Imagine que sua mãe precise de uma cirurgia em Rio Branco, mas você mora em Tarauacá. Imagine que seu filho consiga uma vaga na universidade, mas vive em Jordão. Imagine, ainda, que seu negócio dependa da chegada de mercadorias toda semana, mas a estrada está intransitável. Agora pare de imaginar: essa é a realidade de milhares de acreanos todos os anos. E tudo isso se resume a uma única coisa: a BR-364.
Mais do que uma rodovia federal, a BR-364 é uma garantia constitucional rasgada pela omissão do poder público. Ela simboliza, em seu estado atual, uma afronta direta ao direito fundamental de ir e vir, consagrado no artigo 5º da Constituição Federal. Não se trata de pedir luxo ou conforto. Trata-se de exigir o mínimo que qualquer cidadão brasileiro deve ter: acesso. Mobilidade. Segurança. Continuidade territorial.
Quando uma estrada como essa se torna intransitável (ou quase isso durante o período chuvoso), não é apenas o asfalto que se rompe. Rompe-se a ideia de federação, de igualdade entre os estados, de justiça distributiva. Rompe-se, sobretudo, a dignidade da pessoa humana, pedra angular da República, prevista no artigo 1º, inciso III, da nossa Carta Magna.

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Foi por entender isso, e por sentir na pele o impacto do abandono da 364, que o deputado estadual Nicolau Júnior deu uma aula de articulação política e espírito público ao liderar a mais expressiva mobilização institucional recente do Acre. Uniu deputados estaduais, federais, senadores, prefeitos, técnicos e sociedade civil em torno de uma pauta que não pertence a um partido, mas sim ao povo. Essa é a verdadeira política: a que serve, a que conecta, a que realiza.
A caravana pela BR-364, organizada sob sua liderança, teve o mérito não apenas de gritar por socorro, mas de apresentar soluções. E mais que isso: mostrou à população que é possível ter transparência no uso dos recursos públicos, exigir planejamento técnico com cronograma realista, e cobrar ações estruturantes, em vez de paliativos vergonhosos como o já desacreditado “tapa-buracos”.
A própria Assembleia Legislativa do Acre, com apoio firme de todos os parlamentares, demonstrou que não se contenta com a passividade. O Legislativo estadual se posiciona como protagonista, dando exemplo de vigilância, compromisso e responsabilidade institucional. A assinatura da “Declaração do Acre sobre a Situação da BR-364” formalizou aquilo que o cidadão já sabia, que a estrada está doente, e o Acre está pagando a conta com seu próprio atraso.
O governador Gladson Cameli, que tem buscado parcerias com o Governo Federal para resolver esse problema histórico, encontrará nesse movimento liderado por Nicolau um apoio político legítimo e necessário. O que se espera agora é que a bancada federal, já instada a apresentar emendas, continue coesa, e que o Palácio do Planalto, através do Ministério dos Transportes e do DNIT, compreenda que não se trata de uma obra qualquer, mas de garantir o próprio funcionamento sadio do Estado.
Falar em desenvolvimento regional no Acre sem uma BR-364 em condições mínimas de uso é uma falácia. Como atrair empresas, fomentar o turismo, integrar cadeias produtivas e garantir escoamento agrícola se a logística é medieval? O empresário desiste, o professor se cansa, o médico atrasa, o produto encarece, o paciente não chega. E assim, “o Acre capenga”, como bem disse o prefeito de Cruzeiro do Sul, Zequinha Lima.
Não se pode mais aceitar que, em pleno 2025, uma criança de Feijó ou uma gestante de Jordão corra risco de vida por causa de um buraco na BR. Isso é mais que ineficiência, é omissão estatal com repercussão constitucional.
Portanto, é necessário reconhecer o trabalho do deputado Nicolau Júnior, afinal, sua liderança firme e agregadora não apenas colocou o tema em pauta, como demonstrou que é possível fazer política com decência. E também o do governador Gladson Cameli, que se esforça em seu dever de seguir cobrando com energia a reconstrução da rodovia, mas agora, com o respaldo de toda classe política unida e mobilizada, e de uma sociedade vigilante.
A BR-364 não é uma estrada, é o retrato de um Acre que exige respeito. E se o Brasil quiser, de fato, se reconciliar com a Amazônia, que comece por onde ela começa: no Acre.
*Roraima Rocha é Advogado; sócio fundador do escritório MGR – Maia, Gouveia & Rocha Advogados; Mestrando em Legal Studies Emphasis in International Law (Must University – EUA); Especialista em Direito Penal e Processual Penal (Faculdade Gran); Especialista em Advocacia Cível (Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul – FMP); Membro da Comissão de Prerrogativas, Secretário-Geral Tribunal de Ética e Disciplina – TED, e Presidente da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/AC.