Na última semana, os estudantes e calouros da Universidade Federal do Acre (Ufac) foram colocados diante de uma situação polêmica: a retirada do bônus regional no Sisu. O bônus de 15% para candidatos que tenham cursado todo o Ensino Médio em escolas privadas ou públicas no estado do Acre foi instaurado em 2018, visando o aumento de graduandos acreanos dentro da instituição.
O acréscimo, nascido de um estudo que evidenciava o ingresso de estudantes do estado na Ufac, desde então, o recurso tem sido um facilitador para mais profissionais do estado. O acréscimo é dado à média final dos participantes, usando as pontuações das quatro áreas do Enem e da redação.
O ContilNet conversou com alunos de variados cursos e períodos da Ufac sobre a reação da Justiça de acatar pedido para a retirada do benefício – mais uma vez, já que este é o terceiro caso em mais de um ano na Ufac. Além dos relatos de não conseguir entrar no curso dos sonhos, da importância de se falar sobre lutas estudantis e detalhes da manifestação do próximo dia 19 de abril, os entrevistados compartilham um mesmo sentimento: indignação.
Ataques de outros estados
O caso da denúncia de Caio Augustus Camargos Ferreira, candidato a uma das vagas do curso de Medicina, que alega que o recurso prejudica ingressos de outras regiões do país na instituição, não é novidade. Desde seu início, o bônus é atacado por, supostamente, quebrar o princípio da Constituição que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si – art. 5º, caput, inciso III do art. 19.
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Além de Caio, em abril de 2023, César Lima Brasil, estudante paraibano, alegava que a bonificação regional institui vantagem inconstitucional aos residentes no Acre. Já em julho, novamente, dessa vez, um participante da seleção nascido em Goiás entrou com uma liminar para assegurar sua matrícula na Universidade Federal do Acre (Ufac), solicitando que seja declarada a nulidade da cláusula de inclusão regional da Ufac e obteve ganho de causa.
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Assim como as cotas raciais, o bônus regional é uma ferramenta para nivelar o campo de jogo no acesso ao ensino superior. Ele visa garantir oportunidades justas para os alunos da região onde a instituição está localizada, combatendo os desequilíbrios regionais no sistema educacional do Brasil.
Alunos prejudicados
“Na minha opinião, é um descaso com os acreanos a retirada do bônus, tendo em vista que nosso estado tem uma qualidade de educação escassa. Caso esse processo siga assim, além de ser uma injustiça com eu e meus colegas que já passamos por todo o processo, seria também com os futuros vestibulandos”, fala Helen Saldanha.
Ela é caloura de medicina acreana e teve seu ingresso na Ufac adiado por conta da decisão da justiça. Segundo a estudante, ela teme este projeto favoreça, ainda mais, estudantes de outros estados.
Flávio Gustavo, outro calouro acreano de medicina, fala sobre como tais decisões retiram direitos de diversos jovens do estado. “Se o bônus cair, os alunos de escolas públicas vão ser tremendamente prejudicados porque infelizmente eles não recebem uma base estudantil necessária no Ensino Fundamental e Médio para fazer o Enem”, afirma.
O protagonismo e manifestação dos alunos
Como resposta, estudantes de faculdades e escolas vão protestar em 19 de abril às 15h na Praça da Revolução, exigindo que o bônus regional seja mantido. A acadêmica, Ana Laura Fadul, de Ciências Sociais contou sobre a importância do movimento político estudantil dentro da discussão.
“A nossa realidade é de apenas uma Universidade Pública no estado e poucos acreanos inseridos nela, reflexo da defasagem da educação no nosso estado que inicia no ensino básico. A maior parcela dos estudantes de ensino superior no Acre estão matriculados em faculdades privadas mesmo sem condições de custear”, disse.
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Para ela, assim como as cotas, o recurso é uma ferramenta que ajuda muitos acreanos a garantir acesso ao ensino superior público.
“Precisamos de mais acreanos desenvolvendo pesquisa e ciência e retornando para a nossa população. Com o bônus regional, ainda estamos distantes de alcançar o ideal no que tange a essa inserção, retirar o bônus é negar oficialmente o acesso das camadas vulneráveis”, finalizou.
Apoio institucional e político
A reitora da Universidade Federal do Acre, Guida Aquino, se pronunciou sobre o assunto através das redes sociais, quando a decisão foi tomada pelo juiz, e disse que as ações possíveis já estão sendo tomadas.
“Diminuir as desigualdades sociais. Esse é o objetivo do bônus regional instituído na Universidade Federal do Acre desde 2018. Antes do bônus do curso de Medicina, não tínhamos quase nenhum aluno que cursou o ensino médio no nosso estado. Hoje, a realidade é diferente. Mais de 50% foram alunos aqui no nosso estado, e é isso que nós queremos. Incluir”, afirmou.
Na sexta-feira (05), durante um evento na Assembleia Legislativa do Acre (Aleac), Guida mencionou novamente o assunto e confirmou que a Ufac vai apelar da decisão de retirar o bônus regional. A reitora também garantiu que os alunos aprovados com o bônus terão suas matrículas asseguradas e já foram informados sobre a manutenção da lista de aprovados.
Uma proposta para transformar o bônus regional para ingresso nas instituições federais de cursos de graduação em lei, feita pelo senador Alan Rick (União), está em tramitação no Senado Federal desde junho de 2023.
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O senador, para além do projeto de lei, se posicionou acerca do tema, dizendo que, caso seja aprovado, a bonificação não poderá mais ser questionada através da justiça.
“O bônus regional, aplicado para candidatos ao curso de medicina da Ufac, foi questionado novamente na justiça. Defendemos o bônus porque é uma iniciativa que possibilita aumentar o número de médicos em nosso Estado, uma vez que beneficia quem cursou o ensino médio no Acre. Mas as universidades federais precisam de segurança jurídica para sua aplicação. É isso que meu Projeto de Lei 2970/2023 quer trazer”, disse Alan Rick.
Flávio irá participar da manifestação do dia 19 de abril e esperam que a Justiça possa escutá-los e acatar suas reivindicações:
“Tive muita dificuldade para aprender os conteúdos necessários para fazer uma boa prova, porque o Estado foi omisso em me oferecer uma educação de qualidade, assim como ele foi e é com muitos outros jovens e crianças que poderiam ter os seus futuros mudados se eles recebessem um ensino de qualidade”, finaliza Flávio.