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Novas denúncias: irmãs acreanas acusam ex-dirigente de igreja do Santo Daime de abuso e estupro

Por Tião Maia, ContilNet

Na mesma semana em que surgiram informações de que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) renovou, por mais 10 anos a partir de meados de 2024, quatro de cinco certificados de concessão às Igreja do Culto Eclético da Fluente Luz Universal e Igreja do Culto Eclético da Fluente Luz Universal, do mesmo grupo, em Pauini (AM), “para garantia da propriedade e do uso exclusivo” da marca “Santo Daime”,  no sentido de preparar bebidas não alcóolicas e promoção da educação de caráter religioso, surgem novas denúncias de que dirigentes da doutrina molestam mulheres e crianças sexualmente.  

As novas denúncias partem de duas irmãs acreanas e criadas na localidade conhecida como Céu do Mapiá, em Pauini, no região sul do Amazonas, onde se concentra a maior colônia daimista da Amazônia. As novas denúncias agora são contra um dirigente da Igreja “Céu do Sol Nascente”, em Manaus (AM). 

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Trata-se da principal igreja do Santo Daime do Amazonas, situada na Rua Caravelle, 20, bairro do Tarumã, nas proximidades do aeroporto Eduardo Gomes, área nobre da capital amazonense.

O chefe desta igreja é Chester de Souza Gontijo, de aproximadamente 58 anos de idade, empresário e membro de uma das famílias mais tradicionais e poderosas do Amazonas. Assim como no caso do psicólogo Paulo Roberto Souza e Silva, que está foragido da Justiça fluminense, líder da igreja daimista “Céu do Mar”, no Rio de Janeiro, acusado de assédio e abuso contra uma seguidora, e Maurílio José Reis, dirigente influente da Colônia Cinco Mil, em Rio Branco, e Céu do Mapiá, no Amazonas, acusado pela ex-mulher Maria Isabel Sabino Fernandes, de 48 anos, Chester de Souza Gontijo é acusado de ações semelhantes pelas duas irmãs acreanas.

Acusações são feitas contra Chester Gontijo/Foto: Reprodução

 

As irmãs acreanas são Mariana e Maria Clara Oliveira Ferreiro, de 26 e 20 anos, respectivamente. Mariana, a mais velha, que mora em Manaus, foi esposa de Chester de Souza Gontijo, com o qual casou assim que fez 15 anos de idade. Já Maria Clara, que mora com os pais no Céu do Mapiá, diz ter sido abusada quando tinha menos de 13 anos, nas vezes em que foi visitar a irmã, casada em Manaus.

Mariana foi casada com Chester durante um tempo/Foto: Reprodução

 Mariana faz as denúncias mostrando fotografias com marcas de agressões. Maria Clara denunciou os abusos que sofreu em carta à irmã e a outros membros de sua família, apontando o marido de Mariana e líder espiritual da igreja da qual seus pais são seguidores, como o homem que chegou a levá-la para um barco, onde ela só não foi violada com penetração e conjunção carnal porque gritou muito e ameaçou chamar a polícia e contar tudo para a família.

Ele também é acusado de abusar da cunhada/Foto: Reprodução

Confira as fotos das agressões sofridas pela vítima, enviadas com exclusividade ao ContilNet:

Veja o que diz Maria Clara  na carta à família:

“Aqui faço um relato de abuso sexual aos meus 12 anos de idade por parte do Chester Gontijo. Eu moro na Floresta Nacional do Purus com minha família. é de baixa renda e aos 15 anos de idade minha irmã conheceu o Chester aqui no Mapiá. Não demorou dias e ele conseguiu levar ela e nós para Manaus, com planos que só ele sabia (…)”, escreveu a vítima.

“Ele colocou nós na casa da mãe dele e ficamos lá. No primeiro mês lembro que ele passou por mim na cozinha e perguntou se eu já tinha feito sexo. Aí achei estranho e incomodada; no outro dia, ele foi no mercado e pediu da minha mãe para eu ir junto. Eu fui, fui feliz (nunca tinha ido num mercado). Ele pediu para eu sentar na frente (banco do passageiro) e, no caminho, botou a mão na minha perna, na virilha. Eu me assustei e tirei a mão. Ele falou: você quer ser minha? Eu falei que era melhor parar porque não achava isso normal”, acrescentou a jovem.

Foto mostra as irmãs na época dos abusos/Foto: Cedida

De acordo com Maria Cara, em seguida, Chester passou a fazer recomendações para que ela não se envolvesse com ninguém.

“Dizia que era para guardar a ‘priquitinha’. Ficava passando a mão nos meus peitos quando eu estava dormindo no sofá. Eu tomei um susto. Um dia segurou minha cabeça e beijou minha boca. Achei nojento um velho de idade e voltamos (ela e a mãe) para o Mapiá. Depois, nasceu o bebê da minha irmã e ela precisava de ajuda. Foi o jeito voltarmos para Manaus”, contou Maria Clara.

Segundo ela, logo após a chegada a Manaus, recomeçaram os elogios e cantadas, quando sua irmã ainda se encontrava em estado puerperal, no pós-parto ate chegar ao ato de violência no barco, quando ela quase foi deflagrada à força.

VEJA A CARTA NA ÍNTEGRA:

Mariana conta como foi seduzida com presentes aos 15 anos no Céu do Mapiá

“Eu conheci o Chester quando tinha menos de 15 anos. Me encantei porque ele disse ter ido ao Mapiá para me conhecer pessoalmente após ter visto fotos minhas na Internet. E já chegou me dando presentes”, contou sobre a abordagem do homem que seria seu futuro marido e pai de seu filho mais velho, hoje com dez anos. 

Os dois se conheceram quando ela tinha apenas 15 anos da idade/Foto: Cedida

Hoje, casada novamente com mais um filho do segundo casamento, ainda assim Mariana se diz perseguida e ameaçada pelo ex-marido. Ela também manifesta preocupação com a atual mulher de seu ex, a também acreana Rebeca Maia, ainda jovem como ela, sobre a qual diz ter certeza de que sofre os mesmos abusos que ela, no passado. 

“Ele não me deixa em paz. Por conta do nosso filho, sou obrigada a manter contato com ele. E quase sempre ele me difama, me agride verbalmente, e ameaça usar sua influência e de sua família em Manaus para me tirar meu filho judicialmente”, contou a mulher. 

Segundo ela, logo após a abordagem no Céu do Mapiá, o casal ficou noivo e se casou numa igreja daimista. “Viemos para Manaus e eu estava encantada com tudo aquilo. Eu, que nasci numa família pobre, de repente me via com um marido poderoso do lado, morando num apartamento bem mobiliado, numa cidade grande, e me encantei com tudo aquilo. Estava apaixonada e feliz. Não sabia que aquilo era o começo de um pesadelo”, contou Mariana em entrevista gravada ao ContilNet.

Ela disse que, à medida que o tempo ia passando, o marido passou a se transformar. Passou a ser agressivo, ríspido, ciumento e controlador. “Eu só poderia vestir o que ele determinava. Até a cor do esmalte das minhas unhas, ele controlava. Eu não podia fazer as unhas e usar esmalte vermelho porque ele dizia que era coisa da Pomba Gira”, contou. 

Pomba Gira é uma entidade da Umbanda e do Candomblé, considerada um Exu feminino e  mensageiro entre o mundo dos orixás e dos seres humanos na Terra. O vermelho e outras cores extravagantes seriam sua marca.

Ao analisar o passado, quando mal havia completados seus 15 anos, Mariana Ferreiro está convicta de que o que parecia inicialmente um conto de fadas, um casamento que a tiraria e sua família da pobreza, foi mais um caso de sedução de menor comum nas comunidades que praticam a doutrina do Santo Daime.

“Sinceramente, hoje, mais velha e mãe de novo, percebo que fui vítima de assédio e abuso quando ainda era adolescente. É isso que esses tarados que usam a doutrina para realizar seus fetiches fazem. Chester não é diferente de Paulo Roberto e Maurílio José Reis”, disse ela.

“Hoje, mais velha e mãe de novo, percebo que fui vítima de assédio e abuso quando ainda era adolescente”, disse ao ContilNet

Entidade que controla as igrejas daimistas no país e no mudo diz que Chester de Souza Gontijo foi afastado da organização 

Sobre as denúncias das irmãs Mariana e Maria Clara, o Iceflu, que se define como Igreja do Cato Eclético, emitiu nota dizendo que o acusado, Chester de Souza Gontijo, não faz mais parte da organização.

O Iceflu representa uma rede de organizações no Brasil em alguns países do mundo ao  qual está associado, de uma maneira direta ou indireta, as 4 instituições que fazem parte da organização daimista fundada por Sebastião Mota de Melo. 

“Esta necessidade de integrar diversas instituições deve-se ao fato de que a nossa linha não se limita apenas ao seu funcionamento enquanto igreja, tendo desde sua origem assumido uma proposta de vida comunitária, de ligação com a floresta amazônica e todos os desafios econômicos, sociais e ambientais dela decorrente”, diz a apresentação da entidade.

“Ao mesmo tempo, cada uma destas entidades, apesar do espírito de cooperação que as caracteriza, circunscreve suas atividades à sua esfera de ação e seus objetivos estatutários”, acrescenta.

A reportagem do ContilNet tentou entrar em contato com Chester de Souza Gontijo pelo telefone de prefixo 92 e números finais 54, mas o acusado não atendeu nem respondeu às mensagens deixadas através do aplicativo WhatsApp.   

A seguir, a íntegra da nota sobre as denúncias das irmãs Mariana e Maria Clara, assinada pelos dirigentes do Iceflu:

A Igreja do Culto Eclético da Fluente Luz Universal, a partir da procura da agência de notícias Contilnet, vem prestar os devidos esclarecimentos acerca do tema solicitado:

No ano de 2024 fomos procurados pelas denunciantes e, tão logo tomamos conhecimento dos fatos citados, acionamos o Sr. Chester Gontijo solicitando o seu afastamento das atividades relacionadas à direção do grupo sob sua responsabilidade, bem como de participação nas atividades de quaisquer igrejas associadas. Sem prejuízo, o Grupo de Trabalho de Mulheres da ICEFLU também está em contato com as denunciantes desde então. Em casos anteriores, envolvendo pessoas não vinculadas à ICEFLU, não tínhamos

como adotar medidas disciplinares ou administrativas. No caso em questão, embora tenhamos o cuidado e o respeito ao contraditório e à ampla defesa, baseados na gravidade das denúncias determinamos o afastamento do Sr. Chester até que as alegações, tanto das denunciantes como do denunciado, sejam devidamente apuradas e comprovadas no devido processo legal. Cientes dos inúmeros casos envolvendo lideranças e abusos em diversos segmentos religiosos no mundo todo, estamos trabalhando pela prevenção e informação de nossos membros, bem como estamos buscando apurar todas as denúncias e dispostos a empreender todos os esforços necessários para a elucidação dos fatos.

Seguimos à disposição

Conselho Administrativo ICEFLU

Secretaria-Executiva ICEFLU

Departamento Jurídico ICEFLU

Maurílio José Reis, assim como o psicólogo carioca Paulo Roberto, procurados pela Justiça, teriam sido expulsos da organização. Sobre as denúncias feitas na semana passada pela professora aposentada Maria Isabel Sabino Fernandes, que denuncia o ex-marido Maurílio José Reis, de 70 anos, a entidade daimista também enviou nota à redação. 

Eis a íntegra:

A ICEFLU – Igreja do Culto Eclético da Fluente Luz Universal, entidade responsável pelo segmento doutrinário do Santo Daime, diante da publicação de duas matérias redigidas pelo jornalista Tião Maia no veículo Contilnet, nos dias 04 e 06 de janeiro de 2025, extremamente ofensivas e caluniosas, apresentar breves considerações:

– A Sra. Maria Isabel nos procurou com essas denúncias, relativas ao seu ex companheiro, quando foi esclarecida sobre a total desvinculação do Sr. Maurílio Reis com nossa Instituição, há décadas, fato este que limita nossa atuação. Pela gravidade dos temas, nosso posicionamento foi de orientá-la a procurar os canais públicos e legais, visto que o silêncio diante de tais condutas podem ser caracterizado como uma ação criminosa e imputável.

– A ICEFLU desconhece historicamente qualquer indício que possa corroborar as denúncias alegadas pela denunciante, referentes a “tráfico de mulheres”, “pedofilia” e assim por diante, nos causando espanto que nosso nome possa ser vinculado a essas práticas, levianamente, e essas acusações serem publicadas pelo jornalista sem qualquer averiguação ou consulta.

– As matérias citam outros casos que já foram amplamente divulgados e comentados mas não relata, infelizmente, o posicionamento oficial da ICEFLU já publicado no ano passado, diante de situações de violência, abuso ou assédio, tampouco menciona que as denúncias existentes envolvem lideranças que não fazem parte dos nossos quadros associativos há décadas, deixando transparecer um interesse em requentar polêmicas sem apresentar as medidas e esclarecimentos já publicizados.

– São inúmeras as acusações, várias delas de extrema gravidade e sem qualquer conexão com a realidade dos fatos, sem nenhum tipo de comprovação, baseadas apenas no relato de uma pessoa que vem agindo de forma passional, direcionadas para uma instituição idônea como a ICEFLU, com mais de 50 anos de história.

– A ICEFLU vem adotando medidas de letramento de gênero para nossos quadros de direção e fortalecendo o Grupo de Trabalho de Mulheres, ou seja, estamos promovendo um enfrentamento sério e competente a questões de assedio, e qualquer outro desvio de conduta, dando acolhimento psicológico e encaminhamento jurídico para quaisquer situações que possam surgir, com vistas à manutenção de um ambiente seguro e de confiança para todas as pessoas, especialmente mulheres, crianças e adolescentes.

– Por fim, diante das inúmeras denúncias de extrema gravidade trazidas pela Sra. Maria Isabel reforçamos nosso desejo de que os fatos sejam apurados, a verdade seja exposta e quaisquer responsabilidades sejam devidamente assumidas por quem quer que seja.

Sem mais para o momento,

Conselho Administrativo ICEFLU

Secretaria-Executiva ICEFLU

Departamento Jurídico ICEFLU

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