Todo operador do Direito, aí incluídos magistrados e advogados, conhecem o teor do artigo 133 da Constituição Federal desde os bancos da faculdade. É neste dispositivo que o exercício da advocacia é consagrado como indispensável à administração da justiça.
A boa administração da justiça passa por garantia de direitos, por celeridade na solução de conflitos e por amplo debate de posições jurídicas, externadas em todos os atos processuais, incluindo as manifestações em tribuna, no exercício das sustentações orais. As sustentações orais são a última trincheira da ampla defesa e do contraditório, e são prerrogativas da advocacia.
Infelizmente, não é de hoje que o amplo exercício da advocacia vem sendo sacrificado, sob o pretexto do alcance de maior celeridade ou de ampliação do acesso à justiça, como se o advogado fosse um óbice a estes objetivos. Lembremo-nos das ações de valor abaixo de 20 salários-mínimos, no âmbito dos juizados especiais, onde a presença de advogados é dispensável. E a busca pelo afastamento das prerrogativas e o silenciamento da advocacia parece estar longe do fim.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sob o pretexto de modernizar o Judiciário, editou a Resolução 591/2024, que impõe julgamentos virtuais e impede que advogados façam sustentações orais ao vivo, obrigando-os a enviar vídeos ou áudios previamente gravados. Esse novo ataque frontal às prerrogativas da advocacia não é modernização, mas um grave retrocesso. Trata-se de um golpe contra o contraditório, o devido processo legal e, acima de tudo, contra a própria Justiça.
O que se pretende com essa medida? Agilidade processual? Eficiência? Não sejamos ingênuos: o que está em jogo é o esvaziamento da defesa e o enfraquecimento da advocacia. A sustentação oral ao vivo não é mero detalhe burocrático, mas um direito essencial que garante o debate real, a interação com os julgadores e a possibilidade de corrigir rumos durante a sessão de julgamento.
O cerne do problema está na substituição do fator humano pela mecanização da Justiça. A defesa em tempo real é fundamental porque permite a interlocução direta com os julgadores, possibilitando que os advogados rebatam dúvidas, esclareçam pontos controversos e suscitem questões de ordem durante a sessão de julgamento. A dinâmica de um julgamento colegiado muitas vezes depende de debates entre os próprios magistrados, sendo essencial que a advocacia possa intervir conforme a discussão evolui. A imposição de sustentação pré-gravada aniquila esse papel, reduzindo o advogado a um mero espectador do destino de seu cliente.
A vedação da sustentação oral presencial aniquila a essência do julgamento colegiado. O que acontece se um ministro ou desembargador fizer um questionamento durante a sessão? Quem responderá? Quem esclarecerá um ponto mal compreendido? Como suscitar uma questão de ordem, alertar sobre um erro processual ou impugnar um argumento surgido no calor da deliberação? A verdade é uma só: a advocacia será silenciada, e a Justiça será cada vez menos Justiça.
Justiça sem plena atuação da advocacia não é justiça, mas mera formalidade processual. A exclusão dos advogados do momento decisório é um retrocesso inaceitável e compromete a legitimidade dos julgamentos. O CNJ, em vez de garantir a modernização, caminha para uma desumanização do processo judicial, transformando a justiça em um sistema frio, engessado e surdo. O direito de defesa não pode ser tratado como um obstáculo incômodo à “celeridade processual”. Justiça sem contraditório é injustiça!
Não podemos permitir que o argumento da eficiência justifique o esvaziamento das garantias fundamentais. Um julgamento sem sustentação oral ao vivo é um julgamento incompleto, onde a parte já entra em desvantagem. A presença do advogado na sessão não é um capricho, mas uma necessidade. Não se pode trocar o humano pelo automatizado, o ao vivo pelo gravado, o diálogo pela burocracia fria de um arquivo de áudio.
Se essa resolução não for revogada, o que virá depois? Julgamentos inteiramente robotizados? Inteligências artificiais decidindo a vida das pessoas? O que está em jogo aqui não é apenas um detalhe técnico, mas o futuro do direito de defesa e da própria democracia.
A advocacia precisa reagir. Os tribunais não podem se tornar máquinas impessoais, insensíveis ao drama humano e ao impacto real das decisões judiciais. Eficiência e tecnologia são bem-vindas, mas jamais à custa do direito de defesa e da plenitude do contraditório.
Silenciar o advogado é silenciar o cidadão. A Resolução 591/24 precisa ser combatida com todas as forças, pois representa nada menos do que a morte da Justiça!