A Polícia Civil confirmou nesta segunda-feira (6) que envenenamento por arsênio foi a causa da morte de três pessoas após comerem um bolo em Torres, no Litoral do Rio Grande do Sul. O caso aconteceu em 23 de dezembro de 2024 (saiba mais abaixo).
A nora da mulher que preparou o bolo foi presa temporariamente no domingo (5) por suspeita de ser a responsável pelo crime. Ela foi identificada pela Justiça do RS como Deise Moura dos Anjos. Ela está detida no Presídio Estadual Feminino de Torres e responde por suspeita de triplo homicídio duplamente qualificado por motivo fútil e com emprego de veneno e tripla tentativa de homicídio duplamente qualificada.
A prisão tem validade de 10 dias – prazo que deve ser usado pela polícia para concluir a investigação. Os advogados de Deise disseram que vão se manifestar “em momento oportuno”.
De acordo com Marguet Mittman, diretora do Instituto-Geral de Perícias (IGP), a fonte da contaminação foi a farinha usada para fazer o bolo consumido pelas vítimas.
“Foram identificadas concentrações altíssimas de arsênio nas três vítimas. Tão elevadas que são tóxicas e letais. Para se ter ideia, 35 microgramas já são suficientes para causar a morte de uma pessoa. Em uma das vítimas, havia concentração 350 vezes maior”, diz Marguet.
De acordo com Marguet, foram coletadas 89 amostras na casa de mulher que fez o bolo. Uma amostra, de farinha, apresentou a concentração de arsênio.
Motivação para o crime
O delegado Marcus Vinícius Veloso, responsável pela investigação, afirmou em coletiva de imprensa nesta segunda de que são “robustas as provas que apontam que ela (Deise Moura dos Anjos) é a autora [dos crimes]”. No entanto, não divulgou detalhes das provas, inclusive o motivo para o crime, porque isso pode atrapalhar a investigação.
“Ela teve a intenção de cometer o crime. Foi um crime doloso”, afirma o delegado Veloso.
A Polícia Civil investiga, ainda, quem era o alvo de Deise ao envenenar o bolo, como ela obteve arsênio e em que momento ele foi colocado na farinha.
Os envenenados
As três pessoas que morreram após consumir o bolo são: as irmãs Neuza Denize Silva dos Anjos e Maida Berenice Flores da Silva e a filha de Neuza, Tatiana Denize Silva dos Anjos.
De acordo com o último boletim médico, a mulher que preparou o bolo, Zeli dos Anjos, de 60 anos, está hospitalizada em estado estável. A criança de 10 anos que também comeu o bolo recebeu alta na sexta-feira.
Gosto estranho
As pessoas que consumiram o bolo notaram um gosto estranho ao ingerir o doce, segundo o delegado Marcus Vinícius Veloso. O alimento, com sabor apimentado e desagradável, foi percebido logo nos primeiros pedaços. Zeli chegou a interromper o consumo ao perceber as reclamações.
“Tão logo o menino de 10 anos comeu e também reclamou do sabor, ela meio que colocou a mão assim em cima do bolo, [e falou] ‘e agora ninguém mais come’. E as pessoas começaram a passar mal naquele momento”, diz o delegado.
O marido de Neuza, que não consumiu o bolo, não apresentou sintomas. E o marido de Maida comeu o bolo, foi hospitalizado, mas já teve alta. Os nomes deles não foram oficialmente divulgados.
Relembre o caso
De acordo com a Polícia Civil, sete pessoas da mesma família estavam reunidas em uma casa, durante um café da tarde, quando começaram a passar mal. Apenas uma delas não teria comido o bolo. Zeli, que preparou o alimento, em Arroio do Sal e levou para Torres, também foi hospitalizada.
Três mulheres morreram com intervalo de algumas horas. Tatiana Denize Silva dos Anjos e Maida Berenice Flores da Silva tiveram parada cardiorrespiratória, segundo o hospital. Neuza Denize Silva dos Anjos teve como causa da morte divulgada “choque pós-intoxicação alimentar”.
Segundo o delegado Marcus Vinícius Veloso, Zeli foi a única pessoa da casa a comer duas fatias. A maior concentração do veneno foi encontrada no sangue dela.
O que é arsênio
Conforme André Valle de Bairros, professor de Toxicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o arsênio é o elemento químico, enquanto arsênico é denominado para o composto trióxido de arsênio.
“O arsênico trata-se da forma mais tóxica. A partir de 100 mg é possível a morte de um indivíduo adulto. Geralmente, o arsênico está na forma de pó e não tem cheiro ou gosto. Apesar de ter sido usado como raticida, esta droga pode ser empregada para fins de tratamento oncológico em pacientes com leucemia promielocítica aguda e é comercializada como Trisenox”, explica o especialista.
Bairros assinala que arsênico é proibido de ser comercializado no Brasil como raticida e o uso como agente quimioterápico é restrito.
“O arsênio é um elemento de alta toxicidade conhecida pela humanidade e sempre houve um certo temor. Há locais no globo terrestre ricos em arsênio, e isso contamina fontes de água. Mas é algo que precisa ser muito investigado. Há literatura científica, e de fato, há essa contaminação em leite, carne e frutas, porém, o fato de estar expostos a concentrações maiores de arsênio não significa necessariamente uma intoxicação”, acrescenta.