No inglês, as datas são inversas ao que são no Brasil, dia e mês são “trocados”. Ou seja, hoje nos EUA não são 20/04, mas 04/20. Por conta disso, por lá, hoje é o polêmico “Dia da Maconha”. A data ganhou o mundo e leva milhares de militantes às ruas com seus baseados e cartazes pela legalização – onde não é legalizado – e fim de estigmas relacionados ao uso e a quem usa.
4/20 é popularmente ligado ao uso da erva. Não tem uma origem cravada. Uns dizem que é a quantidade de substâncias dentro da erva – o que já foi desmentido. Outros dizem que era o quarto que uma banda psicodélica sempre se reunia – o que nunca foi comprovado. E há também quem diga que é o Código penal da Califórnia por uso – o que é falso.
A teoria mais aceita é que se trata do horário que um grupo de jovens se reunia para “pitar” – o que também não tem uma comprovação. Enquanto isso no Brasil, na terça (16), o Senado aprovou uma emenda constitucional que torna crime o porte e a posse de drogas, sem considerar a quantidade.
O ContilNet conversou com dois usuários de Rio Branco sobre o tema e pegou suas opiniões sobre o preconceito e as desinformações que rondam o uso da planta.
Luana e Julio
“O preconceito é fruto da ignorância, do não saber a verdade e seguir um conceito fabricado e aceito, é muito difícil”, a fala é de Júlio Cesar da Silva, de 58 anos, administrador utiliza desde os 18 anos, como uso recreativo – ou seja, como um lazer – e depois, como enteógeno – usa para ter uma conexão com o divino – e associado à saúde, até hoje.
Já Luana Sereno, de 22 anos, escritora, poetisa e fotógrafa revela que também utilizava a erva de uma forma enteógena. Contudo, depois de perceber que professores, colegas de trabalho e amigos também usavam, mesmo escondido, ela mudou sua percepção. Ela agora, apenas fumava e não, “consagrava por Santa Maria”:
“O efeito que a planta causa em mim, sempre foi positivo. Nunca presenciei e nunca tive experiência ruim enquanto pitava. Pelo contrário, a planta me ajudou em muitos momentos de angústias e ansiedade. Desde a adolescência tenho problemas alimentares, às vezes não sinto fome alguma, mas a planta sempre foi uma aliada para me ajudar nesses momentos”, revela.
Luana ainda comenta que nunca precisou de uma receita de médico para saber que a cannabis lhe fazia bem.
Estigmas e preconceitos
“As pessoas têm o costume de julgar tudo aquilo que se sentem superior por não fazer. Em relação à planta, vemos um conceito totalmente equivocado e atrasado. Quando a gente diz que maconha não mata, não se trata de uma opinião, se trata de um fato. Ao contrário do álcool e do cigarro, que são drogas liberadas”, diz Sereno.
Para a poetisa, o preconceito começa dentro da própria casa. Já Silva relembra que ele, em seu tempo, “prendiam, batiam e sujavam a ficha dos jovens que só queriam curtir”. Era uma época de medo, que persiste até os dias de hoje. Ele afirma que sua relação com a planta foi da seguinte forma:
“Sim, eu tive tempos em que parei, mas mais pelo estudo da planta no meu comportamento, medo de abusos e preocupação com o uso continuado do quê por repressão. Depois superei e entendi que o uso regrado, como remédio, seria tranquilo. Mas é sempre um aprendizado”, falou.
Sereno não fuma todos os dias, principalmente quando sai com amigos, já que não gosta de beber. Ela diz que aflora sua criatividade e também gosta de pitar quando escreve ou desenha. Não que precise ou faça todas as vezes, mas gosta de fazer.
Lei e Criminalização
Mesmo ainda precisando passar pela Câmara dos Deputados, no texto aprovado no Senado, a criminalização do porte e da posse de drogas será incluída no artigo 5° da Constituição, que trata dos direitos e garantias individuais.
A proposta não só torna crime o porte e a posse, mas também sugere que a Constituição estabeleça uma diferenciação entre traficante e usuário. Os usuários estarão sujeitos a penas alternativas à prisão.
“Se fossem a mesma coisa, eu tava cheia de dinheiro”, fala a poetisa. “O projeto vai além da luta contra às drogas, e é de senso comum que a justiça só funciona para alguns. Um branco com 50g de cannabis é um “jovem usuário”; um negro com um baseado bolado no bolso, é traficante. Além disso, esta nem é a raiz do problema. As leis são decididas por homens que não têm o mínimo de estudo ou embasamento científico”, dispara.
Cesar fala que o erro é gritante, que é um jogo político. Não tem nada de compromisso com a verdade e com o bem. “Inclusive é retrocesso. Existem projetos bem técnicos do legislativo que sequer cogitam”, comentou o administrador.
Sereno ainda continua, abordando a hipocrisia da abordagem. Conforme dito na entrevista, estão mais preocupados em prender maconheiros que os reais vendedores, porque o que não falta é parlamentar e membros da segurança pública se beneficiando com o dinheiro do tráfico:
“A ignorância é tanta que, muitas vezes, a própria família prefere ver um membro sendo criminalizado, que defender sua liberdade de fumar”, reitera.
Uso e Futuro
“Gostaria que fosse da melhor forma possível: como uma Medicina. Com liberdade, responsabilidade, controle necessário. Como um remédio popular, como realmente é. Mas a cultura demanda tempo. Não estamos maduros enquanto sociedade. Muito colonizados ainda”, disserta Júlio César sobre como, em sua visão, deveria ser o uso do entorpecente.
Luana Sereno fala que, como filha de ex-dependente químico, como cidadã e como ser humano, entende que um debate honesto é necessário. Afinal, ainda é um entorpecente:
“Não é monstruoso uma mãe querer que seu filho não use maconha. Assim como não é monstruoso se o filho decidir usar”, fala.
A escritora cita que o uso do canabidiol é capaz de aliviar dores crônicas e muitas pessoas nem sabem ou se recusam a aceitar que, o monstro que elas criaram na cabeça delas, não existe. Por fim, ela finaliza:
“A única coisa que eu gostaria é que as pessoas estudassem. Não é difícil. Se pesquisar no Google, o que não falta é artigo explicando, porque a maconha foi criminalizada, verá que é uma questão muito mais racial que de saúde pública. Para quem não gosta de ler, indico o vídeo Maconha e a Vanguarda Brasileira, do escritor, tradutor e jornalista brasileiro, Eduardo Bueno. No mais, que nos deixem em paz, porque é pra isso que a gente fuma”, brinca Luana Sereno.