Mulher trans encarcerada no Acre consegue identidade com nome feminino e comemora

“Sou travesti, mas quero virar uma mulher trans, quero ser uma mulher, vou ser”, afirmou Natyelle, de posse do novo documento

Será encerrada nesta sexta-feira (17), campanha que fez parte, desde o último dia 13, da Semana Nacional do Registro Civil, executada no Acre através do Tribunal de Justiça (TJAC). Foi a segunda edição da Semana Nacional de Registro Civil, “Registre-se”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), visando atender populações indígenas e encarcerada no Acre, com emissão de documentos nas unidades penitenciárias do interior e capital.

Nascida em Ji-Paraná (RO), desde os 12 anos quando assumiu a homossexualidade para a família, que a apoiou, diz que sempre se sentiu mulher/Foto: TJAC

A campanha permitiu que, em  meio às grades que aprisionam corpos, viesse ao conhecimento público uma história de libertação ecoada pelos corredores da unidade penitenciária em Sena Madureira. Durante a Semana Nacional do Registro Civil, o Poder Judiciário estendeu seus braços para além das salas de audiência, levando transformação a um lugar improvável: a cela de uma reeducanda em busca de reconhecimento e identidade.

Isso permitiu que uma mulher trans, vencendo barreiras e desafiando preconceitos, conseguisse seu primeiro documento com o nome que condiz com sua identidade de gênero. Essa é a história de Natyelle dos Santos Rodrigues, 32 anos.

Na manhã da terça-feira (14), por trás dos muros da Unidade Penitenciária Evaristo de Moraes, em Sena Madureira, distante aproximadamente 140 km da capital acreana, Natyelle não escondia a felicidade pela oportunidade de realizar um sonho antigo. Batizada por um nome de gênero masculino, com o qual não se identifica, ela se atrapalha com as palavras, mas tem clareza e fala de forma insistente que é um direito seu. “Sou travesti, mas quero virar uma mulher trans, quero ser uma mulher, vou ser”, afirmou.

Com forte ligação com o pai, em 2018, Natyelle o perdeu em um acidente de carro que aconteceu quando ele estava indo visitá-la na prisão em Rondônia/Foto: TJAC

Nascida em Ji-Paraná (RO), desde os 12 anos quando assumiu a homossexualidade para a família, que a apoiou, diz que sempre se sentiu mulher. “Meus pais sempre me aceitaram, foram de boa comigo, nunca sofri preconceito com minha família”, disse.

Com forte ligação com o pai, em 2018, Natyelle o perdeu em um acidente de carro que aconteceu quando ele estava indo visitá-la na prisão em Rondônia. Ela recebeu a notícia quando perguntaram se ela queria ir ao velório. Incrédula, disse que só acreditaria se visse ele no caixão e foi. “Meu pai representava tudo, minha força e me acompanhava”, comenta emocionada.

Após a morte do pai, Natyelle lida com a falta de comunicação com a família. “Estou há mais de 9 anos sem receber visitas dentro da cadeia. Minha mãe me viu pela última vez em 2014, e no velório do meu pai em 2018, e desde então não tenho notícia de ninguém. Meu pai morreu e eu tinha apenas o número de telefone dele, e agora de ninguém mais, me sinto abandonada”, contou.

Atualmente, ela cumpre pena numa unidade prisional masculina, mas após a conclusão da troca de documentos, os magistrados providenciarão a mudança para unidade prisional feminina/Foto: TJAC

Natyelle soube da ação social do Judiciário através de seu advogado e resume em poucas palavras a dimensão do que um “simples” procedimento burocrático pode impactar na vida de uma pessoa. “Essa ação representa tudo na minha vida, pois vou poder mudar meu nome e ser quem eu sou. Quero que as pessoas me respeitem”, enfatizou.

Ela entende que a mudança do nome é o primeiro passo para o início de um respeito que buscar ter. “As pessoas me chamam pelo nome masculino e eu não gosto. Mas eu peço ‘por favor, meu nome é Nathyele’ e vou falando até que entre na cabeça das pessoas e elas mudam e consigam me chamar pelo nome feminino, que é quem eu sou”, explicou.

Atualmente, ela cumpre pena numa unidade prisional masculina, mas após a conclusão da troca de documentos, os magistrados providenciarão a mudança para unidade prisional feminina. “Só quero ser respeitada, eu sempre respeitei todos para poder ser respeitada, e assim, devagarzinho, vou passando por cima das dificuldades. Preconceito a gente sofre em todo lugar, mas é só ser forte e continuar lutando, que vai dar certo, né?”, diz Nathyele,  cujo sonho é sair do presídio, trabalhar como cabeleireira e abrir uma loja de peças em crochê.

A ação do Registre-se movimentou a rotina da Unidade Penitenciária Evaristo de Moraes. A equipe do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC) esteve acompanhando os atendimentos. O juiz auxiliar da Corregedoria Geral da justiça (Coger), Alex Oivane, juntamente com a secretária de Projetos Sociais Regiane Verçoza, e equipe do Instituto de Identificação da Polícia Civil e dos cartórios, assim como, demais serventuários do Poder Judiciário acreano.

O programa objetiva conjugar esforços entre órgãos e entidades dos três Poderes e da sociedade civil, com a intenção de combater o sub-registro civil de nascimento no país e ampliar o acesso à documentação civil básica a todos os brasileiros, em especial, à população considerada em estado de vulnerabilidade.

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