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Fim da escala 6×1: o impacto real para o trabalhador e os desafios para as empresas

Por Mathias Vogt, ContilNet

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC), apresentada recentemente pela Dep. Erika Hilton, ganhou notoriedade com seu objetivo ousado: reduzir a jornada semanal de trabalho dos brasileiros de 44 para 36 horas. Teoricamente, essa mudança, alteraria a escala atual de 6×1 (seis dias de trabalho e um de descanso) para uma escala 4×3 (quatro dias de trabalho e três de descanso), trazendo um impacto significativo para a organização do trabalho no país.

Proposta começa a tramitar no Congresso/Foto: Reprodução

Para compreender a profundidade dessa proposta, é essencial revisitar a trajetória da legislação trabalhista brasileira. Em 1932, com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o Brasil deu seu primeiro passo em direção à mediação das relações trabalhistas. Mais tarde, em 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) representou um marco na proteção dos direitos dos trabalhadores, surgindo como resposta ao contexto de exploração excessiva e promovendo a regulamentação das relações laborais. Foi com a Constituição de 1988, porém, que se distribuiu o limite de 44 horas semanais, um avanço social que trouxe equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, fixando a jornada diária em 8 horas.

Na prática, a proposta de redução para 36 horas semanais, com a introdução da escala 4×3, levanta questões sobre o tempo e a qualidade de vida do trabalhador. Embora o descanso de três dias consecutivos seja atraente, o impacto varia conforme o setor e a natureza das atividades profissionais.

Possíveis Impactos Positivos

  1. Melhoria da Qualidade de Vida e Produtividade: Estudos sugerem que uma carga de trabalho reduzida pode aumentar a produtividade, favorecendo um ritmo de trabalho mais eficiente.
  2. Valorização do Tempo Livre e Bem-Estar: A escala 4×3 pode promover um maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, com trabalhadores mais motivados e valorizados.
  3. Estímulo à Economia em Setores Específicos: Setores como turismo, cultura e entretenimento podem se beneficiar, pois a população terá mais tempo para consumir produtos e serviços específicos ao lazer.

Possíveis Impactos Negativos

  1. Aumento de custos para empresas: A redução da jornada pode gerar necessidade de novas contratações, impactando especialmente as pequenas e médias empresas, que talvez enfrentam a pressão de terceirizar serviços ou até reduzir vagas.
  2. Aumento dos Preços de Bens e Serviços: O aumento dos custos empresariais tende a ser repassado ao consumidor final, o que pode aumentar o custo de vida, afetando o poder de compra da população.
  3. Redução de Salários ou Benefícios: Existe a possibilidade de que uma jornada menor resulte em ajustes salariais ou de benefícios, comprometendo o poder aquisitivo dos trabalhadores.
  4. Impacto na Produtividade Geral: Setores que dependem de operação contínua podem sofrer com uma redução na produção total, apesar de ganhos de produtividade individuais.

No entanto, a discussão é apenas um ponto inicial sobre o tema, uma vez que, para surtir efeitos, a Proposta de Emenda à Constituição precisa ser aprovada. Para isso, ela segue um trâmite específico no Congresso Nacional. Esse processo detalhado garante que a proposta seja amplamente discutida antes de integrar a Constituição:

  1. Coleta de Assinaturas: A PEC precisa do apoio de pelo menos 171 deputados para iniciar sua tramitação. Cada assinatura autoriza o debate, mas não implica apoio ao conteúdo da proposta.
  2. Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) : A CCJ analisa a constitucionalidade da proposta. Se aprovada, a PEC segue para a próxima etapa; se rejeitada, e arquivada, mas pode ser reformulada.
  3. Comissão Especial para Análise de Mérito: Nesta fase, a PEC é debatida em detalhes, e audiências públicas são realizadas. A comissão emite um relatório com recomendações que, se aprovado, permite o avanço da proposta.
  4. Votação em Dois Turnos no Plenário da Câmara: Em cada turno, a PEC precisa do apoio de 308 deputados. Se aprovado, segue para o Senado.
  5. Tramitação no Senado Federal: O processo é semelhante ao da Câmara. Se aprovada em dois turnos, a proposta é oficialmente aprovada.
  6. Promulgação da Emenda Constitucional: Aprovada nas duas casas, a PEC é promulgada em sessão conjunta do Congresso Nacional, entrando imediatamente em vigor.

Todavia, mesmo com uma jornada reduzida, os acordos coletivos de trabalho são essenciais para adaptar as condições laborais às realidades de cada setor. Esses acordos, que permitem a negociação de aspectos como turnos e compensações de horas, deverão refletir a nova carga horária, garantindo a flexibilidade necessária para setores específicos como saúde e indústria.

Em síntese, reduzir a jornada semanal é uma discussão importante, mas o impacto sobre as empresas, especialmente as pequenas e médias, exige cautela. Em vez de uma redução abrupta para 36 horas, o modelo de 40 horas pode representar um ponto de equilíbrio, oferecendo aos trabalhadores mais tempo de descanso sem comprometer as metas das empresas. Aliás, esse é um debate antigo entre sindicatos e entidades de representação de classe. 

O modelo de 40 horas, inclusive já adotado em diversos países, equilibra a produtividade com a sustentabilidade econômica, preparando as empresas para mudanças futuras sem prejudicar empregos ou competitividade.

A proposta da deputada Erika Hilton abre um debate necessário sobre o valor do tempo do trabalhador e a modernização do ambiente de trabalho. Contudo, é fundamental que a mudança seja acompanhada de estratégias para proteger as pequenas e médias empresas. Uma jornada de 40 horas pode representar um avanço gradual e sustentável, que talvez permita ao trabalhador maior descanso sem criar uma ruptura significativa nos custos operacionais.

A proposta de redução da jornada de trabalho para 36 horas ainda está em fase inicial e serve como ponto de partida para um debate amplo sobre as condições de trabalho no Brasil. A participação de diversos setores da sociedade será essencial para que se encontre uma solução equilibrada, que harmonize as necessidades dos trabalhadores com as capacidades econômicas do país.

Afinal, além da jornada de trabalho, é crucial considerarmos que o bem-estar e a qualidade de vida dos trabalhadores demandam uma abordagem mais ampla. Melhores condições salariais dependem de política tributária que reduza a carga sobre a produtividade. Ao final tudo está ligado a maior eficiência no uso do gasto público buscando equilibrar as necessidades de quem emprega e de quem busca emprego. Assim, o debate sobre a redução da jornada deve ser acompanhado de outras medidas estruturais, que promovam condições de trabalho mais justas e produtivas. 

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