O termo ansiedade ambiental tem estado em alta nos últimos dias, devido ao desastre ocorrido no Rio Grande do Sul, com as fortes enxurradas enfrentadas pelo estado sulista. Entretanto, isso não é uma realidade apenas deles, o próprio estado do Acre sofre, anualmente, com enchentes que impactam grande parte de sua população, com a de 2024 se tornando uma das mais impactantes, sendo a segunda maior na capital e quebrando o recorde histórico em Brasiléia.
Com isso, é necessário que ações governamentais e sociais ocorram, como maneiras de socorrer e acalentar as pessoas que sofrem com isso, que para além das perdas materiais, muitos deles estão em um momento de sofrimento psicológico em decorrência
A expressão citada anteriormente é definida pela Associação Americana de Psicologia como “medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas”.
O Núcleo de Estudos Extensão e Pesquisa Psicossocial Euclides Fernandes Távora (Nepse) discute diversos assuntos com impacto social e as pessoas afetadas por desastres ambientais também virou pauta de estudo.
O professor do curso de psicologia da Universidade Federal do Acre (Ufac) e responsável pelo Nepse, Leandro Rosa, juntamente com os alunos que participam do grupo, falaram sobre os impactos possíveis na saúde mental.
“Fomos ao abrigo na Expoacre durante a alagação e vimos as pessoas muito ansiosas e estressadas, e isso se refletia também nas crianças, que são mais vulneráveis a essas mudanças. Elas estavam ali preocupadas com os pais, que por sua vez estavam aflitos com situações que não poderiam ser resolvidas”.
O grupo explica ainda que situações como esta, onde pessoas são vítimas diretas dos impactos das mudanças climáticas, podem levar a certos traumas permanentes em suas vidas.
“Elas podem sim desenvolver problemas a longo prazo, já ouvimos histórias de pessoas que têm altos níveis de ansiedade toda vez que chove, pois já passou pela alagação e todo ano pode acontecer, outra de pessoas que dormiram com a água de um jeito e acordaram com a casa alagada e isso causa uma preocupação e ansiedade nessas pessoas”.
Rosa enfatiza que muitas dessas situações são muito recentes e existem poucos estudos a longo prazo acerca dos impactos de sofrer com desastres climáticos de maneira recorrente, como ocorrem no Acre.
Além disso, outro ponto salientado por ele é que também não se tem conteúdo substancial acerca de como lidar com os povos originários em situações como esta.
Grande parte do sofrimento causado relativo a estas situações são decorrentes da organização social em que se vive, que é diferente dos povos indígenas, assim a relação deles com estas situações é diferente, levando a uma maneira diferente de sofrer pelo ocorrido e por isso as abordagens também precisam ser diferentes.
Até mesmo as ações de intervenção imediata, que são aquelas que acontecem assim que se dá a situação, sejam elas de quaisquer naturezas relativas aos desastres naturais, estão sendo estudadas e refinadas com o passar do tempo.
Quanto aos grupos que potencialmente podem ter maiores impactos psicológicos envoltos nesses desastres, a Organização Mundial da Saúde pontua que algumas figuras precisam receber maior atenção, sendo eles: crianças e adolescentes, pessoas com problemas de saúde e deficiências e pessoas que correm risco de discriminação ou violência.
“O problema é que depois de sair dos abrigos a pessoa continua exposta a um lugar de vulnerabilidade. Não adianta cuidar da pessoa no primeiro momento e depois ela ficar numa situação de miséria, sem casa, num território que não reconhece mais como dela. Isso produz diversos adoecimentos pra ela”, explica Rosa.
Ele reforça que é necessário uma maior rede de apoio para elas quando saírem da situação de emergência, porém a atual estrutura não comporta com eficiência o cenário presente, então é difícil para o estado conseguir absorver o acompanhamento dessas pessoas.
Um dos integrantes do grupo de pesquisa é Alberto Siqueira, estudante do curso de psicologia da Ufac, e foi atingido pela enchente de 2023, quando o igarapé São Francisco transbordou e atingiu diversas famílias que moravam próximas ao local.
“A última vez que que atingiu a minha família foi a cerca de uns 15 anos atrás, e aí teve essa do ano passado, a gente não achou que a água ia subir tanto mas foi subindo e subindo. Até que a gente teve que sair com roupa do corpo de casa“.
Ele relata ainda que o pior momento não foi ver as águas tomando as casas, mas o retorno ao local que antes era moradia e agora está destruído foi o que impactou o estudante.
“Foi muito difícil voltar, parecia um cenário de destruição do pós-guerra, tinha um monte de lixo na rua, casas tinham sido arrastadas, o cheiro de lama demorou muito para sair. Eu meio que me perdi, perdi minha saúde mental e acho que estou perdido até hoje”.
O estudante conta que, quando chove muito, tem alguns episódios de ansiedade, pensando em como iria fazer para conseguir sair do seu bairro e cuidar da mãe enquanto sai de casa. “Ninguém quer ter que passar por isso de novo”.
O jovem revela ainda o momento que percebeu, ainda muito novo, quando ocorreu a alagação de sua casa pela primeira vez. “Eu via água chegando e alguns redemoinhos. Minha mãe conta que eu cheguei a vomitar na água quando vi. O momento mais marcante foi quando estávamos saindo de casa em um canoa e eu só tinha a roupa do corpo, que estava cortada para uma fantasia de carnaval”, relatou.
Em outros anos, mesmo com pouca água atingindo a casa, ele relata que já entrava em um estado de alerta constante. “Em alguns outros anos a água chegava a uns dois dedos dentro de casa e isso já me bateu uma ansiedade imensa”, explica.
O efeito da alagação na mente de Siqueira se mantém até hoje. Ele destaca que, mesmo gostando muito de natação, em algumas situações não consegue realizar seus treinos, por marcas deixadas pelas águas barrentas das enchentes.
“Quando eu vejo que a água tá subindo, vejo aquela coisa barrosa, eu não consigo mais nadar, eu tenho medo. Gosto muito mas quando tem esses momentos assim eu não consigo. É como se eu tivesse voltando para aquele momento” revela.
Apesar das situações postas, o grupo de pesquisa relata que, no que tange a saúde mental, um dos movimentos que mais tem tido efeitos é o engajamento pessoal em ações que ajudam a combater o agravamento do aquecimento global e outros que estão prejudicando cada vez mais o meio ambiente.
Entretanto, o professor pontua que, para fins práticos, ações individuais podem trazer grandes avanços locais, mas não irão mudar o cenário mundial. Assim, são necessárias ações coletivas para pressionar mudanças de postura de governantes ao redor do mundo para que exista uma melhora no quadro mais amplo. É preciso mudar a nossa forma de sociedade, a qual prioriza o consumo, concentração de riqueza e a exploração de humanos e da natureza.
Por fim, o grupo ressalta que o melhor caminho que tem se observado a princípio, é que o autocuidado, se integrando a coletivos que estejam praticando ações em prol do meio ambiente tem um resultado positivo.
“A gente tem que pensar em como chegar no dia a dia dessas pessoas, seja através de projetos sociais mais estruturados ou outras instituições como a igreja, no futebol, nos bares , mas isso é preciso chegar em todos, principalmente na base, levar essa consciência é uma possibilidade de ação é o que precisa ser feito”.
O que pode ser observado até o momento é que o conforto de alguém que é atingido diretamente pelo impacto do descaso ambiental mundial é saber que, mesmo em escala pequena, essas pessoas estão lutando pelo seu direito de viver nos seus espaços, no seu local de direito, onde sua cultura existe, um espaço que seja ela seja pertencente. Agir em prol do meio ambiente e do seu espaço dentro dele é também agir em prol da sua saúde mental.