O jogo festivo de despedida do futebol, neste domingo, no Maracanã, e o lançamento de uma biografia, no mês passado, fizeram Adriano Imperador voltar com força a uma cena da qual, na prática, ele jamais havia saído: aquela em que interpreta um dos personagens mais complexos do futebol brasileiro nos últimos anos.
Quando penso em Adriano, costumo lembrar de um pequeno trecho perdido no meio de uma entrevista dada pelo atacante Léo Macaé ao ge em 2013. Macaé foi colega do Imperador na seleção brasileira sub-17. Eles dividiram quarto na concentração. E um belo dia começaram a debater o que fariam se ganhassem R$ 1 milhão. Uma frase de Adriano jamais foi esquecida por Macaé:
– O Adriano falou que, se ganhasse R$ 1 milhão um dia, ele parava de jogar e ia viver na Vila Cruzeiro.
Não foi exatamente o que aconteceu. Adriano ganhou muito mais do que isso. Mas a frase não deixa de ser ilustrativa: ela antecipa parte da trajetória de um atacante que angariou fama mundial, mas foi assombrado pelo desconforto de não estar no seu chão, com a sua gente. De não estar na Vila Cruzeiro.
Tivemos Adriano em campo como profissional por pouco mais de uma década. Ele surgiu no Flamengo, no começo de 2000, e nos anos seguintes se tornou um dos maiores centroavantes do planeta. Mas foi decaindo conforme sua doença foi avançando – até ter os últimos lampejos pelo Corinthians, no começo da década seguinte. Ainda teria passagens melancólicas por Flamengo, Athletico e Miami United, clubes nos quais comprovaria que infelizmente havia se tornado um ex-atleta.
A queda de Adriano tem relação com a morte de seu pai, em 2004, menos de dez dias depois do lendário gol contra a Argentina na final da Copa América. Ali, no auge de sua passagem pela Inter de Milão, começava a luta do atacante contra a depressão e o alcoolismo. Sua qualidade ainda o levaria à Copa de 2006 – sem brilho, porém. E seria sua única.
A história de Adriano se confunde com a carência da Seleção por um centroavante que mantivesse a linhagem anterior, de Romário e Ronaldo, ou ao menos se aproximasse dela. O Brasil teve centroavantes muito bons depois de 2006: Luis Fabiano em 2010, Fred em 2014. Mas Adriano era melhor do que eles. E era melhor do que todos que apareceram depois deles. Sua ausência representou um vazio que jamais foi resolvido – e que se confunde com a história recente da Seleção.
Jogar só uma Copa não foi condizente com o talento do Imperador. Adriano marcou uma geração que se pergunta o que poderia ter acontecido se ele tivesse conseguido se manter em alto nível por mais tempo. O impacto pode ser calculado pelo que ele fez em 2009, no título brasileiro do Flamengo. Mas isso fica restrito ao campo da imaginação.
Para muitos, Adriano não quis – e há nisso certo tom heroico (a rejeição da fama para reviver as origens). Acho que o mais correto é dizer que ele não pôde. E fico aqui pensando: se ele começasse a jogar hoje, em vez de duas décadas e meia atrás, as coisas seriam diferentes? Com o avanço na psicologia do esporte, com o aparato profissional que os clubes têm hoje para saúde mental, com a coragem com que tantos grandes jogadores têm falado sobre o assunto, será que Adriano poderia ter encontrado mais amparo?
É possível. Seja como for, torço para que Adriano esteja feliz – como esteve em seu jogo de despedida.