As buscas por desaparecidos no rio Tocantins: o que se sabe sobre desabamento de ponte entre Tocantins e Maranhão

Segundo a Polícia Rodoviária Federal, ao menos oito veículos caíram no rio: quatro caminhões, dois automóveis e duas motocicletas

Três dias depois de uma ponte que liga os municípios de Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO) desabar sobre o Rio Tocantins, no domingo, 22, uma força-tarefa que envolve agentes dos dois Estados e do governo federal ainda faz buscas para encontrar desaparecidos.

A Polícia Militar do Tocantins confirma até noite de quarta-feira, (25/12), a morte de seis pessoas: uma mulher de 25 anos, uma criança de 11 anos, um homem de 42 anos e uma mulher de 45 anos.

Bombeiros fazem buscas por desaparecidos após desabamento/Foto: Corpo de Bombeiros/Governo do Tocantins

Dois corpos foram encontrados por uma equipe de mergulhadores na quarta. Um deles é de um homem que estava dentro da cabine de um caminhão que despencou na no momento em que a ponte desabou. Ainda não há detalhes sobre o segundo cadáver.

Também localizaram um homem de 36 anos com vida, conduzido ao hospital de Estreito (MA) com uma fratura na perna. Há ainda 11 pessoas desaparecidas.

Segundo a Polícia Rodoviária Federal, ao menos oito veículos caíram no rio: quatro caminhões, dois automóveis e duas motocicletas.

Uma das dificuldades para encontrar os corpos é que um dos veículos estava carregado com ácido sulfúrico – nesta terça foi localizado o corpo da motorista deste caminhão – e outro carregava herbicidas. As autoridades aguardam o resultado de exames que estão sendo feitos em amostras da água para verificar se podem iniciar trabalhos de busca com mergulhadores.

A Agência Nacional de Águas (ANA) informou, na noite de segunda-feira, 23, que os caminhões carregavam 22 mil litros de defensivos agrícolas e 76 toneladas de ácido sulfúrico.

Por precaução, o governo do Maranhão orientou a suspensão de captação de água para abastecimento público nas cidades banhadas pelo rio Tocantins até que fique confirmado se esses produtos se diluíram e não oferecem risco.

A ANA estima que 19 cidades podem ter sido impactadas: Desse total 11 estão em Tocantins (Aguiarnópolis, Carrasco Bonito, Cidelândia, Esperantina, Itaguatins, Maurilândia do Tocantins, Praia Norte, Sampaio, São Miguel do Tocantins, São Sebastiao do Tocantins e Tocantinópolis) e oito se localizam no Maranhão (Campestre do Maranhão, Estreito, Governador Edison Lobão, Imperatriz, Porto Franco, Ribamar Fiquene, São Pedro da Água Branca e Vila Nova dos Martírios).

Os municípios também emitiram notas pedindo que cidadãos evitem contato com a água do rio, por risco de contaminação.

BBC News Brasil apurou com a Agência Tocantinense de Saneamento que o resultado completo de análise da água pode demorar até 15 dias. Mas testes feitos no local indicaram normalidade para o pH da água – uma medida que avalia o grau de acidez ou alcalinidade.

“Isso leva a acreditar que não teve rompimento dos tanques dos caminhões”, avaliou Antônio Davi Goveia Junior, presidente da agência. Também não foi identificada mortandade de peixes na área.

Do lado do Maranhão, algumas cidades abastecidas pela água do rio Tocantins, como Imperatriz e a própria Estreito, tiveram o fornecimento suspenso. Do lado do Tocantins, as cidades são abastecidas por águas subterrâneas.

O tenente-coronel do Corpo de Bombeiros de Tocantins Donaldo Lourinho de Oliveira disse à reportagem que por enquanto as buscas estão sendo feitas com botes, mas que já há um grupo de mergulhadores que aguarda o resultado dos testes para entrar em ação.

Essa etapa, porém, depende da emissão de um laudo técnico que garanta a segurança das operações submersas. Uma reunião está prevista entre técnicos do Ibama, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e das companhias de saneamento dos dois Estados nesta terça-feira (24/12), véspera de Natal.

Mergulhadores da Marinha devem ajudar nas buscas.

Problemas conhecidos

Imagem área mostra ponte que desabou

Corpo De Bombeiros Militar Do Maranhao/via REUTERS/Foto: Ponto JK foi inaugurada em 1960

Inaugurada nos anos 1960, a Ponte Juscelino Kubitschek tinha 533 metros – e seus problemas já eram conhecidos.

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) informou que obras de reparos foram feitas ali entre 2021 e 2023, mas que a ponte precisava passar por “obras de reabilitação”.

Em maio de 2024, foi lançado um edital no valor de aproximadamente R$ 13 milhões, “para a contratação de empresa especializada para elaboração dos estudos preliminares, projeto básico e executivo de engenharia e execução”, diz o Dnit.

“A licitação, no entanto, foi fracassada, sem que nenhuma empresa tenha vencido o certame”, prossegue a nota.

O jornal Folha de S.Paulo teve acesso a um relatório que mostrava que o Dnit sabia desde 2019 de situação precária na ponte que desabou.

O professor de engenharia civil da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Fabio Ribeiro, especializado em patologia das construções, disse à reportagem que o acidente é resultado de uma série de falhas.

“É uma ponte relativamente antiga, que foi projetada e construída em condições bem diferentes do que se faz hoje. Já existia, por parte de moradores locais, denúncias. Alguns ex-alunos meus que moram na região falam que há mais de dez anos já se identificava alguns desses problemas”.

Para o especialista, era evidente a necessidade de manutenção do equipamento. “As imagens mostram armadura exposta (aço que fica dentro do concreto), rachaduras e trincas. Essa armadura exposta gera um grande problema, que é a corrosão, que é progressiva. Chega um momento em que a ponte não suporta mais a carga”, diz.

“Não dá pra afirmar que não se sabia. Temos um grande problema no Brasil em relação à inspeção de pontes. Nao é feita como deveria. Quando é feita, muitas vezes barra na questão orçamentária e os reparos não são feitos.”

Em nota, o Ministério Público do Estado do Maranhão informou que será aberto um procedimento para apurar “eventuais repercussões ambientais”. O caso ficará a cargo da Promotoria de Justiça de Estreito.

Já o Ministério Público do Tocantins disse que “aguarda a conclusão dos laudos técnicos e diagnósticos pelos órgãos responsáveis para analisar possíveis providências em todas as áreas de sua atuação.”

Ministro diz que causa será apurada

O Dnit anunciou, ainda no domingo, a interdição total no local, na BR-226/TO, e disse que equipes iriam apurar as possíveis causas da queda da ponte e tomar as medidas necessárias.

Segundo o órgão, foi decretada situação de emergência para facilitar os trâmites burocráticos para a reconstrução da ponte. O prazo estipulado para a obra é de 12 meses. E o custo estimado está entre R$ 100 a R$ 150 milhões.

Durante uma coletiva de imprensa em Estreito, o ministro dos Transportes, Renan Filho, confirmou que irá destinar mais de R$ 100 milhões para garantir a reconstrução imediata.

“Vamos, com a emergência decretada, contratar a reconstrução da ponte ainda no exercício de 2024”, disse Renan Filho.

O ministro afirmou ainda que será instaurada uma sindicância para apurar responsabilidades. “Vamos trabalhar dedicadamente para fazer dessa ponte um grande case de organização e capacidade resolutiva do Ministerio de Transportes.”

‘Nossa cidade está em choque’

Um vereador de Aguiarnópolis, Elias Junior (Republicanos), gravava uma denúncia sobre a falta de manutenção da ponte e acabou flagrando o momento em que a estrutura começa a ceder. Ele mostrava rachaduras no chão quando, de repente, aparece um buraco na ponte. No vídeo, é possível ouvir a pessoa que o filmava gritando: “olha, sai daí! Sai de perto, doido, meu deus do céu”.

Ele disse à BBC News Brasil que os reparos eram uma reivindicação frequente dos moradores e que, por isso, foi ao local fazer os vídeos. “É uma ponte que tem mais de 60 anos. Já estava gerando grandes preocupações. Nunca imaginaria que eu estaria gravando a situação bem na hora da tragédia”, disse. “Descemos aqui com a mão na cabeça, como se estivéssemos dentro de um filme. Nossa cidade está em choque.”

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