Divulgados na semana passada, dois estudos de instituições diferentes revelam que a Amazônia Legal brasileira, além do desmatamento e das queimadas, está cada vez mais ameaçada pela grilagem de terras e pela ação de narcotraficantes. Na região, mais de 25 milhões de hectares de terras públicas foram ocupadas de forma irregular e um terço dos municípios dessa parte expressiva do território nacional está sob a influência de facções criminosas ligadas ao narcotráfico, aponta um dos estudos.
O levantamento sobre a ocupação irregular das terras públicas, que representam 250 mil quilômetros quadrados da Amazônia brasileira, foi divulgado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) no 1º Encontro Técnico dos Órgãos de Terras Estaduais da Amazônia Legal, realizado entre os dias 9 e 10 de dezembro em Belém, no Pará.
Já o trabalho que denuncia a atuação de facções criminosas na região compõe a 3ª edição do levantamento “Cartografias da Violência na Amazônia”, uma produção do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto Mãe Crioula, que foi publicado na quarta-feira, 11 de dezembro.
De acordo com os dados mais recentes do IBGE, há 772 municípios na região. Conforme o estudo “Cartografias da Violência na Amazônia”, 260 desses municípios caíram nas mãos de grupos como o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, em 2023. Em relação a 2022, houve um aumento de 46% na presença do crime organizado nesses municípios, revela o documento.
O CV é a facção hegemônica, com controle em 130 municípios. O PCC controla 28 e os 102 restantes são dominados por grupos menores. A hegemonia do grupo fluminense foi construída com a anexação de facções locais, como a Família do Norte (FDN).
Segundo Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ao perder suas rotas de escoamento de drogas na fronteira com o Paraguai, o CV passou a atuar fortemente nos estados da Amazônia Legal desde 2017 e acabou se consolidando na região Norte.
CV e PCC, entende Lima, passaram a ter similaridade com organizações mafiosas e atualmente controlam toda a cadeia de produção, distribuição e venda de drogas.
Faixas importantes do Peru, diz ele, estão sob o comando do CV para a produção da folha de coca, matéria-prima da cocaína. A ação das facções, segundo o estudo, ocupa um lugar central não só na dinâmica do narcotráfico, mas também em conexão com o avanço do desmatamento, de outros crimes ambientais e com disputas fundiárias.
Curiosamente, entre 2021 e 2023, a região amazônica teve uma redução de mortes violentas intencionais superior à média do restante do país. A taxa passou de 34,4 mortes por cem mil habitantes para 32,3 no triênio. Mortes violentas intencionais são a classificação criada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública para incluir homicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e as mortes em decorrência de intervenção policial.
Para Lima, a hegemonia do CV é parte da explicação para essa queda de 6,2% na taxa dessas mortes nos estados da Amazônia Legal. A outra parte resulta de políticas integradas de segurança, como a Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco) e a Operação Curupira.
Mesmo com a redução verificada, o índice amazônico ficou 41,5% maior que o brasileiro em 2023. No período, o Brasil registrou 22,8 mortes por cem mil habitantes, enquanto a Amazônia Legal registrou 32,3.
Além do tráfico e das queimadas, a região é dominada por grileiros e invasores de terras públicas. No total, entre áreas urbanas, rurais e de preservação públicas ou privadas, os nove estados da Amazônia brasileira somam aproximadamente 5 milhões de quilômetros quadrados (500 milhões de hectares).
Diante disso, os 250 mil quilômetros quadrados (25 milhões de hectares) de terras públicas ocupadas sem regularização representam 5% de todo o território. Um número nada desprezível, alerta o relatório.
Dos imóveis mapeados pelo Ipam, mais de 109 mil estão georreferenciados, somando 63 mil quilômetros quadrados (6,3 milhões de hectares) de pequenas e médias propriedades e 25 mil quilômetros quadrados (2,5 milhões de hectares) de grandes propriedades. Outros 100 mil quilômetros quadrados (10 milhões de hectares) permanecem fora dos sistemas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), agravando a situação.
De acordo com o Ipam, a regularização enfrenta desafios como a falta de integração de dados entre os governos, altos custos com tecnologias de monitoramento e a pressão crescente de grileiros sobre florestas públicas não destinadas.
Uma floresta pública não destinada é uma área de terras que pertence aos governos federal ou estaduais, mas que ainda não possui uma destinação específica. Em outras palavras, é uma área pública que não foi transformada em Unidades de Conservação, terra indígena, quilombo ou assentamento.
Essas florestas somam 560 mil quilômetros quadrados (56 milhões de hectares). Em 2023, essas áreas foram responsáveis por 36,55% do desmatamento na Amazônia brasileira.
O número foi revelado também na quarta-feira, 11 de dezembro, em audiência pública no Senado pela pesquisadora do Ipam, Lívia Laureto. Para chegar a esses dados, o Ipam analisou informações do Programa de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia Legal por Satélite (Prodes), um sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que realiza o monitoramento e a medição da taxa anual de desmatamento na Amazônia Legal brasileira.
No ano passado, foram 187,3 mil hectares (1.873 quilômetros quadrados) desmatados nessas áreas. “O desmatamento dessas florestas públicas vem aumentando desde 2012, alcançando seu ápice em 2022 com um total de 327,7 mil hectares desmatados (3.277 quilômetros quadrados), quase quatro vezes maior do que o registrado em 2012. Apesar da recente redução no desmatamento entre 2022 e 2023 no bioma, e consequentemente nas áreas não destinadas, observamos que, quando comparamos diferentes categorias fundiárias, ainda há uma tendência de maior concentração dos desmatamentos em áreas de florestas públicas não destinadas”, explicou a pesquisadora.