Entenda o projeto de ferrovia do governo Lula com a China que deve passar pelo Acre

Embora o projeto ainda esteja em fase de estudo, o trajeto previsto pelo Ministério do Planejamento coloca o Acre como elo estratégico

O projeto da Ferrovia Transoceânica voltou ao centro das discussões do governo federal como uma das apostas mais ambiciosas para reposicionar o Brasil no cenário logístico internacional — e o Acre está no coração desse plano. A ferrovia, que tem a China como principal parceira e investidora, busca criar um corredor ferroviário interligando o Oceano Atlântico ao Pacífico, cortando o Brasil até a fronteira com o Peru.

Rota bioceânica usa trecho do projeto Rotas de Integração Sul-Americana, encabeçado pelo Ministério do Planejamento/Foto: Reprodução

Se concretizada, a iniciativa pode transformar o estado do Acre em uma porta de saída das exportações brasileiras rumo à Ásia, com tempo e custo de transporte drasticamente reduzidos.

Do sonho à geopolítica: o papel do Acre

Embora o projeto ainda esteja em fase de estudo, o trajeto previsto pelo Ministério do Planejamento coloca o Acre como elo estratégico. A ferrovia partiria do litoral da Bahia, passaria pelo Centro-Oeste e subiria por Rondônia até Rio Branco, de onde seguiria rumo ao município de Assis Brasil, na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Bolívia.

Mapa ilustrativo da Ferrovia Bioceânica mostra possível rota passando pelo Acre, interligando o Brasil ao Oceano Pacífico por meio do Peru/Foto: Reprodução

Dali, a proposta é que a ferrovia se conecte à Estrada do Pacífico, em território peruano, até o porto de Chancay — maior investimento chinês na América Latina, com US$ 3,5 bilhões aplicados e rotas diretas para Xangai.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, chegou a classificar o projeto como uma “revolução”, mesmo reconhecendo seus desafios geográficos e financeiros. “Hoje, o Brasil depende de hidrovias e estradas para acessar o Pacífico. Uma ferrovia bioceânica mudaria isso, colocando o Acre como ponte entre continentes”, afirmou.

Esboço da Ferrovia Transoceânica gerado por inteligência artificial, representando a visão inicial do projeto de integração entre Brasil e Peru/Foto: Reprodução

Visões do Acre: apoio político e expectativas

O senador Alan Rick (União-AC), um dos principais defensores do projeto, tem articulado reuniões com autoridades chinesas para viabilizar a proposta. Para ele, a ferrovia é uma chance histórica de tirar o Acre do isolamento logístico. “Com essa ferrovia, o Acre deixa de ser rota de fim de linha e se torna corredor de exportação internacional”, disse Rick.

Já o ex-senador Jorge Viana, atual presidente da ApexBrasil, considera a ferrovia um investimento transformador, desde que feito com responsabilidade ambiental. Ele lembra que o traçado precisa respeitar territórios indígenas e áreas de preservação, um dos principais entraves durante o governo Dilma Rousseff, quando a ferrovia também foi cogitada.

Por outro lado, o senador Márcio Bittar (União-AC) defende que o trecho acreano da ferrovia passe pela região do Juruá, o que tem gerado críticas por parte de ambientalistas. “Não se pode fazer um projeto dessa magnitude sem pensar em preservação e sustentabilidade”, rebate Viana.

Desafios técnicos e a Cordilheira dos Andes

Um dos maiores obstáculos técnicos está na travessia da Cordilheira dos Andes. Para o professor José Leomar Fernandes Júnior, da USP, trata-se de um desafio geotécnico de alta complexidade. “Não basta sonhar com trilhos cruzando a América do Sul. São necessárias obras de túneis, viadutos e grandes cortes em áreas de difícil acesso”, explicou ao site Valor Econômico.

Para se ter ideia da complexidade, o túnel ferroviário mais longo do mundo, na Suíça, possui 54 km, mas exigiu mais de 100 km de escavações para as estruturas complementares.

Financiamento: China como protagonista

O Ministério do Planejamento admite que não há, atualmente, recursos nacionais suficientes para bancar o projeto, cujo valor total ainda não foi oficialmente divulgado. Simone Tebet afirmou que a China tem se mostrado a parceira mais provável, por já possuir capital disponível e vasta experiência no setor ferroviário. Contudo, o Brasil mantém as portas abertas para outros investidores internacionais, como Estados Unidos e países europeus.

A participação do capital privado será essencial, afirma o governo, uma vez que o projeto é de longo prazo, com retorno de investimentos lento e exigente em termos de infraestrutura.

Multimodalidade e impacto regional

A ferrovia integra o programa Rotas de Integração Sul-Americana, criado para articular rodovias, ferrovias, hidrovia, portos, aeroportos e infovias em cinco corredores logísticos com países vizinhos. O trecho pelo Acre será parte da terceira rota, com foco multimodal, podendo impulsionar não apenas a exportação, mas também o turismo e o comércio interestadual.

O que está em jogo

Mais do que trilhos e conexões, o projeto simboliza o desejo do Acre de se tornar protagonista no novo ciclo de desenvolvimento nacional. Com a China demonstrando interesse real e o governo Lula apostando na infraestrutura como motor da economia, a ferrovia bioceânica pode deixar de ser um plano sobre o papel e, finalmente, ganhar solo firme — começando justamente pelo Acre.

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