Em pouco mais de 2 anos, Acre registra mais de mil casos de violência sexual contra crianças e adolescentes

Em Rio Branco, educandário recebe crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e vítimas de violência

O dia 18 de maio é um marco para a luta contra o abuso e à exploração sexual contra crianças e adolescentes foi instituído no ano 2000, em homenagem ao marco do assassinado de Araceli, garota de apenas oito anos, que na mesma data, em 1973 foi drogada, estuprada e morta por um grupo de jovens, em Vitória no Espírito Santo.

Dados da Polícia Civil do estado do Acre apontam que em pouco mais de dois anos, o número de Boletins de Ocorrência por violência sexual contra crianças e adolescentes é de 1.099.  No entanto, o número de caso vem reduzindo em 2024, é isso que indicam os dados disponibilizados pelo relatório de violência sexual praticada contra crianças e adolescentes dos anos de 2022, 2023 e 2024.

A capital Rio Branco registrou, nos dois anos completos, 207 e 189 boletins de ocorrências (BOs) de casos do gênero, nos anos de 2022 e 2023,  respectivamente, e até 24 de abril de 2024, foram anotados 46, caso esta proporcionalidade se mantenha, os números totais ao fim do ano serão de 184 possíveis boletins registrados.

Na capital Rio Branco, crianças que se encontram em situação de vulnerabilidade social são encaminhadas para o Educandário Santa Margarida, recebem desde recém nascidos até adolescentes de 14.

Educandário Santa Margarida recebeu, em pouco mais de um ano, 16 crianças que sofreram abuso. Foto: Reprodução

Desde abril de 2023, até 17 de maio de 2024 , a instituição de acolhimento recebeu 16 menores nessas condições, sendo majoritariamente meninas. Taiane Moreira é psicóloga do   educandário e explica um pouco sobre como é o processo até as crianças chegarem ao local.

“Com a denuncia feita, primeiro a criança vai para o hospital da criança, na maternidade, para verificar se realmente houve abuso sexual, então ela passa pelo processo dentro Polícia Civil e só então vem para o educandário”.

Após isso, os atendimentos dentro da instituição se iniciam, onde a psicóloga faz a escuta com os acolhidos, além da observação comportamental. “Eu faço a escuta clínica da criança, meu relatório, acompanho as crianças em suas idas ao hospital quando necessário, já que algumas delas precisam fazer o ciclo do coquetel contra ISTs”, explicou.

O tratamento é necessário pois algumas das crianças e adolescentes que passam pela instituição findam por estarem infectadas depois das situações de abuso ou exploração sexual.

A psicóloga ainda explica que lidar com as crianças que chegam neste contexto é mais complicado que o usual, já que é mais difícil criar uma conexão e um vínculo com elas. 

A psicóloga conta que em pouco mais de um ano, a instituição acolheu 16 casos envolvendo abuso sexual/Foto: Vitor Paiva/ContilNet

“Normalmente os acolhimentos sou eu, quem faço, eu explico para criança que ela está em um espaço seguro, para que tente ficar a vontade. Explicamos as regras da casa para que entenda a dinâmica, mas a maioria delas não criam um vínculo com a gente, por conta dos traumas vividos”, ressalta Moreira.

Ela explica ainda que muitas delas acabam desenvolvendo comportamentos específicos, como uma maneira de se proteger dos abusos sofridos, se tornando assim mecanismos de defesa, para evitar que o sofrimento se repita.

“Tem criança que não toma banho porque não tira a roupa, tem criança que vive de calça, porque na cabeça dela é um impedimento, entendeu para o abuso”, explica.

A psicóloga enfatiza ainda que o trabalho feito é baseado em uma redução de danos a longo prazo para aquela criança, e que sempre existirão resquícios e comportamentos alterados.

“Ela nunca vai esquecer, é uma coisa que vai ficar na memória, repercutindo pelo resto da vida. A gente tenta ressignificar essa dor, mostrar que agora ela tá no lugar seguro que ela pode confiar na gente para conversar os medos dela”.

Os traumas causados na infância podem perdurar por toda a vida / Foto: Reprodução

Moreira explica que muitas das vezes as vítimas acabam por assumir um comportamento mais recluso e evasivo, mas em outros, as crianças podem seguir pelo caminho oposto, e se hiper sexualizarem, queimando etapas do desenvolvimento natural.

“Tem meninas que apresentam comportamento altamente sexualizados após abuso, então elas apresentam as masturbações, comportamento sexual com os meninos e outras crianças têm aspectos mais depressivos, de que ela está tendo consciência do que aconteceu com ela”, esclarece a psicóloga.

Outro ponto destacado pela profissional da saúde, são os efeitos que o abuso ou exploração sexual podem ter nas crianças a longo prazo e como isso cria empecilhos na construção de suas futuras relações.

“Muitas delas apresentam transtorno depressivo, transtorno de conduta, transtorno,  ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático. Temos históricos de crianças que foram abusadas sexualmente e que hoje tem a sua maioridade, mas não consegue ter um relacionamento sexual”, outras ainda não conseguem desenvolver relações afetuosas de maneira tradicional, devido às experiências de quando mais nova. 

O relato da psicóloga chama atenção pelos impactos nas vidas, mesmo que ainda tão curtas, das crianças e adolescentes, entretanto o número de atendimentos é baixo quando confrontado com o número de boletins de ocorrência registrados.

Apenas na capital do estado, em 2024, foram anotados 46 casos, enquanto em um ano, foram anotados 16 casos no educandário. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 aponta que cerca de 82,5% dos casos ocorrem por pessoas que são conhecidas das crianças ou famílias, além disso, segundo o mesmo documento, 76,5% dos casos de estupro acontecem dentro de suas casas.

O confronto desses dados escancara a atenção necessária por aqueles que estão no convívio diário dos pequenos, para que seja possível ajudá-los da maneira correta, com o acompanhamento médico e psicológico adequado.

A psicóloga do educandário dá algumas dicas do que observar nas crianças, a fim de ajudá-las em possíveis casos de abuso.

“É importante observar as mudanças de comportamento, se está brincando menos, se mudou de forma brusca a rotina, até mesmo o xixi noturno pode ser indicativo. É importante ter um diálogo estabelecido com a criança e boa observação do comportamento. A boca pode não falar, mas o comportamento sim”, enfatiza ela.

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