Quem me segue nas redes sociais sabe que um dos meus hobbies é assistir filmes e séries. Neste final de semana, assisti à minissérie ‘Adolescência’, que está em cartaz na Netflix. (ALERTA DE SPOILERS!) Recomendo, sobretudo para pais de pré-adolescentes. O enredo, inspirado em fatos reais, é daqueles que prende a gente na frente da TV: um garoto de 13 anos, aparentemente comum, mata brutalmente sua colega de escola. O mais inquietante não é o ato em si, mas o que levou até ele. Como um menino, filho de uma família estruturada, mergulha tão profundamente em um universo de ódio e violência? Como nós, pais, muitas vezes, não enxergamos os sinais?
Enquanto assistia, não consegui deixar de me imaginar no lugar do pai do protagonista. Tenho uma filha de 11 anos, que em poucos anos será adolescente, e a ideia de que ela poderia ser vítima ou mesmo perpetradora de algo tão cruel me causou uma inquietação difícil de ignorar. Afinal, a adolescência é uma fase em que os extremos convivem: entre a inocência e a curiosidade, entre o pertencimento e a solidão, entre a influência e a autonomia. E, no mundo de hoje, essa fase é amplificada por um novo fator: a internet, esse oceano sem margens, onde qualquer um pode navegar – e se perder.
O garoto da minissérie não se tornou um assassino por acaso. Ele foi tragado por um submundo virtual, repleto de discursos misóginos e extremistas, onde jovens vulneráveis são doutrinados por grupos radicais. A internet, que deveria ser um espaço de aprendizado e trocas saudáveis, se tornou um campo minado de ódio organizado. E o pior: é um território quase sem lei.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 17, assegura à criança e ao adolescente o direito ao respeito e à dignidade, incluindo a proteção contra qualquer influência prejudicial ao seu desenvolvimento. No entanto, o que vemos na prática? Jovens de 12, 13 anos entrando em fóruns, grupos de WhatsApp e Telegram, onde são ensinados a odiar mulheres, a desprezar minorias, a acreditar que a violência é uma solução legítima para suas frustrações. E tudo isso acontece sob o nariz das big techs, que lucram com cada clique, sem a menor preocupação com o impacto social do que permitem proliferar.
Precisamos, urgentemente, discutir a regulamentação da internet. Não se trata de censura, mas de responsabilidade. No Brasil, políticos se degladiam para aprovar ou barrar projetos que poderiam colocar alguma ordem nesse caos, enquanto adolescentes continuam sendo capturados por redes de ódio. A tragédia exibida na série poderia ter sido evitada se houvesse mecanismos de controle mais rigorosos (neste caso, no Reino Unido) e, sobretudo, se houvesse mais diálogo dentro de casa.
Diante de crimes cometidos por adolescentes, políticos oportunistas ressuscitam um discurso velho e ineficaz: a redução da maioridade penal. A proposta, que já tramita há anos no Congresso, defende que jovens de 16 anos (ou até menos) sejam julgados como adultos. Mas será que isso resolveria alguma coisa?
O artigo 228 da Constituição Federal estabelece que menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, sendo sujeitos às medidas socioeducativas previstas no ECA. Essa disposição não é um capricho, mas um reconhecimento da ciência sobre o desenvolvimento humano: cérebros adolescentes ainda estão em formação, sobretudo nas áreas responsáveis pela tomada de decisões e pelo controle de impulsos. Não é à toa que o Código Penal já prevê punições para menores infratores, mas dentro de um sistema que leva em consideração sua condição psicológica e social.
A realidade é que reduzir a maioridade penal é varrer o problema para debaixo do tapete. Em vez de investir em educação, prevenção e acolhimento psicológico, preferimos encher ainda mais os presídios brasileiros – que já são verdadeiras escolas do crime. E, ironicamente, os mesmos que defendem esse endurecimento das leis são aqueles que ignoram a necessidade de regulamentar a internet, onde esses jovens muitas vezes são recrutados para a violência.
Ao final da minissérie, fiquei refletindo sobre minha própria responsabilidade como pai. A verdade é que, por mais que queiramos proteger nossos filhos, não podemos colocá-los em uma bolha. Mas podemos – e devemos – estar perto. Saber o que eles estão consumindo na internet, quem são seus amigos, como estão lidando com as frustrações. Não adianta apenas confiar que “meu filho nunca faria isso”. O pai do garoto da série também pensava assim.
O artigo 4º do ECA estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente direitos fundamentais, incluindo a convivência familiar e comunitária. No entanto, quantas vezes a convivência familiar se resume a um jantar silencioso, cada um olhando para a tela do próprio celular? Quantas vezes conversamos de verdade com nossos filhos sobre o que sentem, sobre os medos, sobre as angústias?
Não podemos delegar a educação emocional de nossos filhos para a escola, para a internet ou, pior, para as ferramentas de reunião de grupos de ódio que habitam as profundezas do mundo digital. A adolescência é um terreno fértil – pode florescer em empatia e conhecimento ou pode ser sufocada por ressentimento e violência. O que vai crescer ali depende, em grande parte, de como nós, pais, cultivamos esse solo.
Se há algo que ‘Adolescência’ nos ensina, é que ignorar os sinais pode custar muito caro.
*Roraima Rocha é Advogado; sócio fundador do escritório MGR – Maia, Gouveia & Rocha Advogados; Mestrando em Legal Studies Emphasis in International Law (Must University – EUA); Especialista em Direito Penal e Processual Penal (Faculdade Gran); Especialista em Advocacia Cível (Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul – FMP); Membro da Comissão de Prerrogativas, Secretário-Geral Tribunal de Ética e Disciplina – TED, e Presidente da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/AC.