O Sábado de Aleluia, como este de hoje (19), já foi um tempo em que, para celebrar o fim da quaresma, galinhas eram furtadas em cidades do interior do Brasil e em regiões como o Acre. Mais que um furto ou roubo, já que algumas vezes as casas em cujos quintais ficavam os galinheiros tinham que ser violadas, era uma ação que estava mais para brincadeira do que para auferir ganhos com a prática, que, tecnicamente, sempre foi crime, regulada pela Lei 13.330/2016, que alterou o Código Penal Brasileiro.
A alteração buscou tipificar de forma mais gravosa os crimes de furto e receptação de semoventes domesticáveis de produção, mesmo que abatidos ou divididos em partes. A lei foi sancionada sem vetos pelo então presidente interino Michel Temer e trouxe mudanças significativas na legislação penal, visando aumentar a punição para esses crimes. Além disso, a lei introduziu uma nova qualificadora para o crime de furto, refletindo a preocupação com a proteção dos animais e da produção rural. E por semoventes entenda-se animais criados para consumo, como gado, porco ou galinha, cujo furto, com a nova lei, pode acarretar pena de dois a cinco anos de prisão – ou seja, cadeia, cujo cumprimento inicial é em regime fechado.

Embora ilegal, a prática consistia em graça quando o dono do animal furtado e abatido era um dos convidados do almoço/Foto: Reprodução
Seja pelo endurecimento da lei ou pela mudança de hábitos culturais, o fato é que o furto – ou roubo – de galinha no Sábado de Aleluia está, aos poucos, deixando de ser uma tradição. Ninguém sabe quando e onde isso começou no Brasil, mas essa prática já foi uma tradição real em muitas regiões do interior do país. Embora o nome soe como algo fora da lei, o costume fazia parte do folclore popular e era vivido com espírito de brincadeira, especialmente em comunidades rurais do Nordeste e do Sudeste.
A explicação para o que já foi uma tradição é que o Sábado de Aleluia é exatamente o fim da Quaresma, o período de 40 dias que antecede a Páscoa. No período, era comum que os católicos evitassem o consumo de carne vermelha como forma de penitência. No Sábado de Aleluia, que marca o fim desse tempo de sacrifício, o clima de luto começava a dar lugar à celebração da ressurreição. Era nesse momento que surgia o “roubo de galinha”, uma forma bem brasileira e irreverente de comemorar.
Grupos de jovens e crianças saíam pelas redondezas, muitas vezes durante a madrugada, para pegar galinhas dos quintais de vizinhos, parentes ou conhecidos. Na maioria das vezes, o “roubo” era consentido ou feito com certo grau de tolerância. O objetivo não era o crime, mas a festa: com as galinhas em mãos, os moradores preparavam grandes almoços coletivos, encerrando a Quaresma com fartura, risadas e música. Em muitas ocasiões, o convidado de honra do almoço era exatamente o dono do galinheiro de onde os animais haviam sido levados, o que o comensal fingia não saber ou, na maioria das vezes, não sabia mesmo – o que estava na maior graça do feito.
Apesar do tom festivo, a prática era tecnicamente ilegal, e com o tempo foi sendo deixada de lado, seja pelo endurecimento das leis, pela urbanização ou pela mudança nos hábitos culturais. Hoje, a tradição sobrevive mais como memória afetiva e curiosidade folclórica.
Ainda que o “roubo de galinha” tenha quase desaparecido, o Sábado de Aleluia segue sendo marcado por outras tradições populares, como a malhação do Judas, que permanece viva em muitas cidades. Enquanto isso, histórias sobre galinhas “sequestradas” e panelas cheias de ensopado continuam sendo contadas com nostalgia por quem viveu esse tempo em que a celebração da Páscoa começava com um pouco de molequagem — e uma boa refeição no fim.