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Novo povo indígena é descoberto: comunidade isolada evita contato com o mundo externo

Por Tião Maia, ContilNet

Reportagem do jornal O Globo, em conjunto com o jornal inglês The Guardian, revela a existência de um povo indígena desconhecido, os chamados isolados, vivendo nas matas do Estado de Rondônia. A reportagem mostra também que os isolados do Brasil estão prosperando com a abordagem de não contato – mas a vigilância permanece essencial. Especialistas revelam que o número de comunidades isoladas cresce em territórios indígenas, mas esse sucesso também aumenta o risco de contato “catastrófico”.

Os de Rondômia podem ter vindo da Bolívia/Foto: Reprodução

No Acre, de acordo com um relatório de 2023 publicado na revista científica Nature, a partir da análise de satélite, foi possível observar que os povos isolados no Estado expandiram suas plantações em 17% ao ano entre 2015 e 2022. O mesmo estudo registrou o crescimento dos isolados Moxihatëtëa, um subgrupo dos Yanomami, no norte da Amazônia. Os Moxihatëtëa inclinam enormes painéis de palha em um círculo, cada painel abrigando uma família. Nos anos 2010, sua nova aldeia havia ampliado o anel de 16 para 17 painéis. Em 2020, mudaram-se novamente, erguendo dois anéis com um total de 23 painéis.

Em Rondônia, um dos estados mais desmatados da Amazônia Legal, uma comunidade isolada, os chamados Massaco, que vivem atualmente em torno de 50 famílias, com membros variando de quatro a cinco pessoas, está prosperando. Eles são especialistas em caça com longos arcos e em proteger suas terras de visitantes indesejados com armadilhas de estacas (estrepes) escondidas de madeira tão resistentes que conseguem furar o pneu de um trator. Foi uma dessas estacas que imobilizou uma picape 4×4 de uma equipe da Fundação Nacional do Índio (Funai) no início deste ano, encerrando uma missão no território indígena Massaco.

As estacas (estrepes) vêm sendo encontradas com frequência crescente e cada vez mais perto da base de onde o veterano da Funai, Altair Algayer, supervisiona a proteção dos 421 mil hectares do território, o equivalente a quase meio milhão de “Maracanãs”. Elas parecem transmitir uma mensagem clara: fiquem longe, não queremos invasores em nossas terras.

Comunidade isolada evita contato com o mundo externo/Foto: Reprodução

Ninguém sabe como eles se autodenominam. Massaco é o nome dado ao grupo por causa do rio que atravessa seu território, próximo à fronteira do Brasil com a Bolívia. O Massaco é uma das 29 comunidades isoladas confirmadas no Brasil. Outras 85 foram relatadas, mas ainda não foram confirmadas devido às rigorosas exigências de coleta de evidências e aos entraves burocráticos necessários.

Ficou claro, a partir das imagens e de anos de expedições de monitoramento lideradas por Algayer, que o povo do rio Massaco está se tornando mais numeroso – uma tendência aparente entre muitas comunidades isoladas na Amazônia. Para os Massaco, isso representa uma mudança no cenário vivido nos anos 1980, quando sua terra estava cheia de madeireiros e seringueiros.

Naquela época, o mandato da Funai era tentar o contato pacífico com povos indígenas que estivessem no caminho de estradas, novos assentamentos e extração de recursos. Em 1987, agentes se prepararam para fazer contato, atraindo as pessoas ao longo de uma trilha de presentes tradicionais, como ferramentas, panelas de metal, utensílios e espelhos.

Contudo, também em 1987, especialistas da Funai em Brasília concluíram que as doenças e a miséria resultantes do contato pacífico eram catastróficas para os povos isolados e instituíram a atual política de não contato da fundação. O Massaco – o primeiro território no Brasil protegido exclusivamente para populações isoladas – tornou-se um experimento para localizar e monitorar uma comunidade isolada sem fazer contato.

O sertanista Algayer começou a trabalhar no Massaco em 1992. Conhecido como Alemão (devido à sua ascendência), ele se tornou uma lenda dentro da Funai por sua documentação sistemática sobre os Massaco e por sua obstinada proteção das terras. O território tornou-se um modelo. A Funai e agências federais zeraram o desmatamento dentro de suas fronteiras em uma região onde a perda de floresta é desenfreada.

Algayer diz que, no início dos anos 1990, ele estimava a população entre 100 e 120 pessoas. Agora, ele estima 50 famílias, cada uma com quatro a cinco membros, totalizando entre 200 e 250 habitantes. Arcos pequenos, brinquedos e pegadas indicam crianças – sinais de que as famílias estão crescendo.

Ao longo dos anos, sua equipe mapeou 174 tapiris, fotografou milhares de artefatos, criou mapas das trilhas dos Massaco e aprendeu sobre seus movimentos sazonais para que a Funai pudesse chegar a um local semanas depois que as famílias tivessem partido. Descobriram que os Massaco queimam áreas de savana amazônica natural no início da estação chuvosa e se mudam para lá quando as áreas começam a brotar novamente.

“Localizando os focos de calor registrados nas imagens de satélite em julho e agosto, sabemos com antecedência onde eles irão se estabelecer para passar a próxima estação chuvosa, de dezembro a abril”, explica Algayer.

Os arcos e flechas encontrados nos acampamentos abandonados dos Massaco podem ultrapassar três metros – entre os mais longos já encontrados na Amazônia. “Como eles disparam as flechas, não fazemos ideia. Outros indígenas também tentam entender, riem e dizem que é impossível. Talvez deitados, dizem eles, mas até hoje, não temos resposta para esse mistério”, relata Algayer.

A antropóloga Amanda Villa, que integra o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) e acompanhou Algayer em expedições, destaca que os Massaco se distinguem de povos vizinhos pelos arcos longos, tapiris altos, uso extensivo de estacas (estrepes), colocação de crânios de animais em estacas penduradas em troncos de árvores, cabelos compridos, bigodes e ausência de brincos ou colares. Um indígena Tupari que conhece várias das línguas indígenas da região ouviu, por acaso, um casal Massaco conversando e relatou não entender uma palavra sequer.

“É por isso que muitos especialistas da Funai suspeitam que eles vieram do outro lado do rio Guaporé, da Bolívia”, afirma Amanda. “O povo Sirionó, em particular, usava arcos similares, construções de tapiris e práticas de higiene parecidas. Mas essas são suposições. Não podemos afirmar nada com certeza”, acrescenta.

As novas imagens foram feitas em um local onde a Funai tem deixado ferramentas metálicas, facões e machados. Brindes, antes usados para atrair contato, agora servem para evitá-lo, dissuadindo os isolados de irem a fazendas ou madeireiras para pegar ferramentas.

Especialistas alertam que o crescimento populacional, embora positivo, pode levar ao aumento do risco de contato, exacerbado por mudanças climáticas que afetam os recursos hídricos e o tamanho necessário das terras.

Ao analisar as imagens, Algayer aponta para o que parece ser o líder do grupo.

“O mais velho, segurando o bastão, carrega os estrepes sob o braço. O bastão que ele segura serve como cajado, mas é usado principalmente para perfurar o solo e colocar as estacas. Ele tem essa postura de liderança, ajuda a posicionar os estrepes e diz onde colocá-los.”

Antes dessas imagens, apenas um agente da Funai havia visto os Massaco. Em 2014, Paulo Pereira da Silva, de 64 anos, um dos membros da equipe de Algayer, estava fazendo café por volta das 14 horas quando ouviu batidas do lado de fora.

“Entrei no escritório e olhei pela janela, que tem uma tela de proteção, e vi duas pessoas ao pé da escada. Fiquei paralisado”, lembra.

Nus e sem flechas, os dois homens estavam colocando os temidos estrepes na frente das escadas. “Um homem mais velho fazia buracos com uma estaca de madeira de aroeira, e um jovem colocava as estacas”, conta Pereira.

Ele gritou para os dois. O mais velho o encarou, enquanto o mais jovem correu, deixando as estacas no chão. Outros seis indivíduos apareceram e plantaram uma trilha de estacas por pelo menos dois quilômetros.

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