“Mãe ansiosa”, diz prontuário de menino que morreu “comido” por bactéria no Hospital
Por Metrópoles
O prontuário no Hospital Brasília do menino de 13 anos que morreu com o corpo todo necrosado em razão de infecção bacteriana relatou, em ao menos duas ocasiões diferentes, que a mãe dele estava “ansiosa”.
Em 14 de outubro de 2024, Miguel chegou ao Hospital Brasília com febre, dificuldade para respirar, irritação na pele, dor no corpo e moleza. O menino acabou indo para casa após resultado negativo no exame de Influenza, mas retornou à unidade no dia seguinte porque os sintomas persistiram, com episódios de vômito.
Após o diagnóstico de infecção viral, na madrugada de 16 de outubro, a equipe médica informou que o paciente havia acabado de ser internado, mas foi avaliado novamente devido à “ansiedade materna”. Na ocasião, a médica escreveu que o menino não precisava de antibiótico.
“Explico várias vezes o quadro, que minha HD [hipótese diagnóstica] é quadro viral devido evolução e exames, que não necessita de ATB (antibiótico), que a diarreia faz parte do quadro”, diz trecho do documento. Veja:
Reprodução
No outro relatório, expedido no dia seguinte, a equipe médica informou que Miguel estava “acompanhado dos pais”, com a “mãe ansiosa”. O documento descreve que o menino comeu sanduíche, vomitou de madrugada e continuava com tosse e diarreia. “Refere dor no peito, explico que é devido [à] tosse. Mãe faz praticamente as mesmas perguntas de ontem, com as mesmas queixas. Preocupada com a febre, explico novamente o quadro e a conduta, que é medidas (sic) de suporte”, afirmou.
A mãe de Miguel, Genilva Fernandes, 40, denuncia que houve negligência médica. Ela disse à Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) que a responsável pelo atendimento não pediu exames que poderiam ter diagnosticado a presença da bactéria.
Genilva também apontou irregularidade na atuação da administração do Hospital Brasília ao “retardar ao máximo o envio do prontuário e demais informações sobre o atendimento” do filho”.
Em depoimento à PCDF, a mãe de Miguel relatou ter sido informada por um infectologista de que, se o filho tivesse chegado à UTI “um pouco antes, o tratamento teria maiores chances de sucesso, pois o quadro era gravíssimo”. A 10ª Delegacia de Polícia (Lago Sul) investiga o caso.
Entenda o caso
Miguel Fernandes, de 13 anos, começou a apresentar febre, coriza e espirros, inicialmente tratados como rinite alérgica pela mãe, com uso de Novalgina.
Após agravamento dos sintomas, Miguel foi ao Hospital Brasília no dia 14 de outubro, onde exames descartaram Influenza e Covid-19.
No dia seguinte, em 15 de outubro, Miguel apresentou novos sintomas, como vômitos, diarreia, unhas roxas e fraqueza nas pernas. Retornou ao hospital.
O quadro clínico persistia grave, com febre, exantema e fraqueza, sem diagnóstico definido.
A mãe, Genilva, denunciou o atendimento inadequado e a demora na realização de exames na Ouvidoria.
Miguel desenvolveu choque séptico com falência de órgãos. Foi transferido para a UTI após deterioração significativa de sua saúde, com necessidade de intubação e hemodiálise.
Na UTI, os médicos identificaram a infecção por Streptococcus pyogenese Influenza A, enfermidades responsáveis pelo agravamento do quadro.
Miguel passou várias vezes por raspagem dos tecidos necrosados, mas ainda apresentava múltiplas complicações, como falência renal e cerebral.
Um traqueostomia agravou ainda mais sua condição e ele passou por mais um choque séptico;
Miguel morreu na madrugada do dia 09 de novembro devido a choque séptico por Streptococcus pyogenes, Influenza A, insuficiência renal aguda e gangrena periférica.
Genilva contou à coluna ter insistido para que a equipe médica aplicasse antibiótico no filho ou fizesse um raio-x de tórax para verificar a situação da criança, mas os médicos preferiram aguardar a evolução do quadro, tratando-o com soro, Novalgina e Tylenol.
No dia seguinte ao relato da equipe médica sobre a “ansiedade materna”, em 18 de outubro, o menino iria receber dose de Tylenol, mas a mãe impediu o procedimento porque Miguel estava com dor no estômago.
Genilva afirmou à reportagem ter dito à equipe médica que não era para aplicar mais nada no filho até que explicasse o que estava ocorrendo, porque desconfiou de que a conduta não era “normal”. Segundo Genilva, a médica fez uma segunda tentativa com Novalgina e filho começou a transpirar excessivamente.
Horas depois, ainda em 18 de outubro e quatro dias após dar entrada na unidade hospitalar, Miguel ficou roxo e entrou em choque séptico, segundo a mãe. Uma foto feita por Genilva mostra que as manchas começaram a surgir pelo corpo do menino, o que piorou de forma severa nos dias seguintes.
Miguel foi levado à UTI no dia 18, onde foi constatado que os rins estavam muito debilitados e que o quadro era “gravíssimo”. Na unidade, o menino sofreu várias paradas cardiorrespiratórias, mas resistiu. Ele chegou a ser intubado e a fazer hemodiálise na UTI.
Em 19 de outubro, cinco dias depois da internação no Hospital Brasília, os médicos confirmaram a contaminação por Influenza, infecção por Streptococcus – uma bactéria grave que compromete órgãos e tecidos –, falência de órgãos e necrose.
Ele morreu na madrugada de 9 de novembro, 26 dias após dar entrada no hospital. As costas, os glúteos, as pernas e as partes íntimas do menino ficaram necrosadas e tiveram de passar por raspagem para retirada do tecido morto. Fotos enviadas à reportagem pela família mostram essas graves feridas no corpo de Miguel. A coluna optou por não divulgar todas as imagens.
O outro lado
Em nota enviada ao Metrópoles, a assessoria do Hospital Brasília disse que, “em respeito à privacidade e confidencialidade, não divulgamos informações sobre histórico de saúde dos nossos pacientes, conforme determinam as normas éticas e legais de sigilo médico”.