Ramón Bilbao, vinícola emblemática de Rioja, região do norte da Espanha, anda comemorando seu centenário em grande estilo. Lançou uma edição limitadíssima de um Gran Reserva de 2001 e um Garnacha 100%, sediou a final do Wine Master da Espanha (competição internacional que focada em educação e expertise sobre o mundo do vinho espanhol) e promoveu debates com grandes especialistas.
Em uma das rodas de conversas com outras vinícolas familiares e centenárias discutiu tradições e o futuro do setor vitivinícola de maneira descomplicada. Acabou por suscitar um debate: vinho sem álcool é vinho?
Filho e neto de enólogos, o anfitrião da Ramón Bilbao, Rodolfo Bastida, com didatismo e elegância, deu uma aula: “O que define o vinho é o processo fermentativo e o que define o sem álcool é um processo industrial. É um substrato que tem acidez, que tem certas lembranças de vinho, mas que precisa ser recomposto. Eu chamo de vinho, mas não é comparável com o vinho padrão, porque é preciso acrescentar muito açúcar, aromas e no final você está fazendo praticamente um refresco”.
Incomoda o enólogo a sensação de perda de origem e terroir. Ainda assim, Rodolfo refletiu sobre as tendências: “Houve uma mudança, as pessoas têm menos tempo para comer e lhes apetece mais vinhos leves, brancos e rosados. O vinho acompanha a gastronomia. Hoje, comemos muito mais salada ceasar do que chuleta de boi, então temos que buscar um vinho que acompanhe a salada”.
Em última instância, valem vinhos com menos álcool, porém, “Se as pessoas quiserem desenvolver bebidas não alcoólicas à base de uva, tudo bem, mas não deveria ser considerado vinho”. Quinta geração de uma família holandesa dedicada ao vinho do Porto, o produtor Dirk Niepoort levou para o lado pessoal: “Não tenho nada contra vegetariano, mas me parece absurdo fazer algo que pareça carne, tenha gosto de carne e não seja carne”.
Em outras palavras, para ele, “vinho é um produto fantástico, que fermenta, e automaticamente tem um pouco de álcool. Eu adoro kombucha, porque sou louco por chá, e faço uma diferente, sem gás e que não refermenta na garrafa. Se te dou às cegas parece um vinho, é muito gastronômica, mas não é vinho. O vinho para mim clarissimamente é algo com álcool”.
“Concordo com Dirk, o vinho é muito mais que uma bebida, pode ser uma viagem extraordinária ao passado. Prefiro uma kombucha do que um vinho desalcoolizado, que me parece um pouco sem alma. Mas me pergunte de novo se vinho sem álcool é vinho em dois anos”, declarou a doutora em história de Oxford e produtora de vinho Adrianna Catena, da argentina Catena Zapata.
Com exclusividade para Paladar, o sommelier galego Alberto Ruffoni, mais novo Wine Master espanhol, foi cuidadoso: “De maneira estrita, não. O vinho é o produto da fermentação alcoólica das uvas com o mosto, o que sempre tem álcool. O processo de desalcoolização é uma desnaturação, não? Tira o espírito do vinho”.
Afinal, o álcool é uma das partes gustativas estruturais do vinho, como a acidez e os taninos, o corpo e o sabor. “Mas de uma maneira subjetiva ou interpretativa, como se considera um café descafeinado um café, um vinho sem álcool pode ser um vinho”, ponderou o expert.
O Master of Wine Pedro Ballesteros, júri do Spanish Wine Master e membro que moderou a mesa redonda, respondeu: “É vinho, porque é feito a partir de uvas fermentadas, eliminando o álcool. Todo vinho tem acréscimos, não sei por que tirar alguma coisa é pior do que adicionar alguma coisa. Se bem-feito, tem gosto de vinho, mas tem menos desvantagens que o vinho alcoólico. Demonstra consciência de um problema, o excesso de álcool, tentando manter a essência da atividade vitivinícola”.
A australiana Beth Willard, também jurada do Spanish Wine Master, especialista em vinhos da Espanha e copresidente do Decanter World Wine Awards, por sua vez, considera que “‘vinhos não alcoólicos’ fazem parte de uma categoria válida de bebidas, mas não são vinhos. O álcool é uma parte importante do vinho, tanto no seu perfil de sabor como na sua importância na gastronomia e na cultura. Devemos proteger o conceito de vinho”.