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Impulsionado por Musk, Trump afunda acordo para evitar a paralisação do governo, mas quer elevar teto da dívida

Por O Globo

A menos de 48 horas do fim do prazo para aprovar um pacote de financiamento de gastos do governo dos EUA, necessário para manter atividades básicas do Estado, o presidente eleito, Donald Trump, e o bilionário Elon Musk, que terá um cargo no novo governo, fizeram desmoronar um acordo construído na Câmara por republicanos e democratas.

Ambos criticaram os valores do texto, e chegaram a ameaçar deputados do partido que votassem a favor da medida. Uma manobra que pode soar bem entre os trumpistas, mas que pode ter impactos negativos a curto prazo para todos os americanos.

Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, ao lado do vice-presidente eleito, J.D. Vance (D) e do bilionário Elon Musk (C), durante partida de futebol americano em Maryland — Foto: Kevin Dietsch/Getty Images/AFP

No centro da discórdia está o plano para manter as atividades do governo federal até março do ano que vem — como os congressistas não aprovaram um Orçamento para 2025, eles precisaram passar, em setembro, um plano para financiará o governo até sábado, dia 20. O novo texto, que garante verbas até março do ano que vem, tinha sido negociado pelo presidente da Câmara, Mike Johnson, com o apoio preliminar de democratas e republicanos.

Nas mais de 1,5 mil páginas do plano, estavam previstas verbas de ajuda para comunidades afetadas por desastres naturais, assistência para fazendeiros, dinheiro para a reconstrução de uma ponte destruída por um navio em Baltimore, além do primeiro aumento de salário para os congressistas desde 2009. Havia ainda medidas de restrição a empresas de tecnologia chinesas, ações contra publicidade enganosa e a transferência do controle de um estádio de futebol americano.

Apesar de restrições iniciais de alguns republicanos, a proposta parecia encaminhada para aprovação antes do prazo final, 0h01 de sábado, 20 de dezembro. Isso até Trump e seu “incendiário-chefe” e futuro “czar da eficiência estatal” entrarem em cena.

Em publicações raivosas e um longo e ameaçador comunicado, Trump exigiu que os republicanos votassem contra a medida que ajudaram a negociar, alegando que ela fazia muitas concessões aos democratas, e que o texto deveria se ater apenas ao básico, ou seja, manter o Estado funcionando.

“Os republicanos devem SER INTELIGENTES e FIRMES. Se os democratas ameaçarem paralisar o governo a menos que demos a eles tudo o que eles querem, então PAGUEM PARA VER. São [Chuck] Schumer [líder da maioria no Senado] e [Joe] Biden [presidente até 20 de janeiro] que estão segurando a ajuda aos nossos fazendeiros e o socorro em desastres”, escreveu Trump em sua rede social, o Truth Social, na quarta-feira.

Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, durante entrevista coletiva em Mar-a-Lago, na Flórida — Foto: Andrew Harnik/Getty Images/AFP

Musk, que terá como função “secar” a máquina estatal, também partiu para o ataque. Em sua rede social, o X, publicou dezenas de mensagens contra o pacote, afirmando que “nenhuma medida deve ser aprovada pelo Congresso até o dia 20 de janeiro, quando Donald Trump assume o cargo”. Ele ainda fez ameaças aos congressistas.

“Qualquer membro da Câmara ou do Senado que votar a favor desse projeto de lei de gastos absurdo merece ser derrotado daqui a 2 anos!”, escreveu no X, se referindo às eleições legislativas de 2026.

Dono do Partido Republicano desde seu primeiro mandato, as palavras de Trump têm poder de lei dentro da sigla, e seu veto a um texto que já enfrentava resistências internas crescentes o condenou em definitivo. E nem os argumentos em tom de desespero de Jonhson pareceram mudar o cenário.

— Eles (deputados) disseram: “Não é contra você, sr. presidente, mas não gostamos dos gastos — afirmou o presidente da Câmara, em entrevista à Fox News na quarta-feira. — Eu disse: “Adivinhem, rapazes, eu também não. Temos que fazer isso porque aqui está a chave: ao fazer isso, estamos limpando o caminho e nos preparando para que Trump volte rugindo com a agenda America First (“EUA em primeiro lugar”)”.

As negociações de bastidores devem se esticar até a sexta-feira, e Johnson provavelmente dependerá dos votos dos democratas para aprovar um texto, seja ele qual for.

Mike Johnson (E), presidente da Câmara dos EUA, ao lado de Chuck Schumer, líder da maioria democrata no Senado, em cerimônia no Congresso — Foto: Allison ROBBERT / AFP

Caso não haja um acordo até o primeiro minuto de sábado, apenas serviços considerados essenciais serão mantidos. Agências federais reduzirão suas atividades, afetando desde o setor aéreo, no período de maior movimento do ano, até o funcionamento de parques nacionais e do serviço da Receita Federal (IRS).

Como apontou o portal Politico, o trabalho das equipes de transição de governo deve ser afetado pela redução no número de funcionários disponíveis, e poderia afetar até a cerimônia de posse (que tinha recursos alocados no plano enterrado pelo presidente eleito).

— Isso cria mais uma barreira para uma transição suave — disse o consultor de política de saúde democrata Chris Jennings, em entrevista ao Politico. — Isso atrasa sua capacidade de avaliar efetivamente a dinâmica no local e provavelmente os atrasa, em termos de revisões de políticas e pessoal, bem antes de tentarem fazer suas nomeações finais de alto nível e desenvolver sua primeira série de ordens executivas e ações que desejam tomar.

Risco de calote

Mas ao mesmo tempo em que Trump, Musk e seus aliados discursavam contra o aumento dos gastos públicos, eles também defendiam a elevação do teto da dívida, uma ferramenta que limita o montante que o governo pode tomar emprestado para pagar suas contas.

O teto foi suspenso em 2023, e retornará no dia 2 de janeiro. Caso não haja uma elevação do limite, o governo federal terá que usar apenas o dinheiro disponível para cumprir suas obrigações, sem novos aportes — em um cenário extremo, o país poderia enfrentar um potencialmente catastrófico calote, algo que nenhum presidente quer em seu currículo.

Congresso dos EUA em Washington — Foto: Eric Lee/The New York Times

Trump sabe que o momento para aprovar a elevação do teto é agora: muitos de seus aliados são contrários à medida, afirmando que ela incentiva o gasto público e contraria o discurso de austeridade (inclusive o defendido por Musk). Com uma maioria de apenas cinco deputados na próxima legislatura, o risco de derrota em uma votação sobre o tema é real. Sem contar que, em sua visão, o ônus de sancionar uma medida normalmente impopular recairá sobre Joe Biden, e não sobre ele.

“Se os republicanos tentarem aprovar uma resolução limpa, sem todos os ‘penduricalhos’ democratas que serão tão destrutivos para o nosso país, tudo o que farão, depois de 20 de janeiro, será trazer a bagunça do teto da dívida para o governo Trump, em vez de permitir que isso aconteça no governo Biden”, escreveu Trump no Truth Social.

Um desejo que pode não ser atendido. Citado pela CNN, o deputado Robert Aderholt, integrante da Comissão de Apropriações, afirmou que seria “muito difícil” aprovar a medida antes da sexta-feira. A senadora Susan Collins, também citada pela CNN, disse “não saber o raciocínio” do presidente eleito, e foi flagrada fazendo um comentário sincero ao hoje líder da minoria na Casa, Mitch McConnell.

— As coisas serão dessa maneira no ano que vem.

Por enquanto, os democratas apenas observam o caos, e dizem que votarão apenas o texto já negociado, sem o aumento do teto da dívida.

— Os republicanos da Câmara agora decidiram unilateralmente quebrar um acordo bipartidário que eles fizeram — disse o líder do partido na Câmara, Hakeem Jeffries, na quarta-feira, citado pelo New York Times. — Os republicanos da Câmara receberam ordens para fechar o governo e prejudicar todos os americanos comuns em todo o país. Os republicanos da Câmara agora assumirão qualquer dano que seja causado ao povo americano que resulte de uma paralisação do governo.

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