A conferência do clima deste ano avançou na negociação sobre ajuda financeira para países em desenvolvimento combaterem a crise climática, e apareceram neste final de semana os primeiros números sobre a mesa. Entre os valores propostos estão cifras que vão de US$ 100 bilhões a US$ 6,8 trilhões ao ano, mas os valores ainda estão em aberto e as negociações avançam devagar.
O esboço de texto mais recente sobre o acordo foi divulgado na manhã deste sábado (16) na 29ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP29), em Baku, no Azerbaijão. Os valores se referem a uma nova meta quantificada coletiva que os países desenvolvidos terão de desembolsar para ajudar nações mais pobres a se adaptarem à mudança climática e a cortarem emissões de CO2, gás que causa o efeito estufa e o aquecimento global.
Esse objetivo está sendo debatido por representantes dos 198 países da convenção do clima da ONU (UNFCCC), e o status da negociação está demonstrado num documento de 25 páginas distribuído hoje. O texto ainda possui muitos itens redigidos com mais de uma opção para os países escolherem, com várias expressões escritas entre colchetes, sinal gráfico usado por diplomatas para indicar pontos ainda em desacordo.
O documento está evoluindo lentamente, levando em conta que precisa ser finalizado e votado até a próxima sexta-feira, quando termina a COP29. Uma versão anterior do esboço do documento, divulgada um dia antes, tinha 408 itens entre colchetes. A versão de hoje tem 306. O número de “opções” em tópicos inteiros onde ainda não há consenso, porém, não evoluiu. São 44 opções desde a o primeiro esboço do texto divulgado nesta semana.
— Essas cifras todas que ainda estão no esboço, um texto que não está ainda num ponto em que possa ser trabalhado para virar um acordo, estão representando todas as opções que cada país colocou na mesa. E claramente tem ali opções que não são viáveis — diz Stela Herschman, especialista em política climática do Observatório do Clima, coalizão de ONGs brasileiras que acompanha a discussão em Baku.
A faixa mais mais baixa de valores mencionados, de poucas centenas de bilhões, é considerada insuficiente pelos países em desenvolvimento para suas necessidades de adaptação e mitigação do aquecimento. A meta anterior de financiamento, definida em 2015 no Acordo de Paris para o clima, era de US$ 100 bilhões ao longo e um período de seis anos até 2021, e não há consenso nem sequer sobre se esse número foi cumprido.
Uma boa parte do texto em negociação agora versa sobre que tipo de ajuda financeira deve ser considerada auxílio climático. Países ricos querem incluir na conta repasses de ajuda humanitária com fim mais genérico, mas os pobres consideram isso uma “pedalada” para fechar as contas. Não há acordo ainda sobre se os valores a serem fixados devem incluir apenas repasses de governo ou se a iniciativa privada conta também.
Os estudos econômicos que estão circulando entre negociadores mencionam, de fato, mencionam valores na casa dos trilhões de dólares. A cifras são altas porque o que está em jogo, em última instância, é a substituição da matriz energética de países inteiros e programas de adaptação a um clima que já está mais hostil, provocando mais desastres por eventos extremos.
O que deve balizar a nova meta quantificada coletiva de financiamento, à qual diplomatas se referem pela sigla NCQG (New Collective Quantified Goal), é a cláusula do Acordo de Paris segundo as qual os cortes de emissão devem ser suficientes para impedir que o planeta se aqueça em média mais de 1,5° acima da linha de base do século 18, ou que fique ao menos “bem abaixo dos 2°C”.
O texto de Paris não determina um número coletivo sobre cortes de CO2 e outros gases-estufa, mas o painel de cientistas da ONU sobre mudança climática (IPCC) afirma que as emissões precisam cair 43% até 2030, em relação ao que era emitido em 2019. Até 2050, o planeta precisa converter praticamente sua matriz energética inteira de combustíveis fósseis para geração limpa e renovável.
Os países da África, que estão negociando a questão em bloco na conferência, delegaram autoridade ao representante do Quênia, Amb Ali Mohamed, para falar da questão. Por ser a região menos desenvolvida do planeta, a África Subsaariana deve ser o destino de uma parte significativa do auxílio climático.
O valor demandado pelo grupo é apontado como um possível ponto de convergência.
“A África segue firme em sua demanda por US$ 1,3 trilhão por ano como uma meta de mobilização, sustentada pela provisão de que pelo menos metade disso seja em doações e financiamento concessional”, afirmou Mohamed, em um comunicado ao fim do dia na COP.
Em outras palavras, na visão dos africanos esse valor não incluiria financiamento privado, e a maior parte do bolo seria em repasse a fundo perdido ou com juros subsidiados. Esse US$ 1,3 trilhão também não inclui compensações por “perdas e danos”, recursos que seriam passados a países que já sofrem consequências econômicas da mudança climática.
Segundo Natalie Unterstell, presidente do centro de estudos climáticos Instituto Talanoa, existe uma pressão forte de países em desenvolvimento para que a COP29 entregue uma meta de financiamento climático que seja boa tanto em “quantidade” quanto em “qualidade”, definindo bem as regras para contabilizar os repasses.
— Se esse número for, por exemplo, na casa dos US$ 400 bilhões, ele seria uma quantia bem maior do que aquela que foi prometida lá atrás, em Paris, mas mesmo assim ainda muito distante das necessidades — afirma. — Mas se essa meta nova vier muito bem desenhada, com boas condições de ética e dos aspectos qualitativos, e se ela tiver uma promessa que seja revisada depois de cinco anos, talvez seja melhor do que ter um número de trilhões que vai estar totalmente furado e muito vago.
A COP29 encerra neste fim de semana a discussão do assunto em âmbito mais técnico. O debate na segunda semana da conferência, quando a presença de chefes de estado, ministros e representantes de primeiro escalão aumenta, ganha um motor mais político.
Um resultado de sucesso na discussão da NCQG na COP29 é considerado essencial para que a COP30, a ser realizada em Belém no ano que vem, também tenha êxito. Até a conferência do Brasil, os países terão de renovar suas metas de cortes de emissões de CO2, que hoje estão muito aquém do objetivo de 1,5°C. Muitos países em desenvolvimento condicionam esse aumento de ambição a aportes de recursos para implementar as mudanças necessárias.