Hoje estive na Assembleia Legislativa do Estado do Acre. Vi, com meus olhos, mais de uma centena de homens e mulheres do campo, pequenos produtores rurais, muitos com os rostos marcados pelo sol e pela lida, ajoelhados, não em oração, mas em desespero. Eles pediam ajuda. Clamavam por socorro. Foram até o Parlamento estadual pedir o que nunca deveriam ter perdido, a dignidade.
São trabalhadores que vivem da terra, muitos deles em regiões que sequer têm energia elétrica confiável ou acesso regular a serviços públicos. Gente que acorda às 4h da manhã pra tirar leite de vaca, que planta macaxeira, que vive do que a floresta permite. E mesmo assim, viraram alvo. É o Estado brasileiro, através do ICMBio, do IBAMA e do Ministério do Meio Ambiente, quem os persegue como se fossem criminosos.
O Brasil não pode permitir que a floresta vire desculpa para humilhar quem, com todas as adversidades, persevera nela/ Foto: MarizildaCruppe
O mais revoltante é que o Acre virou um campo de testes dessa nova “justiça ambiental de exceção”. Por que não fazem isso no Mato Grosso, em Goiás, ou no Paraná? Porque aqui não tem megaempresas, aqui não tem bancada ruralista organizada e com dinheiro pra responder à altura. Aqui tem pequenos. Tem vulneráveis. Tem gente que, quando perde o pequeno pasto onde pode criar algum gado, perde também a razão pra continuar.
E o que fazem os fiscais? Embargam terras sem notificação prévia. Derrubam currais, agridem moralmente as famílias, confiscam o gado, tratam trabalhadores honestos como se fossem foras-da-lei. Dizem que cumprem decisão judicial, mas escondem o nome do juiz. Dizem que obedecem ao plano de manejo, mas ninguém nunca viu estudo socioeconômico sobre o impacto disso. A legalidade sem humanidade é injustiça disfarçada.
O que está em curso é um experimento político ideológico. Marina Silva, que um dia defendeu os povos da floresta, hoje se exila em São Paulo e manda destruir o que resta da vida rural no Acre. Ela está sozinha. A bancada estadual e federal do Acre, independente de corrente ideológica, está unida em defesa dos produtores. Até mesmo o senador Márcio Bittar, com quem tenho inúmeras discordâncias de ideais/concepções/juízos, fala agora com a voz da justiça. E tem razão.
No Direito, aprendemos que não há poder sem responsabilidade. E que o princípio da proporcionalidade exige que a ação do Estado seja razoável, ponderada, respeitosa dos direitos fundamentais. O que está acontecendo no Acre é o oposto disso. Está se criminalizando a existência dos pequenos. Está se produzindo terrorismo psicológico com a desculpa de defender a floresta.
Querem proteger a Amazônia? Que comecem defendendo quem vive nela. Quem a conhece. Quem a respeita. O que se vê hoje é um massacre institucional contra o povo do campo. E isso, meus caros, não tem outro nome: é injustiça legalizada.
E como dizia o professor e jornalista José Luiz Tejon: não há agro forte sem dignidade no campo. O Brasil não pode permitir que a floresta vire desculpa para humilhar quem, com todas as adversidades, persevera nela. E o Acre não pode continuar sendo o quintal onde se experimenta o autoritarismo verde.
Justiça ambiental não é isso. Justiça ambiental de verdade começa com justiça social.
*Roraima Rocha é Advogado; sócio fundador do escritório MGR – Maia, Gouveia & Rocha Advogados; Mestrando em Legal Studies Emphasis in International Law (Must University – EUA); Especialista em Direito Penal e Processual Penal (Faculdade Gran); Especialista em Advocacia Cível (Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul – FMP); Membro da Comissão de Prerrogativas, Secretário-Geral Tribunal de Ética e Disciplina – TED, e Presidente da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/AC.