Os amigos de Everton Batista Alves da Silva, morto no domingo aos 18 anos em Juazeiro do Norte (CE), prestaram as últimas homenagens ao jovem fazendo em volta do caixão a manobra que indiretamente o levou à morte: o “grau”, gíria para a prática de empinar a motocicleta na roda traseira. Quando bateu em um poste com sua moto, Everton não estava “dando o grau”. Mas ia a um encontro onde motociclistas se exibiriam em uma roda só no meio da rua e sem autorização. É uma forma de socialização proibida em vias públicas. Mas que se multiplica como reflexo do aumento da frota de motocicletas e da disposição de pilotos em se exibir com elas.

Motociclistas prestam homenagem a amigo com ‘grau’ de moto em enterro — Foto: Reprodução
O crescimento do número de fãs tornou comum a exaltação em redes sociais de motociclistas que fazem manobras consideradas uma infração grave no Código de Trânsito Brasileiro, se realizadas em espaço de circulação pública sem autorização. Nas redes, são divulgados vídeos das estrelas desta subcultura em estacionamentos e galpões alugados onde se ensinam as manobras. O cenário da gravação é permitido, embora ela seja para um público que muitas vezes não leva em conta a linha que separa o legal do ilegal.
O empresário Rodrigo Buzulini, de 40 anos, argumenta que as aulas são um meio de deixar as pessoas interessadas nas manobras fora da rua.
— São uma espécie de hobby para os motociclistas. É igual quando você tem uma moto de alta cilindrada. Não pode usar ela ao máximo na rua, tem que ir para um autódromo. Quando você tem uma arma e quer atirar, é um crime na rua. Então você vai para um estande de tiro — compara, Buzulini, ex-proprietário de uma autoescola que mudou de ofício há cinco anos por “amor ao motociclismo”, como diz, e a alta demanda por aulas de grau. — Tenho 150 alunos por semana e dez motos e equipamentos de treino para wheeling (nome em inglês para malabarismos com moto). Circulo por cidades de São Paulo e do Rio. Fico revezando entre estacionamentos ou galpões privados, e às vezes, algum local cedido pelo poder público — detalha o empresário que “dá gráu” há cerca de 20 anos.

O influenciador digital de motociclismo Cristiano Junior, de 28 anos, conta que começou a dar aulas após construir os equipamentos de segurança para o esporte em 2021. Junior afirma que tenta ensinar diversas manobras, mas diz que o foco dos alunos é o grau, reconhece. Como Buzulini, o influenciador se dividia entre espaços alugados. Até o deputado federal Bim da Ambulância (Avante-MG) ceder um espaço em Belo Horizonte, segundo ele.
— A escola começou há quatro anos. De dois anos para cá, deu uma estourada, atendemos de 30 a 40 alunos por semana — calcula.
Um dos alunos foi a patinadora profissional Sarah Gonçalves, de 23 anos. A atleta da modalidade de patinação vertical diz que se interessou após ver outras mulheres “dando o grau”. Ao tirar a carteira em novembro, começou nas aulas.
— A maioria das mulheres que patinam andam de moto. A única diferença é o tamanho da motocicleta e a propulsão — explica. — Tem muitos jovens do grupo de patinação também, convivo com pessoas acima dos 35 anos e 40 anos.

De acordo com o Ministério dos Transportes, para que a manobra seja uma infração ou crime de trânsito, tem de ter sido praticada em uma via terrestre aberta à circulação, praias abertas à circulação pública, vias internas de condomínios residenciais ou áreas de estacionamento de estabelecimentos privados de uso coletivo. Buzulini e Junior dizem que passam essas orientações.
— Falamos antes das aulas: se soubermos que foi pego empinando (moto em lugar proibido) não participa mais — afirma o influenciador mineiro.
Receio com demanda
Um receio de especialistas é que o aumento de demanda por aulas de grau não acompanhe a oferta e motociclistas usem cada vez mais nas ruas. A possibilidade é considerada com o aumento da venda de motos no Brasil nos últimos anos. De 2020 para 2024, a alta foi de 105,4%, passando de 910 mil para 1,87 milhão vendidas por ano, de acordo com a Abraciclo, que representa os fabricantes, e a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).
O advogado especialista em direito de trânsito Márcio Dias recomenda uma regulamentação para essa modalidade esportiva:
— Deveria haver fiscalização do Detran, mas não há amparo. Isso pode incentivar pessoas a praticar em espaço aberto. Eles vão ter espaço fechado para treinar sempre?
O risco é reconhecido por 86,2% dos motociclistas que admitem se preocupar em ficar paralíticos por causa de acidentes, segundo uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, da Associação Médica Brasileira e de outras entidades médicas que traçaram em setembro um perfil dos condutores de motos. Mas na mesma pesquisa, 73% disseram não respeitar as leis de trânsito.

Para o médico Marcos Musafir, da ONG Trânsito Amigo, seriam necessárias mais aulas de direção para aprimorar as habilidades dos motociclistas antes das aulas de grau. Musafir diz que é importante entender que a maioria dos condutores é jovem e se empolga facilmente em ultrapassar limites, o que leva às manobras arriscadas.
— Mais da metade usa o veículo para ir ao trabalho ou entregas. Considerando algumas franquias, o valor de uma moto é mais barato do que pegar o ônibus todos os dias, sem contar a manutenção. É um fator social e econômico. Mas sem a devida atenção no trânsito, eles podem parar em um hospital internados e até prejudicando as pessoas que fariam cirurgias eletivas, se a vaga não estivesse ocupada.
(*estagiário sob a supervisão de Luã Marinatto)