Descobertos em 2021, indígenas isolados que habitam às margens do rio Purus, na região sul do Estado do Amazonas, na fronteira com o Acre, vão passar a receber proteção da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A área de proteção será a Mamoriá Grande, da Resex Médio Purus.
As áreas de proteção integral dos territórios com presença de povos indígenas isolados e de recente contato estão disciplinadas em portaria da Funai publicada no dia 11 de dezembro de 2024, que restringe o acesso à Terra Indígena Mamoriá Grande.
A área é localizada entre os municípios de Tapauá e Lábrea (AM), tem aproximadamente 260 mil hectares. A confirmação da presença de indígenas isolados vem desde agosto de 2021. Segundo a equipe da Funai que identificou a presença indígena, esse grupo seria composto de aproximadamente 25 pessoas.
Neste ano, em julho de 2024, a Funai já havia criado um Grupo Técnico para identificar a Terra Indígena, que abrange a área do Mamoriá Grande e do Igarapé Grande, reivindicada pelo povo Apurinã. A portaria de interdição, entretanto, abrange apenas a área do Mamoriá Grande.
A portaria de interdição emitida neste mês cita a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 991, proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e na qual o ISA é Amicus Curiae (uma expressão em latim utilizada para designar uma instituição que tem por finalidade fornecer subsídios às decisões dos tribunais).
A ação de 2022 pede que o Supremo Tribunal Federal (STF) tome medidas urgentes de proteção aos povos indígenas isolados e de recente contato, garantindo a publicação de portarias de restrição de uso até a finalização dos processos demarcatórios ou de estudo que descarte a presença de indígenas isolados na área.
Os relatórios e pedidos de proteção dos isolados do Mamoriá Grande pela Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Madeira Purus foram por muito tempo ignorados pela Funai, fazendo com que o grupo vivesse por meses desprotegido na Reserva Extrativista (Resex) do Médio Purus.
Em 2022, a situação foi denunciada por veículos de imprensa e chegou às páginas do livro Povos Indígenas no Brasil 2017-2022, do ISA, em um artigo especial sobre o caso.
Em janeiro de 2022, a imprensa brasileira noticiou que um novo grupo de indígenas isolados havia sido recentemente localizado no sul do estado do Amazonas por uma equipe de indigenistas da Funai.
Em comum, as notícias tinham um tom paradoxal: se por um lado celebravam o trabalho técnico meticuloso de indigenistas e antropólogos que possibilitou localizar mais um pequeno grupo no vasto território da Amazônia, algo a ser celebrado; por outro, apontavam a morosidade do Estado brasileiro em implementar, de forma efetiva, as medidas imprescindíveis e urgentes destinadas à proteção do grupo, cuja existência havia sido oficialmente confirmada em agosto de 2021, quase seis meses antes.
Segundo dados de campo da equipe responsável pela localização, o grupo indígena seria composto por cerca de 25 pessoas. Este número é estimado por meio da quantidade de armadores das maqueiras – as redes indígenas –, assim como da quantidade de fogueiras encontradas no acampamento, feitas no interior dos tapiris – um abrigo temporário construído com folhas de palmeira. Cabe ressaltar que a cultura material desse grupo apresenta evidente similaridade com a de outros povos de língua arawá das terras firmes do interflúvio do médio curso dos rios Juruá e Purus, como os Jamamadi, os Banawá, os Deni, os Suruwaha e os Hi-Merimã, outro povo indígena isolado.
Os isolados do Mamoriá Grande, à época, estavam acampados em quatro tapiris diferentes, distantes cerca de 300 metros um do outro, ao longo das margens de um igarapé localizado no interior da Resex Médio Purus, uma Unidade de Conservação sob gestão do ICMBio. A datação dos vestígios revelou que este grupo isolado vem ocupando de forma cíclica a região, informação reiterada por moradores da área que relatam a presença de vestígios desse grupo indígena desde a época em que se mudaram para lá, há mais de 40 anos.
No sul do estado do Amazonas, em especial, a grande maioria dos registros de povos indígenas isolados está no interior de UCs, estaduais e/ou federais, ou de terras públicas ainda sem destinação específica, as conhecidas “áreas devolutas”.
Os Katawixi, por exemplo, vivem nas matas de palhal com grande concentração de babaçu (Attalea speciosa) presentes nas cabeceiras dos igarapés que drenam áreas do Parna Mapinguari, Resex do Ituxi e TI Caititu; os grupos Juma isolados estão na Flona Balata-Tufari; os grupos tupi kagwahiva isolados vivem no Parna Campos Amazônicos e na Flona de Humaitá.
É no interior desta Flona que estão as capoeiras das malocas onde aconteceram algumas das chacinas mais recentes dos grupos juma. Até pouco tempo antes da sua morte, Arucá Juma costumava visitar esta região para coletar tabocas para produzir suas flechas.