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Matias VOGT: O caso do manobrista e a Ferrari de R$ 4 milhões: quem paga essa conta?

Por Matias Vogt

O caso do manobrista e a Ferrari de R$ 4 milhões: quem paga essa conta?
Imagine que você é dono de uma Ferrari avaliada em quase R$ 4 milhões e decide deixá-la em uma loja especializada para venda.
Tudo parece tranquilo até que, de repente, você recebe uma ligação informando que seu carro sofreu um acidente.

Manobrista perde o controle e bate Ferrari de R$ 3,2 milhões/Foto: Reprodução

A situação fica ainda pior quando você descobre que o responsável pelo acidente foi um manobrista da loja, que pegou o veículo sem autorização e bateu em menos de 10 minutos.
Para complicar ainda mais, o carro não tinha seguro.

Agora surge a grande questão: quem deve arcar com o prejuízo? O manobrista, a loja ou o próprio dono do carro?
A responsabilidade civil e a obrigação de indenizar
O Direito Civil estabelece um princípio fundamental: quem causa dano a outra pessoa tem o dever de repará-lo.
No caso da Ferrari, há três partes envolvidas na situação:

1. O manobrista, que pegou o carro sem permissão e bateu.
2. A loja, que era responsável pela guarda do veículo.
3. O dono da Ferrari, que confiou na loja, mas não tinha seguro.

Em tese, o manobrista deveria ser responsabilizado diretamente, já que foi ele quem causou o dano.
Mas, na prática, há outros fatores que complicam a solução desse caso.
O manobrista pode ser responsabilizado sozinho?
Pela lei, sim. O Código Civil, no artigo 186, diz que quem age com imprudência, negligência ou imperícia e causa dano a outra pessoa deve repará-lo.
O manobrista pegou o veículo sem autorização e, por isso, pode ser considerado diretamente responsável pelo prejuízo.

O problema é que, mesmo sendo condenado, um funcionário comum dificilmente teria capacidade financeira para pagar por um prejuízo desse porte.
Mesmo que a loja entrasse com uma ação de regresso contra ele, o valor provavelmente nunca seria recuperado.

Então, a pergunta seguinte é: a loja pode ser responsabilizada no lugar do manobrista?
A loja responde pelo prejuízo?
O Código Civil, no artigo 932, inciso III, estabelece que o empregador responde pelos atos de seus empregados quando eles atuam no exercício de suas funções.
Assim, se o manobrista tivesse causado o acidente enquanto manobrava o carro dentro da loja, a empresa responderia integralmente pelo dano.

Mas esse caso tem um elemento que pode alterar essa regra: o manobrista pegou o veículo sem autorização.
Isso pode ser interpretado como um desvio de função ou até um ato ilícito isolado, rompendo a relação de responsabilidade da empresa.

Por outro lado, se a loja não tinha protocolos rígidos de controle sobre seus veículos e permitiu que o manobrista tivesse acesso ao carro sem supervisão,
ela pode ser considerada negligente e, nesse caso, ser obrigada a indenizar o proprietário da Ferrari.

Outro ponto importante é a questão do seguro. Carros desse valor geralmente não possuem uma cobertura tradicional que cubra integralmente os danos,
devido ao alto custo da apólice e às particularidades da precificação desses veículos.
No entanto, uma loja que comercializa veículos de luxo costuma ter um seguro empresarial, que pode cobrir certos prejuízos relacionados à operação do negócio.
O problema é que essas apólices geralmente têm exclusões e limitações, podendo não abranger danos decorrentes de atos ilícitos de funcionários ou uso não autorizado dos veículos.
Isso significa que, mesmo que a loja tenha seguro, há grandes chances de que a indenização não seja automática, gerando um embate entre a seguradora, a loja e o proprietário do carro.
O dono do carro pode ficar no prejuízo?
Sem um seguro próprio e dependendo das cláusulas do seguro da loja, há um grande risco de que o proprietário da Ferrari tenha dificuldades para recuperar o valor do prejuízo.
Se a Justiça entender que a loja não tem culpa direta e que o manobrista agiu por conta própria, o dono pode ser obrigado a lidar sozinho com a perda.

Se o veículo tivesse seguro, a seguradora poderia cobrir o dano e, posteriormente, buscar ressarcimento contra os responsáveis.
Sem essa proteção, ele dependerá apenas do resultado de um processo judicial que pode levar anos.
O que deve acontecer agora?
O mais provável é que o dono do carro processe a loja e o manobrista, tentando garantir a indenização.
Caso a Justiça entenda que houve falha na guarda do veículo, a loja poderá ser condenada a pagar o prejuízo e depois buscar ressarcimento contra o funcionário.

Por outro lado, se a loja conseguir comprovar que adotava medidas de controle adequadas e que o manobrista agiu por conta própria, pode se livrar da responsabilidade.
Nesse cenário, o prejuízo pode recair sobre o proprietário do carro.

Além disso, se o seguro empresarial da loja não cobrir esse tipo de situação, a empresa pode acabar arcando com todo o prejuízo sozinha,
o que pode gerar uma disputa judicial entre a loja e sua seguradora.
Conclusão: o que podemos aprender com esse caso?
1. Controle interno é essencial. Empresas que lidam com bens de alto valor precisam ter regras rígidas para evitar esse tipo de situação.
2. Seguro não é um gasto, é uma proteção. Se o dono da Ferrari tivesse um seguro, não estaria enfrentando esse problema agora.
3. Nem todo seguro cobre tudo. O seguro empresarial da loja pode não ser suficiente para cobrir integralmente o prejuízo, deixando tanto a loja quanto o proprietário vulneráveis.
4. A Justiça pode demorar. Mesmo que o proprietário vença na Justiça, a indenização pode levar anos para ser efetivamente paga.

O caso do manobrista e da Ferrari levanta um grande debate sobre responsabilidade civil e falhas na gestão de riscos.
Se você estivesse no lugar do juiz, quem você condenaria a pagar essa conta?

Matias Vogt
Advogado, empresário e professor de direito.

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