Salvador registra tiroteios no entorno de 3 em cada 4 escolas públicas

Episódios de tiroreios são rotina de milhares de alunos das escolas públicas da capital baiana

Era manhã de uma segunda-feira quando tiros irromperam no entorno da escola municipal São Pedro Nolasco, em Salvador, em julho de 2023. Apavorados, professores e alunos se deitaram no chão até barulho cessar. Mas um dos projéteis atravessou a janela da cozinha e se alojou em uma panela, onde era feita a merenda do dia.

A escola, que fica em uma das áreas mais vulneráveis do Nordeste de Amaralina e atende a crianças da creche à 5ª série, suspendeu as aulas naquela semana. Mas parte dos alunos só retornou à rotina de estudos dias depois, quando os pais se sentiram minimamente seguros.

Salvador registra tiroteios no entorno de 3 em cada 4 escolas públicas

© iStock

Longe de ser um caso isolado, episódios como este são rotina de milhares de alunos das escolas públicas da capital baiana. É o que aponta um levantamento realizado pelo Instituto Fogo Cruzado e pela Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, em parceria a Defensoria Pública do Estado da Bahia.

O estudo, obtido com exclusividade pela Folha, mapeou os tiroteios registrados em Salvador no período de 4 de julho de 2022 a 30 de agosto de 2024 e identificou 728 casos de trocas de tiros em áreas que ficam em um raio de até 300 metros de escolas e que aconteceram entre as 6h e as 22h.

No período, foram registrados tiroteios próximo de 443 das 593 unidades de ensino estaduais e municipais de Salvador, o equivalente a 3 em cada 4 escolas. Em média, dentre os 200 dias que compõem o ano letivo, ao menos 161 tiveram registro de tiros no entorno de escolas.

“Os resultados são chocantes, estarrecedores. O que o levantamento mostra é que problema existe e não é casuístico. Não é sobre uma escola, existe uma rotina de violência armada que está afetando a educação em Salvador”, afirma Maria Isabel Couto, diretora de dados e transparência do Fogo Cruzado.

O bairro da Fazenda Grande do Retiro, periferia da capital baiana, foi o que mais registrou tiroteios perto de escolas. Foram nove casos em 2022, 13 no ano passado e 17 este ano. Na sequência, os bairros Beiru, Castelo Branco e Engenho Velho da Federação aparecem entre os com mais registros de trocas de tiros.

Dudu Ribeiro, diretor da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, afirma que a violência armada na capital tem a marca da desigualdade – ele destaca que um terço dos tiroteios próximos a escolas estão concentrados em dez bairros de Salvador.

“Como é possível crianças terem garantido seu direito à educação e segurança num bairro em que todas as escolas registraram tiroteios em seu entorno, como em Fazenda Grande do Retiro, em que registramos 39 ocorrências?”, questiona.

Um retrato deste cenário é a escola municipal São Pedro Nolasco, que fica em uma das regiões de maior vulnerabilidade no Nordeste de Amaralina. Lá, a rotina de violência atemoriza a comunidade escolar

As interrupções das atividades das escolas trazem impacto no desenvolvimento das atividades pedagógicas e no aprendizado dos estudantes. A violência também deteriora a saúde mental de alunos, professores e funcionários.

“Temos professores com crise de ansiedade, sendo acompanhados por psiquiatra. Crianças pequenas, de dois, três anos que entram em pânico quando há uma situação de tiroteio. A gente não sabe o que fazer”, afirma a professora Jiane Vieira Soares, 55, diretora da escola.

Diante dos constantes tiroteios, a escola também tem dificuldades para recrutar professores e funcionários. Em geral, são pessoas da própria comunidades que se dispõem a trabalhar na região.

Os dados ainda apontam que ao menos 315 tiroteios perto de escolas – 43% do total- ocorreram durante ações policiais. Para Maria Isabel Couto, do Fogo Cruzado, é preciso pensar formas de promover a segurança sem transtornos para estudantes.

“A pergunta que fica é qual o ganho desta política? Quantos grupos armados foram desarticulados depois de tantos tiros? Qual o indicador que mostra o sucesso dessa estratégia? Nenhum”, afirma.

A Defensoria Pública da Bahia, que acompanha as demandas de moradores em regiões de extrema vulnerabilidade, emitiu uma recomendação ao Governo da Bahia e à Prefeitura de Salvador para adotarem medidas que assegurem a educação em ambientes mais seguros para crianças e adolescentes.

Entre as medidas estão a não realização de operações policiais nas proximidades das escolas e creches nos horários de maior fluxo de entrada e saída de pessoas e, quando não for possível, que a Defensoria e o Ministério Público sejam informados previamente.

A Defensoria também recomendou a capacitação de professores em gestão de crises e primeiros socorros, além da garantia da reposição dos dias letivos eventualmente suspensos, entre outras orientações.

Em nota, o Governo da Bahia afirmou que as escolas têm o apoio do Batalhão de Policiamento Escolar e que a secretaria de Educação atua de forma integrada com os órgãos de segurança.

A gestão Jerônimo Rodrigues (PT) disse ainda que investe em políticas preventivas e de apoio psicológico, “promovendo um ambiente escolar seguro e acolhedor”, e que o período letivo é rigorosamente cumprido, garantindo a continuidade das atividades pedagógicas ao longo do ano.

A Prefeitura de Salvador destacou o trabalho da Patrulha Escolar Humanizada, que realizou cerca de 15 mil atendimentos desde maio de 2023 em unidades da rede municipal. Também foi criado um canal de comunicação com a comunidade escolar em caso de incidentes, afirmou a gestão Bruno Reis (União).

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