A lei que permite o uso da Bíblia como material de apoio em escolas públicas e privadas de Belo Horizonte entrou em vigor na última quinta-feira (29). A proposta levantou um debate sobre a laicidade do Estado durante a tramitação na Câmara Municipal e não é consenso entre as instituições de ensino.
Enquanto escolas privadas cristãs já usam a Bíblia dentro de suas propostas pedagógicas, há instituições contrárias à aplicação do livro sagrado dos cristãos no ensino e que não pretendem utilizá-lo. O governo estadual de Minas Gerais, por meio de nota, afirmou considerar o uso de livros religiosos nas escolas “proselitismo”, termo que se refere à tentativa de convencer alguém de sua crença ou ideologia política.
A lei sancionada nesta semana permite a utilização de histórias bíblicas como recurso paradidático para aprendizagem de conteúdos culturais, históricos, geográficos e arqueológicos, vinculados a projetos escolares. No entanto, não torna obrigatório o uso da Bíblia nas escolas e prevê participação facultativa dos alunos nas atividades que usem o livro.
Escolas estaduais
A Secretaria de Educação de Minas Gerais (SEE-MG), responsável pelas escolas públicas estaduais, informou em nota que segue os princípios estabelecidos na Constituição Federal, que garante o Estado laico e veda a vinculação entre o poder público e quaisquer cultos ou igrejas.
“A utilização de materiais religiosos nas escolas, fora do escopo pedagógico definido, pode configurar proselitismo religioso, contrariando os princípios de neutralidade, pluralismo de ideias e liberdade de consciência”, afirmou a pasta.
Ainda conforme o governo do estado, para a disciplina de ensino religioso, a secretaria disponibiliza materiais pedagógicos específicos por meio dos Cadernos Mapa (Material de Apoio Pedagógico para Aprendizagem), que têm como base o Currículo Referência de Minas Gerais (CRMG).
“Esses materiais visam promover o respeito à diversidade, a valorização das práticas culturais e sociais e o desenvolvimento de competências de forma inclusiva e plural”, completou a SEE.
Escolas municipais
A Secretaria Municipal de Educação (Smed) não se posicionou sobre a possibilidade de aplicação da nova legislação nas escolas da capital mineira.
Rede particular
Entre as escolas particulares, a adesão ao uso da Bíblia como material complementar não é unânime.
Para a Rede Coleguium, a diversidade religiosa é um valor que deve ser respeitado em sua pluralidade e, por isso, a obra cristã não é utilizada como recurso paradidático nas práticas pedagógicas.
“Acreditamos que a abordagem de textos religiosos, incluindo a Bíblia, deve ocorrer no âmbito familiar, onde cada família tem autonomia para transmitir suas crenças e valores, respeitando os dogmas e tradições de sua fé”, destacou a instituição.
Ainda conforme a escola, a proposta educativa leva em consideração princípios de inclusão, respeito à diversidade e formação crítica dos estudantes, com o propósito de garantir um ambiente acolhedor e plural para todos os membros da comunidade escolar.
Escola evangélica já usa Bíblia
Na Rede Batista de Educação, que se denomina confessional evangélico, a obra religiosa já está inserida no cotidiano dos estudantes como recurso pedagógico desde o maternal. Segundo o colégio, o objetivo é inspirar “atitudes e reflexões baseadas nas virtudes capazes de transformar o caráter do ser humano”.
Durante as aulas, as histórias bíblicas são abordadas com a intenção de desenvolver nos alunos o senso crítico, a empatia e a responsabilidade social.
“Como escola confessional cristã evangélica, seguimos firmes na missão de educar para a transformação não só acadêmica, pois temos o compromisso de formar cidadãos éticos e empáticos”, declarou a Rede Batista de Educação.
Bíblia nas atividades de formação espiritual católica
O mesmo acontece no Colégio Escolápio São Miguel, no bairro Nova Floresta. Por ser uma instituição confessional católica, a escola já integra a Bíblia em atividades de formação espiritual e no ensino religioso, que se baseiam em princípios e valores do catolicismo.
“Isso significa que, além do ensino regular, buscamos promover uma educação que una o conhecimento acadêmico à vivência da fé e à formação espiritual dos nossos alunos”, disse o colégio.
Em relação à nova lei, no entanto, a instituição informou que o tema ainda será debatido internamente pela direção e os professores, respeitando todas as legislações, as diretrizes do Ministério da Educação (MEC) e o Currículo Nacional da Educação Básica.
Votação polêmica
A nova lei foi sancionada pelo presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, Juliano Lopes (Podemos), porque o prefeito Álvaro Damião (União Brasil) não se manifestou dentro do prazo previsto. Procurada, a prefeitura não se manifestou.
De acordo com o texto, as histórias bíblicas podem ser usadas como recurso paradidático para apoio a conteúdos culturais, históricos, geográficos e arqueológicos, vinculados a projetos escolares de ensino.
Durante a tramitação na Câmara Municipal de Belo Horizonte, a proposta levantou um debate sobre a laicidade do Estado e as implicações da obra no ensino pedagógico.
De um lado, a autora da proposta, Flávia Borja (DC), argumentou que o a mudança na legislação municipal permite aos professores abordar histórias de civilizações antigas, como Israel e Babilônia, que não se encontram em outras fontes, além de trabalhar com diferentes gêneros literários, como crônica, poesia e parábola.