horas

Em 2019, uma outra PEC sobre a redução de jornada também foi apresentada à Câmara pelo Reginaldo Lopes (PT-MG), com o apoio de mais 190 deputados. O texto propõe reduzir a jornada para 36 horas semanais, com um período de transição de 10 anos.

A proposta foi enviada à CCJ e chegou a entrar na agenda de votação do colegiado em novembro de 2023. Deputados de oposição conseguiram, porém, aprovar um requerimento que pedia a retirada de pauta da PEC por 30 votos a 25. Depois disso, o texto nunca mais voltou à programação da CCJ.

No Senado, ao menos outros dois projetos sobre o tema estão paralisados.

  • Redução de horas por acordo

Um projeto, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), que autoriza a redução de horas diárias ou semanais por acordo ou convenção coletiva, sem queda na remuneração, foi aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais da Casa em fevereiro de 2023.

O texto deveria seguir diretamente para a Câmara, mas foi alvo de um requerimento, aprovado pelo plenário principal do Senado, para que o projeto fosse analisado também pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

Em março deste ano, o senador Eduardo Gomes (PL-TO) foi escolhido como relator da proposta no colegiado, que ainda não tem previsão de votá-lo.

  • Redução de jornada gradual

Paim também é autor de uma PEC muito semelhante à proposta por Erika Hilton. O texto também prevê reduzir a jornada máxima para 36 horas semanais, com limite de 8 horas diárias. Não há, porém, veto à escala 6×1.

A PEC de Paim, que recebeu 27 apoios, determina que a redução da jornada seja gradual, com um corte de 1 hora a cada ano.

A proposta ficou esquecida até 2022, quando foi arquivada. No ano seguinte, Paulo Paim pediu o desarquivamento do texto. Desde então, aguarda análise da CCJ da Casa, onde terá a relatoria de Rogério Carvalho (PT-SE).

Debate antigo

O debate pela redução da jornada de trabalho não é recente. Durante a Assembleia Constituinte, parlamentares defenderam, na discussão do trecho que trata dos direitos do trabalhador na Constituição, que o limite de horas semanais fosse reduzido de 48 horas para 40 horas.

Paim e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram alguns dos defensores da tese, que acabou rejeitada e foi vencida pelo texto atualmente em vigor que limita o trabalho a 44 horas por semana.

Caminho da PEC

O caminho para aprovar uma PEC na Câmara é longo. Depois de conquistar os apoios necessários e apresentar a proposta, a discussão na CCJ da Casa é a primeira etapa do caminho até a aprovação.

A Comissão de Constituição e Justiça analisa a admissibilidade da proposta — sem avaliar e fazer mudanças no mérito (texto) da proposição. Se aprovada, é enviada para uma comissão especial.

Cabe à comissão especial analisar o mérito e propor alterações à proposta. Regimentalmente, o colegiado tem até 40 sessões do plenário para concluir a votação do texto.

Se isso não ocorrer, o presidente da Câmara poderá avocar a PEC diretamente para o plenário — isto é, colocar em votação direta pelo conjunto dos deputados.

  • Depois da passagem pela comissão especial, a PEC fica apta a ser votada pelo plenário. Lá, a proposta precisa reunir ao menos 308 votos favoráveis, em dois turnos de votação.

Testes no Brasil

O modelo de escala, proposto por Erika Hilton, já é testado por algumas empresas brasileiras. A testagem da escala 4×3 é umainiciativa da “4 Day Week Brazil”, parceira no Brasil da “4 Day Week Global”, organização sem fins lucrativos que já fez vários testes parecidos ao redor do mundo.

O objetivo é reduzir a jornada de trabalho, mantendo 100% dos salários e da produtividade.

Ao todo, 19 empresas concluíram a primeira edição do experimento no Brasil. Todas decidiram manter, permanentemente ou ainda como teste, a redução do expediente, mas algumas em menor escala.

O que diz o governo

Em nota, o Ministério do Trabalho informou que tem acompanhado o debate. Veja na íntegra:

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) tem acompanhado de perto o debate sobre o fim da escala de trabalho 6×1. Esse é um tema que exige o envolvimento de todos os setores em uma discussão aprofundada e detalhada, levando em conta as necessidades específicas de cada área, visto que há setores da economia que funcionam ininterruptamente.

O MTE acredita que essa questão deveria ser tratada em convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados. No entanto, a pasta considera que a redução da jornada de 44 horas semanais é plenamente possível e saudável, diante de uma decisão coletiva.

PUBLICIDADE