Fatal Fury: City of the Wolves marca o retorno da clássica franquia SNK após mais de 26 anos de espera desde o lançamento do seu antecessor, Garou: Mark of the Wolves (1999). Ao lado de Street Fighter, trata-se de uma série que ergueu os pilares do gênero de jogos de luta e que partilha até mesmo de um criador em comum: Takashi Nishiyama, que foi diretor na Capcom no fim dos anos 80, quando idealizou o primeiro Street Fighter (1987), e então deixou a empresa para trabalhar em um sucessor espiritual na SNK, Fatal Fury: King of Fighters, em meados dos anos 90.
Já disponível para PC (Steam), PlayStation 4 (PS4), PlayStation 5 (PS5), Xbox Series X e Xbox Series S, Fatal Fury: City of the Wolves é fruto de muita expectativa dos fãs e também dos produtores. Agora, o time conseguiu dar vida a um título que culmina toda a sua experiência com jogos de luta e que pode ser descrito como o melhor lançamento da era moderna do estúdio, ainda que deixe a desejar em certos pontos. Nas linhas a seguir, o TechTudo te apresenta um review completo, com a experiência de jogar Fatal Fury: City of the Wolves em detalhes.

Fatal Fury City of the Wolves em review: conteúdo raso não ofusca gameplay
- Visuais estilizados mostram uma SNK que aprendeu com seus erros
- Gameplay bem-amarrada e recompensadora
- A maior decepção com City of the Wolves
- A Arábia Saudita e as péssimas decisões de elenco
- Fatal Fury: City of the Wolves empolgou?
Visuais estilizados mostram uma SNK que aprendeu com seus erros
Desde que fez sua transição em definitivo para os jogos tridimensionais, a SNK, que sempre entregou artes em pixel deslumbrantes, tem demonstrado dificuldades em acompanhar o padrão de qualidade das suas principais concorrentes. Pegando os ensinamentos de Samurai Shodown (2019), o primeiro jogo do estúdio produzido na Unreal Engine, o time de desenvolvimento entendeu que uma boa direção artística é muito mais importante do que modelos ultrarrealistas. Em City of the Wolves, foram tomadas ótimas decisões de design nesse sentido, pois seus personagens são mais estilizados e têm até mesmo roupas atualizadas, o que mostra um amadurecimento desse universo.

A evolução é gritante se compararmos lutadores como Rock Howard, Mai Shiranui e Terry Bogard, por exemplo, com suas versões jogáveis em The King of Fighters XV (2022). Sem dúvidas, o novo Fatal Fury entrega os melhores modelos já produzidos pela SNK. Ainda que tenha margem para melhorias, em especial nos NPCs de cenários, as escolhas artísticas são muito felizes e tornam os visuais bastante satisfatórios. Isso também inclui efeitos especiais, inspirados por quadrinhos estadunidenses e que fazem uso de cores muito vibrantes.
Também vale elogiar todo o trabalho com a trilha sonora e design de sons, que colaboram substancialmente com a apresentação do título. A SNK é casa de algumas das músicas mais memoráveis dos jogos de luta, e ainda assim ela consegue, consistentemente, dar vida a novas composições que ficam em pé de igualdade com o seu largo portfólio. Sabendo disso, Fatal Fury: City of the Wolves não poupa esforços e deixa um catálogo grande de músicas da franquia à disposição dos jogadores. É possível criar uma playlist e atribuir suas faixas favoritas aos cenários de preferência.
Gameplay bem-amarrada e recompensadora
Além de acertar em cheio na apresentação, Fatal Fury: City of the Wolves entrega um sistema de gameplay muito engajante. A base empresta muito daquilo que já tinha em seu antecessor, com destaque para mecânicas de “finta” e “freio” para cancelar ataques, desde botões normais a especiais de comando, o que estende combos ou aplicando mais pressão sobre a defesa dos adversários. O Selective Potential Gear (S.P.G.), que consiste em selecionar um terço da barra de vida para ganhar acesso a um acréscimo de dano e um especial mais poderoso.
Existe ainda um sistema chamado de REV e que coloca à disposição vários especiais aprimorados, conhecidos também como Ex, já no início de cada rodada. Além disso, é possível cancelar um especial logo em seguida do outro, o que cria combos bastante espalhafatosos. Só é preciso tomar cuidado para não entrar em estado de sobrecarga, já que isso faz o jogador perder acesso a essas habilidades temporariamente e o deixa suscetível a uma quebra de defesa. É uma dinâmica que lembra bastante o Drive System de Street Fighter 6.

Todas essas mecânicas fazem de Fatal Fury: City of the Wolves um jogo muito divertido de aprender. É intuitivo começar apertando botões despretensiosamente, mas ao mesmo tempo existe uma profundidade técnica muito recompensadora para quem for a fundo nos seus sistemas. Embora seja um jogo muito focado na ofensiva, tem todo um leque de técnicas defensivas, como por exemplo um parry, o que garante uma resposta para praticamente qualquer situação. Em outras palavras, os fãs do clássico Mark of the Wolves devem se sentir muito familiarizados neste novo jogo.
As animações também são bastante caprichadas, tornando cada apertar de botão satisfatório e com uma excelente sensação de impacto. Aplicar uma punição em adversários que estão lançando golpes ao vento e errando o espaçamento, um conceito conhecido como whiff punish, é uma das melhores sensações do mundo, o que abre margem para combos muito danosos e divertidos de executar. Não é possível cravar nada sobre balanceamento até o momento, mas é muito claro como o jogo coloca várias ferramentas à disposição para que todos os lutadores sejam viáveis em algum nível.

A maior decepção com City of the Wolves
Embora Fatal Fury: City of the Wolves acerte em cheio nos visuais e sistemas de gameplay, infelizmente não é possível dizer o mesmo do seu conteúdo single-player. Um dos seus principais modos, o Episodes of South Town, é um modo RPG em que é possível escolher seus lutadores favoritos e, em teoria, explorar a cidade de South Town para ganhar níveis e desbloquear habilidades. A forma como isso é feito, no entanto, é extremamente precária: o mapa é completamente estático e o jogador apenas navega com um cursor desajeitado pelos pontos de interesse, que consistem em lutas genéricas.
Cada personagem tem uma historinha, em geral anedótica e sem substância, com caixas de diálogos que surgem sobre a tela da maneira mais tediosa possível. Ainda que seja um modo que inclua algumas surpresas, a execução é incapaz de instigar a curiosidade e deixa muito a desejar. Por causa disso, a cidade de South Town, que é tão referenciada ao longo do jogo, é quase como uma entidade sem forma. Esse modo seria a oportunidade perfeita de torná-la em algo mais palpável, assim como Street Fighter 6 fez com Metro City em World Tour, mas o resultado sequer dá margem para imaginação.

Os esforços estão mais concentrados no Modo Arcade, que traz a história individual de cada personagem com animações semiestáticas. Os encerramentos são relativamente compridos e esclarecem muitas coisas que ficaram mal resolvidas nestes mais de 26 anos de espera por uma sequência. Também vale elogiar que, dependendo do lutador escolhido, o chefe também pode mudar. Logo, isso incentiva o zeramento com todo o elenco para descobrir as diferenças. Aqui, vale uma recomendação: a história de Billy Kane é definitivamente a mais reveladora e indispensável para os acontecimentos do jogo.
Também existem modos de Sobrevivência e Contra o Relógio, mas eles são bastante simples e não garantem recompensas. Os Trials, que são os famosos desafios de combo, também marcam presença, mas são muito rasos e mal conseguem dar uma noção do que cada lutador consegue fazer de interessante.

Com tudo isso em mente, foi muito difícil não ficar decepcionado com o conteúdo single-player de City of the Wolves. Os menus também são uma catástrofe, pois têm uma navegação contraintuitiva e burocrática. Esse é um problema não apenas do Episodes of South Town, mas que se estende para todo o restante do jogo — em especial, a sala de treinamento e os menus online.
Agora, vale comentar um pouquinho sobre a experiência online. É esse aspecto que vai garantir a sobrevida do jogo após o seu lançamento, e, felizmente, a SNK fez a lição de casa. O jogo chegou com suporte a netcode de rollback e crossplay entre todas as plataformas, garantindo que sua base de jogadores seja unificada. As partidas de teste rodaram muito bem, mas o netcode por si só não opera milagres: caso o adversário esteja jogando em uma máquina mais fraca ou com uma conexão muito instável, as travadas serão muito perceptíveis.
O matchmaking também está funcionando muito melhor do que no Beta, mantendo um ritmo constante de partidas e variando os jogadores — pelo menos neste período de lançamento. A maior dor de cabeça está na hora de adicionar algum amigo ou criar uma sala, pois, como já mencionei, os menus são muito mal feitos.

A Arábia Saudita e as péssimas decisões de elenco
Fatal Fury: City of the Wolves resgata muitas figuras clássicas da série no que podem ser descritas como as suas melhores versões de todos os tempos. No total, o elenco tem 17 lutadores e inclui personagens como Billy Kane, Marco Rodrigues, Hotaru, Mai Shiranui, Rock Howard, B. Jenet e muitos outros. Até mesmo os lutadores inéditos, como Preecha e Vox Reaper, são muito bem-feitos e passam a sensação de que sempre pertenceram ao universo da franquia, além de serem muito divertidos de jogar.
No entanto, foram tomadas decisões bastante questionáveis com a inclusão de figuras do mundo real no seu elenco de lutadores: Cristiano Ronaldo, atleta português que atualmente joga pelo clube Al-Nassr FC, da Arábia Saudita, e o DJ bósnio-sueco Emir Kobilić, conhecido como Salvatore Ganacci. É muito difícil de acreditar que esses “lutadores” marquem presença puramente por uma decisão criativa do time de desenvolvimento.

Atualmente, cerca de 96% da SNK pertence ao controverso príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, cujo Fundo de Investimento Público (PIF, na sigla em inglês) tem feito uma série de investimentos em estúdios de videogames e também nos esportes nos últimos anos. Essa seria uma tentativa de ressignificar a imagem internacional do país, sobre o qual pesam várias denúncias de violação dos direitos humanos.
Vale lembrar que time pelo qual Cristiano Ronaldo joga pertence ao PIF, assim como Salvatore Ganacci já fez propaganda para um tour de golfe masculino com financiamento público da Arábia Saudita e costuma marcar presença em festivais musicais na região. Essa é uma situação que parece ir na contramão do que Yasuyuki Oda, produtor de Fatal Fury: City of the Wolves, tinha dito em entrevista ao VGC em 2022, alegando que a aquisição do estúdio pela Arábia Saudita “não o afetaria de forma alguma”.
Isso fica ainda mais claro tendo em vista que Cristiano Ronaldo sequer tem uma história nos modos Arcade e Episodes of South Town, pelo menos neste período de lançamento. É muito lamentável que o dinheiro de licenciamento dos seus direitos de imagem não tenha sido usado para encorpar o conteúdo single-player, por exemplo.

Fatal Fury: City of the Wolves empolgou?
Fatal Fury: City of the Wolves é o retrato de uma SNK mais experiente e segura de si. O jogo acerta em cheio no seu gameplay, com um leque de mecânicas ofensivas e defensivas que são muito divertidas de usar. Ele também traz visuais agradáveis e animações que passam uma excelente sensação de impacto, tornando as partidas muito satisfatórias e recompensadoras a cada pressionar de botão. O elenco também tem um saldo positivo, apesar da presença indesejável de Cristiano Ronaldo e Salvatore Ganacci.
É no conteúdo single-player que o jogo deixa a desejar. Se a sua intenção é apenas curtir os modos Arcade e Episodes of South Town, é bem capaz que acabe se decepcionando. Já se a ideia for entrar na minúcia do sistema de gameplay e curtir partidas online, seja contra amigos ou contra pessoas aleatórias via matchmaking, então o jogo deve render muitas horas de diversão. O fato de ele não repetir problemas de The King of Fighters XV, com crossplay já no lançamento, também é um excelente sinal de que o jogo deve manter uma comunidade ativa por bastante tempo.

No fim, a minha experiência com Fatal Fury: City of the Wolves teve muitos altos e baixos. É um excelente jogo pelo que entrega na minúcia do seu gameplay e que faz justiça às quase três décadas de espera por uma sequência. O conjunto da obra, no entanto, realmente carece de investimento e podia ser melhor. Quem sabe, com possíveis atualizações de conteúdo, a SNK deixe os modos mais atrativos para o público casual.