No Dia da Consciência Negra, uma data destinada a honrar a memória dos povos africanos escravizados e suas lutas, testemunhamos uma lamentável contradição no Brasil: imigrantes no Aeroporto de Guarulhos, muitos deles com o mesmo sangue dos escravizados que construíram este país, enfrentam abusos, discriminação e violações de seus direitos fundamentais.
A cena no maior aeroporto do Brasil reflete uma triste realidade. Africanos, asiáticos e outras nacionalidades que buscam apenas a chance de recomeçar suas vidas são tratados como criminosos, submetidos a condições degradantes e impedidos de exercer o direito universal ao refúgio e à dignidade. Essas pessoas fogem de guerras, perseguições políticas, fome e violência em seus países de origem, apenas para encontrar novas formas de sofrimento nas mãos de autoridades brasileiras.
Enquanto isso, o presidente Lula apresenta ao mundo uma imagem de um Brasil acolhedor, humanitário e progressista. Um país onde, supostamente, direitos humanos são respeitados e oportunidades estão disponíveis para todos. Porém, essa narrativa não corresponde à realidade vivida por tantos imigrantes que chegam às nossas fronteiras. Na prática, o Brasil “perfeito” que se vende no exterior é um Brasil que só existe para as elites, onde o abuso de poder e a indiferença institucional prevalecem sobre a solidariedade e o respeito pela dignidade humana.
A hipocrisia de celebrar a Consciência Negra enquanto se ignoram as lutas dos descendentes de africanos e outros povos oprimidos é gritante. O Brasil que foi construído pelas mãos de imigrantes – africanos escravizados, europeus fugindo da miséria, asiáticos em busca de esperança – hoje se fecha para aqueles que procuram abrigo. A dignidade da pessoa humana, princípio consagrado em nossa Constituição, é negligenciada de forma alarmante.
Este Brasil que tanto deve aos imigrantes está falhando em reconhecer sua própria história. Estamos repetindo, de outras formas, as injustiças e violências que marcaram o período colonial e a escravidão. Não podemos aceitar que o mesmo país que celebra sua diversidade seja cúmplice de práticas excludentes, racistas e desumanas.
O Dia da Consciência Negra deve nos lembrar não apenas das injustiças do passado, mas também das responsabilidades do presente. Lutar por um Brasil verdadeiramente justo significa garantir que nenhum ser humano – seja africano, asiático, europeu ou latino-americano – seja tratado como menos digno de direitos. Afinal, um país construído por imigrantes só será perfeito quando estender a eles a mesma dignidade que tanto celebra em suas campanhas.
Onde está a consciência de um Brasil que esquece sua história? Onde está a dignidade de um país que fecha as portas para quem só quer viver? Essas perguntas precisam ser respondidas não apenas hoje, mas todos os dias, enquanto a injustiça perdurar.
Yara Ramthor,
advogada especialista em países em guerra, conflitos armados, violações de direitos humanos e crimes diplomáticos