Vozes da Floresta: conheça o primeiro podcast formado por jovens indígenas do Acre

Projeto é fruto da parceria da Comissão Pró-Indígena com diversos outros programas

Em 1940, em um movimento contra-cultural que começava a ganhar forças na América Latina, celebrava-se, no dia 19 de abril, o “Dia dos Povos Indígenas” – ainda que não fosse assim denominado. O termo anteriormente utilizado, segundo Liliane Puyanawa, bacharel em História pela Universidade Federal do Acre, não englobava a diversidade de povos indígenas existentes no Brasil. 

Alguns jovens presentes na formação do podcast e da rede de comunicadores/Foto: Rede de Comunicadores Indígenas

Dessas diversidades surgem projetos como o podcast “Vozes da Floresta”, que, com episódios bimestrais, aborda temas que são significativos para a vivência dos povos originários da região Amazônica. Nesta sexta-feira (19), eles lançam seu terceiro episódio, dedicado ao mês dos povos indígenas e à delegação acreana que participará do Acampamento Terra Livre, em Brasília.

Samsara Nukini, Unhepa Nukini e Angela Nery, jovens da rede de comunicadores que desenvolvem os episódios em colaboração com outros jovens de seis povos do Acre, discorrem sobre a importância da representatividade e da narrativa de suas histórias ser feita por suas próprias vozes.

Rede de Comunicadores

“A rede de comunicadores indígenas do Acre foi criada com o intuito de nos expressarmos melhor no âmbito desta comunicação tão diversa! Não apenas revelando as adversidades que ocorrem em nossos territórios, mas também os aspectos positivos”, afirma Samsara Nukini, comunicadora indígena. 

Segundo ela, o grupo busca mostrar as diversas culturas dos povos do estado, estando diretamente ligado ao cerne da luta indígena contemporânea: afirmar a pluralidade das identidades indígenas hoje em dia. 

O pensador Ailton Krenak argumenta que o “futuro é ancestral”. Olhar para o passado, para os inúmeros passados e histórias que temos, é fundamental para reimaginar o futuro. Como exemplificado em uma fala do primeiro episódio, proferida pelo cacique geral e professor Bené Huni Kuĩ – falecido em fevereiro -, a importância deste movimento em conquistar espaço é evidenciada:

“Nós temos que ter os indígenas advogados, nós temos que ter indígena juízes, nós temos que ter indígena deputado estadual, nós temos que ter indígena deputados federal, nós temos que ter indígenas no senado para que possam defender os nossos interesses”, declarou o professor.

Projeto nasceu durante oficinas ministradas pela CPI-Acre e Ufac/Foto: Cedida

Essa vontade de romper com uma ordem colonizadora e branca permeia os jovens. Unhepa Nukini, residente de Mâncio Lima e presente desde o início da formação da rede, recorda o processo de construção do projeto:

“Começamos a lapidar o talento bruto da juventude indígena, proporcionando formações em comunicação. A Comissão Pró-Índio também ofereceu oportunidades, como a participação na Semana Chico Mendes, e estabeleceu parcerias com outros projetos. Assim, nós, da rede de comunicadores indígenas, começamos a construir nossa narrativa sobre o território e a história dos povos indígenas”, proferiu Unhepa.

Conforme sua declaração, a rede surge dos esforços das lideranças das terras indígenas do Acre, que apresentaram demandas à Comissão Pró-Indígenas e à CPI, com o objetivo de apoiar os povos indígenas do Acre em suas lutas pelos direitos à terra, à cultura, ao modo de vida e ao bem-estar. 

Unhepa Nukini está presente desde os primeiros cursos de formação indígena em Rio Branco/Foto: Rede de Comunicadores Indígenas

A partir disso, as lideranças reconheceram a necessidade de envolver a juventude em projetos de comunicação no território, buscando garantir a defesa do território, da cultura, da língua e do bem-estar dos povos indígenas. 

Assim, o trabalho teve início em 2021, com a realização da primeira oficina de comunicação em dezembro, que contou com a participação de representantes de dois povos indígenas do Acre, o povo Nukini e o povo Huni Kuin. A partir desse ponto, com sete integrantes, o projeto começou a ser desenvolvido, contando com o apoio da Comissão e de parcerias como a Ufac e o WWF.

Vozes da Floresta

Angela Nery, comunicadora indígena e estudante da Universidade Federal do Acre (Ufac), aborda o atual estado da rede:

Gravação do primeiro podcast da rede/Foto: Rede de Comunicadores Indígenas

“Apesar de ainda estar em uma fase de desenvolvimento interna, tanto a página no Instagram e o podcast, visamos abordar assuntos que são importantes para os povos indígenas, assuntos que de alguma maneira deixe os parentes que nos  acompanham “ligados” com o que está acontecendo e sempre estarem informados”, articula.

Samsara reitera a importância de lançar um episódio dedicado exclusivamente ao mês de abril indígena e à participação do Acre no Acampamento Terra Livre. O evento ocorre todo mês de abril, completando 20 anos este ano, como uma forma de protesto por políticas públicas voltadas para a população indígena. O tema de 2024 é “nosso marco é ancestral, sempre estivemos aqui”:

“A rede consegue levar isso para os parentes dentro do território que não conseguiram chegar nesse grandioso evento. Por isso, ela tem sua importância e não só para os parentes, mas a gente consegue expandir conhecimento que vemos lá e aprendemos sobre lutas”, disse.

Comunicadores recebendo produtos para ações do programa “Aliança das Amazônias”/Foto: Rede de Comunicadores Indígenas

Embora tenha sido desenvolvida desde 2021, a rede só foi formalmente estabelecida no ano passado, coincidindo com o lançamento do podcast. Atualmente, a rede conta com a participação de seis povos e vários jovens indígenas do Acre. Os povos representados até o momento são: Puyanawa, Yawanawa, Huni Kuĩ, Nukini, Manxineru e Apurinã.

“Estou na rede desde o início e sinto um orgulho imenso de poder contribuir para a preservação de nossa história ancestral, transmitindo os ensinamentos de nossos antepassados e líderes, e protegendo nosso território por meio da comunicação”, comenta Unhepa Nukini, um dos membros fundadores da rede.

“O futuro é ancestral”

Falando sobre o futuro e a importância de estabelecer uma rede de jovens comunicadores no estado, Angela Nery, uma jovem oriunda de contexto urbano, comenta:

“A rede de comunicadores indígenas do Acre continua a crescer e a se fortalecer, impulsionada pela voz e pela determinação de nossa juventude, filha da floresta, que almeja ser ouvida e respeitada globalmente”, afirma Unhepa Nukini/Foto: Cedida

“Para além das aldeias, há também jovens indígenas que vivem em contexto urbano, a participação dos mesmos no movimento indígena é de grande relevância, falo por mim mesma. Por muitas vezes ouvi que indígena era o aldeado e que não tinha direitos iguais aos deles, isso é muito triste. Mostrar que mesmo morando na zona urbana não muda quem eu sou”, revela.

Angela ainda destaca a enorme oportunidade de fazer parte de um espaço de intercâmbio de conhecimentos, onde ela aprende tanto quanto ensina. Por sua vez, Unhepa menciona a expansão do trabalho para as próximas gerações, transmitindo conhecimentos e reivindicações. Afinal, a luta indígena não diz respeito apenas a eles, mas sim a toda a sociedade.

“Estamos levando nossa mensagem sobre a proteção da Amazônia e a demarcação de territórios para o mundo, fortalecendo-nos a cada dia, guiados pela natureza e pelo respeito aos nossos ancestrais e à nossa floresta. A rede de comunicadores indígenas do Acre continua a crescer e a se fortalecer, impulsionada pela voz e pela determinação de nossa juventude, filha da floresta, que almeja ser ouvida e respeitada globalmente”, conclui.

O programa faz parte das atividades dos projetos “Aliança entre Indígenas e Extrativistas pelas Florestas do Acre” e Gestão sustentável e proteção territorial no Acre Indígena, ambos apoiados pela Rainforest Foundation da Noruega e “Proteção dos Povos Indígenas e Tradicionais do Brasil”, financiado pelo Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha, por intermédio da rede WWF.  

Equipe Rede de Comunicadores Indígenas do Acre: Rafael Huni Kuin, Joengrydy Manxineru, Nixiwaka Yawanawá, Anderson Puyanawa, Maná Huni Kuin, Angela Manxineru, Maru Huni Kuin, Keliane Manxineru, Xanu Nukini, Francinei Yawanawá, Samsara Nukini, Geovana Dami Poyanawa, Junior Manxineru,  Uhnepa Nukini, Ximery Apurinã.

Siga a rede no Instagram, pelo @comunicadoresindigenasdoac e ouça o mais novo episódio do podcast “Vozes da Floresta”: https://open.spotify.com/episode/0q3xUjpSdlGdBCQYGnXy78?si=7e56f05d8bc64422.

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