Jonathan Yeo: pintor das celebridades e autor de retrato oficial do Rei Charles III

Artista britânico já retratou desde famosos como Kevin Spacey, Dennis Hopper, Nicole Kidman a políticos como Tony Blair e David Cameron e outros membros da família real, como a Rainha Camilla

Poucas celebridades britânicas resiste à oportunidade de terem seus retratos pintados por Jonathan Yeo. O lendário apresentador de TV David Attenborough, de 97 anos, recentemente subiu as escadas em espiral até o estúdio aconchegante, escondido no final de uma rua em West London, para posar para Yeo, um dos mais famosos retratistas da Grã-Bretanha atualmente. Mas, para sua obra mais recente, ele teve que ir até o retratado, o Rei Charles III.

Jonathan Yeo trabalhando em seu estúdio em Londres — Foto: Mary Turner/The New York Times

Yeo alugou um caminhão para transportar uma tela de 2,2m x 1,6m até a residência real em Londres. Lá, ele montou uma plataforma para aplicar os últimos traços ao retrato surpreendentemente contemporâneo, com Charles uniformizado sobre um fundo etéreo.

A primeira imagem do rei Charles III a ser finalizada depois de sua coroação. — Foto: Reprodução

A primeira imagem do rei Charles III a ser finalizada depois de sua coroação. — Foto: Reprodução

A pintura, revelada no Palácio de Buckingham ontem, é a primeira representação em grande escala de Charles desde que ele se tornou rei. Provavelmente, reafirmará o status de Yeo como o retratista da sua geração para as maiores personalidades da Grã-Bretanha, bem como para atores, escritores, empresários e celebridades de todo o mundo. Suas obras encomendadas chegam a custar US$ 500 mil cada.

Pintar o retrato do rei também marca um retorno à normalidade para Yeo, 53 anos. Ele sofreu um ataque cardíaco quase fatal no ano passado, que atribui aos efeitos persistentes de um câncer que enfrentou aos 20 anos. O artistas não deixa de notar o paralelo com seu objeto de estudo: Charles, 75 anos, anunciou em fevereiro um diagnóstico de câncer, apenas 18 meses após sua ascensão ao trono.

Yeo afirma que soube da doença do rei apenas depois de ter concluído a pintura representando um monarca vigoroso. Mas ao saber, desenvolveu uma empatia mais profunda pelo homem que conheceu durante quatro sessões, começando em junho de 2021. Na época, Charles ainda era o Príncipe de Gales, cargo que mudaria após a morte de sua mãe, a Rainha Elizabeth II, em setembro de 2022, e sua coroação, em maio passado.

— Você vê mudanças físicas nas pessoas, dependendo de como as coisas estão — diz Yeo em seu estúdio. — A idade e a experiência combinavam com ele. Sua postura definitivamente mudou depois que ele se tornou rei.

O retrato foi encomendado pela Worshipful Company of Drapers, uma guilda medieval de comerciantes de lã e tecidos que hoje é uma instituição filantrópica. Ele ficará pendurado no Drapers’ Hall, a sede do grupo no distrito financeiro de Londres, onde eles mantém uma galeria de monarcas, do Rei George III à Rainha Vitória. O Charles III de Yeo adicionará um toque contemporâneo a essa formação clássica. Ele sabe como representar a realeza — já havia pintado a esposa de Charles, a rainha Camilla, que ele descreve como “adorável” e o pai do rei, o príncipe Philip, um tanto mais difícil.

— Ele agia como um tigre enjaulado. Não consigo imaginar que ele fosse fácil como pai, mas foi um personagem divertido.

Famosos e cancelados

Ainda assim, um monarca em exercício foi um retrato inédito para Yeo, que já trabalhou com primeiros-ministros (Tony Blair e David Cameron), atores (Dennis Hopper e Nicole Kidman), artistas (Damien Hirst), magnatas (Rupert Murdoch) e ativistas (Malala Yousufzai ).

Yeo vê um toque de “futurologia” em seu trabalho. Alguns de seus personagens ganharam maior renome após serem retratados; outros desapareceram. Kevin Spacey, por exemplo, foi julgado e absolvido da acusação de má conduta sexual, mas caiu no ostracismo. A National Portrait Gallery de Washington devolveu o retrato de Yeo sobre o ator, feito quando ele estava no auge do sucesso com a série “House of Cards”.

Relembrando as celebridades com as quais trabalhou, Yeo desenvolveu algumas regras práticas sobre sua arte. Rostos mais velhos são mais fáceis de registrar do que os mais jovens por serem mais vividos. Os melhores retratos capturam características visuais que permanecem relevantes mesmo à medida que a pessoa envelhece. E só personagens tediosos são ruins.

— Ele não queria que eu posasse; só que conversássemos — diz Giancarlo Esposito, ator americano conhecido pelo elegante vilão de “Breaking Bad”. Como ator, disse Esposito, ele poderia projetar uma personalidade, “mas não havia como enganá-lo”. — Foi uma oportunidade de ser Giancarlo, desmascarado.

Yeo aprendeu a apreciar os encantos e fragilidades das figuras públicas por ser filho de uma delas. Seu pai, Tim Yeo, foi um membro conservador do Parlamento e ministro de John Major, cuja carreira foi arruinada por escândalos profissionais e pessoais. No início, o pai tinha pouca paciência para os sonhos artísticos do filho.

— Meu pai certamente achava que eu ia precisar de um emprego de verdade — diz ele, que ficou sem receber nenhum dinheiro quando tirou um ano de folga após o ensino médio para tentar se tornar pintor. Os primeiros esforços de Yeo evidenciavam sua falta de treinamento formal e “obviamente, eu não vendi nenhuma foto”.

Câncer aos 23 anos

Então, em 1993, no final do segundo ano na universidade em Kent, ele foi acometido pela doença de Hodgkin. Yeo se aprofundou na pintura como forma de lidar com a doença. Teve um primeiro momento quando um amigo de seu pai – Trevor Huddleston, um arcebispo anglicano e ativista anti-apartheid – encomendou um retrato.

— Ele fez a encomenda principalmente por pena, mas o resultado foi espetacular, melhor do que se esperava — lembra Yeo.

As encomendas começaram a fluir e Yeo passou a ser procurado por seus retratos reveladores de rostos famosos. Em 2013, a National Portrait Gallery de Londres montou uma exposição de seu trabalho.

— Ele trouxe o retrato de volta — diz Nick Jones, fundador da Soho House, uma rede de clubes privados para a qual Yeo fez pinturas dele e de outros artistas — Retratos sempre foram muito severos. Ele conseguiu adicionar camadas e realçar a personalidade das pessoas.

Ajuda o fato de Yeo ser bem conectado, prolífico e empreendedor. Ele tem clareza sobre o lado comercial de sua arte.

— Não importa como você se descreve. No fim, está no negócio de bens de luxo.

Bem-sucedido, mas criativamente inquieto, Yeo começou a experimentar. Quando assessores do presidente George W. Bush o contataram para fazer um retrato e depois desistiram do projeto, ele decidiu fazê-lo mesmo assim, mas como uma colagem de imagens recortadas de revistas pornográficas.

O retrato de Bush se tornou viral na web e Yeo criou colagens de outras figuras públicas, incluindo Hugh Hefner e Silvio Berlusconi. Foi um trabalho provocativo, mas demorado – ele comprou pilhas de revistas skin para reunir matéria-prima suficiente – e seu estoque acabou quando, disse ele, “o iPad matou a indústria de revistas pornográficas”.

Yeo também se sente atraído pelo uso da tecnologia na arte. Trabalhou em projetos de design na Apple e pintou o famoso chef Jamie Oliver via FaceTime durante a pandemia. E criou um aplicativo que oferece um tour de realidade virtual por seu estúdio, um espaço bem equipado em uma antiga oficina que já produziu órgãos.

Ataque cardíaco

Mas, em uma noite de domingo de março de 2023, a vida agitada de Yeo sofreu uma interrupção terrível. Ele teve uma parada cardíaca; seu coração parou por mais de dois minutos. Yeo disse acreditar que a crise estava ligada ao seu tratamento contra o câncer décadas antes. Embora não tenha visto uma luz brilhante no fim de um túnel, como descreveram outros com experiências de quase morte, ele se lembrou de uma sensação palpável de flutuar fora de seu corpo.

Yeo, que é casado e tem duas filhas, agarrou-se à vida. Depois de se recuperar, descobriu que sua vocação como pintor — temporariamente desviada pelos desvios para a tecnologia e outras atividades — havia sido reavivada. Logo, estava imerso nos retratos de Charles, Esposito e Attenborough.

— Definitivamente tive a sensação de ‘não vamos mais brincar’. Foi como se esquivar de uma bala.

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