Garota de Ipanema: Helô Pinheiro celebra os 130 anos do bairro e resgata memórias

Aos 80 anos, a musa inspiradora de Tom Jobim e Vinicius de Moraes segue com desejo de fazer um filme sobre a sua história

“Seu nome é Heloisa Eneida de Menezes Paes Pinto, mas todos a chamam de Helô. Há três anos, ela passava ali no cruzamento de Montenegro e Prudente de Morais, em demanda da praia, e nós a achávamos demais”. Quem disse isso foi o poeta Vinícius de Moraes, em texto publicado na extinta revista Manchete, em 1965. Na ocasião, ele revelava a identidade da musa inspiradora da música brasileira mais gravada da história, segundo dados do Ecad: “Garota de Ipanema”, de autoria sua e do amigo Tom Jobim. O texto segue, e fala ainda no ar que “ficava mais volátil como para facilitar-lhe o divino balanço do andar” e na “geometria espacial de seu balanceio quase samba, e cuja fórmula teria escapado aos egípcios, teria escapado ao próprio Einstein”.

Helô Pinheiro, a musa inspiradora da canção ‘Garota de Ipanema’ — Foto: Catarina Ribeiro

Com a história para sempre entrelaçada à do bairro nobre da Zona Sul carioca — que, nesta sexta-feira, completa 130 anos —, Helô Pinheiro (que lembra com bastante emoção do texto de Vinicius na Manchete) falou ao GLOBO sobre as memórias saudosistas que tem dos “tempos boêmios” da região (onde mora até hoje, aos 80 anos), e sobre as mudanças vividas nesses mais de 60 anos desde que, ao ir à praia, caminhando pelas ruas de Ipanema, entrou para a História.

— Tenho doces lembranças [do começo dos anos 1960]. Naquela época, os intelectuais se reuniam nos bares de Ipanema e assim surgiam músicas e poesias. Essa parte boêmia e cultural era muito intensa com os bate-papos pelas ruas. Hoje, não se vê mais isso. Essas pessoas estão mais dentro de casa, já não ficam tanto em grupos — comenta Helô, antes de tentar decifrar o porquê. — Acredito que isso se deve ao medo. É tanto assalto e tanta loucura nessa nossa vida.

Mas, apesar da “loucura”, Helô ainda preserva o amor pelas ruas do bairro e da vizinhança — que a homenageou, em outubro do último ano, com o plantio de um ipê-amarelo no (reformado) Parque Garota de Ipanema, no Arpoador.

Árvore em homenagem à Helô Pinheiro é plantada no Parque Garota de Ipanema — Foto: Hermes de Paula/Agência O Globo

Árvore em homenagem à Helô Pinheiro é plantada no Parque Garota de Ipanema — Foto: Hermes de Paula/Agência O Globo

— Dizem que o Rio está “isso e aquilo” [fala, em referência à violência na cidade]. A praia está no mesmo lugar. A areia está no mesmo lugar. O morro Dois Irmãos está no mesmo lugar. Nosso cartão-postal ninguém pode rasgar — afirma, enfática.

Se, na juventude, ia às missas na Paróquia Nossa Senhora da Paz, frequentava o extinto Cine Pax, jogava frescobol e vôlei na praia (onde, aliás, conheceu seu marido, o engenheiro Fernando Abel Mendes Pinheiro, de 84 anos) e tomava sorvete no Bob’s, agora brinca e reflete:

Helô Pinheiro aos 17 anos — Foto: Reprodução/Redes sociais

Helô Pinheiro aos 17 anos — Foto: Reprodução/Redes sociais

— Até o sorvete, hoje, a gente sente outro sabor. Não é igual àquele (risos). Na praia, quando eu jogava vôlei e frescobol, muita gente até parava para assistir. Hoje, já não tenho capacidade de jogar, mas sinto saudade. Dá vontade de pegar a raquete, mas tenho receio, por causa da idade. Se me machuco, é mais complicado.

Mesmo sem os esportes, a areia da Praia de Ipanema continua presente para a musa, professora primária, jornalista e bacharel em Direito, que curte momentos em família e mostra, com orgulho, ser uma fiel representante desta que ganhou, em fevereiro, o título de “segunda melhor praia do mundo”, só atrás de The Pass, em Byron Bay, na Austrália, segundo o guia especializado “Lonely Planet”. Se dependesse de Helô, aliás, a praia carioca ficaria em primeiro lugar.

— Copacabana pode ser a “Princesinha do Mar”, mas Ipanema é a Rainha — diz, bem-humorada.

A vontade de transformar a vida em filme

Não é de hoje que Helô Pinheiro tem o desejo de transformar sua vida em um filme. Na cena inicial, em um paralelo com a Rose de “Titanic”, ela apareceria sentada no antigo bar Veloso (atual Garota de Ipanema), onde Tom e Vinicius se encontravam, e começaria a contar sua história. Em um dado momento, sua filha, a apresentadora Ticiane Pinheiro, de 47 anos, passaria pela rua, representando sua versão mais jovem. Da sua vida, uma oportunidade de falar do comportamento de uma época — onde, segundo ela, “as meninas eram mais naturais” — e de um “gênero musical” cultuado mundialmente: a bossa nova. Além, é claro, da história da própria cidade.

Um problema, no entanto, impede há anos a realização do filme: o (alto) valor dos direitos autorais de “Garota de Ipanema”.

— Gostaria que fosse realizado antes de eu partir para outro plano. Seria bom porque é um legado para meus netos e bisnetos. Cinco ou quatro pessoas já entraram em contato comigo e falaram que iam fazer [o filme], mas até agora não fluiu — diz. — Uma delas chegou a me dizer que não conseguiu porque seria muito caro. E, o filme sem a música, não tem porquê. A Lei Rouanet não vai cobrir o preço da música. Gostaria muito.

O que ninguém tira de Helô é a sua alegria e o seu sentimento de gratidão por ser a eterna Garota de Ipanema:

— Fico bem sensibilizada quando ouço que não adianta fazer um concurso para descobrir “a nova Garota de Ipanema”, porque “ficou estabelecido pelos compositores que é a Helô”. Fico até com vergonha, porque já não sou mais garota. Brinco que agora podem trocar para “Coroa”. Me sinto privilegiada, claro, mas não melhor que ninguém. Na época, muito jovem, falei que esse “título” não foi só para mim, e que fui a representante de todas as garotas do meu bairro. Eu queria dividir, porque achava que tinham meninas muito mais bonitas. Eu só passei no dia, na hora e no lugar certos.

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