Ana Lucia Umbelina Galache recebeu uma pensão milionária do Exército por anos por fingir que era filha de um ex-combatente da Segunda Guerra Mundial. O homem, na verdade, era seu tio-avô. A farsa, sustentada pela fraude de documentos, durou 33 anos, mas agora chegou ao fim. Ana Lucia foi condenada a devolver R$ 3,7 milhões ao Exército. As informações são do g1.
A mulher tentou reverter a decisão judicial com um recurso, mas ele foi negado por unanimidade pelo Superior Tribunal Militar (STM), em novembro deste ano. Procurada pela reportagem do portal g1, a ré não se manifestou sobre o caso.
Confira a linha do tempo da fraude
Setembro de 1986
A fraude teve início em setembro de 1986, quando Ana Lucia tinha 17 anos de idade. Na época, ela foi registrada em um cartório de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, no dia 25 de setembro de 1986. O registro de nascimento constava que ela era filha de Vicente Zarate — ex-combatente da Segunda Guerra Mundial — e Natila Ruiz. Ainda de acordo com o documento, ela teria nascido em 6 de junho de 1970.
Com o documento novo, Ana conseguiu também outra carteira de Identidade e outro Cadastro de Pessoa Física (CPF), onde constava o sobrenome Zarate. A testemunha da nova certidão era Conceição Galache de Oliveira, avó paterna de Ana Lucia e irmã de Vicente.
A data que Ana Lucia Umbelina Galache de Souza realmente nasceu foi, na verdade, no dia 7 de junho de 1969, em Três Lagoas (MS). Ela é filha de Silvestre Galache e Neuza Umbelina Galache.
Outubro de 1988
O ex-combatente morreu no dia 17 de outubro de 1988, quase dois anos após o registro. A avó, então, na condição de procuradora e de irmã de Vicente, compareceu à Seção do Serviço de Inativos e Pensionistas (SSIP 9) para declarar Ana Lucia Zarate como beneficiária da pensão especial do militar.
Janeiro de 1989
No dia 5 de janeiro de 1989, Ana Lucia compareceu pessoalmente para pleitear, com o nome Ana Lucia Zarate, a habilitação dela à pensão especial como filha de Vicente. De acordo com a justiça, o pedido foi deferido e a mulher passou a receber pensão integral como filha de Segundo Sargento a partir do dia 27 de janeiro de 1989.
Dezembro de 2021
Foi somente em dezembro de 2021 que a avó de Ana Lucia resolveu procurar a Polícia Civil e a Administração Militar para informar que a mulher não era filha de Vicente Zarate.
Na época, Conceição informou aos órgãos que Ana Lucia Zarate utilizava este nome somente para tratar com a Administração Militar. Em outras ocasiões, como no casamento celebrado em 2 de março de 1990, ela mantinha o nome de Ana Lucia Umbelina Galache.
2022
Após a denúncia da avó, investigações que duraram meses provaram, por uma sindicância, que Ana Lucia não era filha de Vicente, e sim sobrinha-neta do militar. A ação judicial aponta, ainda, que no mesmo ano o pagamento foi suspenso e a mulher foi intimada para prestar esclarecimentos.
No interrogatório, a ré confirmou a história e informou que dividia a pensão que conseguia com a fraude com a avó, que a ajudou nos documentos fraudulentos.
A avó resolveu denunciá-la após exigir que a neta a repassasse R$ 8 mil, coisa que ela não fez.
Na ocasião, Ana Lucia revelou também não viver com o tio-avô, Vicente Zarate, e que não o tratava como pai. Ela confessou que se apresentava com o sobrenome Zarate somente para receber a pensão do Exército. Por isso, usava dois nomes: o verdadeiro, Ana Lúcia Umbelina Galache de Souza e o falso, Ana Lucia Zarate, para manter a fraude ao longo de 33 anos.
A avó morreu em maio de 2022 e não pôde ser ouvida nas investigações.
Fevereiro de 2023
No ano passado, Ana Lucia foi condenada a devolver o valor de R$ 3.723.344,07 ao Exército. A pena da Justiça Militar em Mato Grosso do Sul também prevê três meses de prisão. Ela recorreu pelo direto de responder em liberdade.
Novembro de 2024
O recurso apresentado por Ana Lucia foi negado pelo Superior Tribunal Militar (STM). A defesa da mulher, feita pela Defensoria Pública da União (DPU), diz que o crime é pela “ausência de intenção”, uma vez que o registro como filha do militar foi feito quando ela era menor de idade. Na época, ela tinha 17 anos.
A Justiça, no entanto, entende que a mulher cometeu crime de estelionato ao se passar por falsa dependente do ex-combatente para obter vantagens, tendo plena consciência de que estava enganando o serviço militar para receber a pensão.
A decisão diz que o fato de Ana Lucia fazer uso dos dois nomes, identidades e CPFs diferentes deixa claro que ela tentava “ludibriar” a Administração Militar a fim de receber o valor indevido. Por isso, a autoria e a materialidade do crime é de estelionato.
O STM diz, ainda, que a acusada foi orientada pelo marido para que comparecesse ao Setor de Pensionistas e interrompesse os pagamentos indevidos, o que não ocorreu.
*Sob supervisão de Jean Laurindo