Em 19 de junho de 1898, Afonso Segreto, italiano radicado no Brasil, filmou a entrada da baía de Guanabara. Mesmo com hipóteses que envolvem uma filmagem de trem ou o inventor da lâmpada Thomas Edison, há 126 anos, graças a essa ação, o Dia do Cinema Brasileiro é comemorado nesta data.
Como todo filme precisa ter um início, o grupo de heróis e uma trama para mover a história, neste início da atividade do cinema, o que não faltou foram protagonistas. Inclusive, no Acre. O ContilNet conversa, nesta quarta-feira (19), com o professor de História, Hélio Moreir, sobre um período não tão falado pela mídia.
Em 1972, jovens acreanos, inspirados pelos filmes que passavam no cinema da cidade, decidiram “fazer cinema”. Assim, nasceu a ECAJA Filmes (Estúdio Cinematográfico Amador de Jovens Acreanos). Coletivo que produziu seis filmes entre os anos de 1972 e 1980. Filmados em super-8 – modelo de câmera que tem duração de até 3 minutos -, as produções tratavam de diversos temas.
Filhos do cinema
O professor Hélio se descreve como um “filho do cinema”. Seu pai era operador de som em cinemas em Sena Madureira e Xapuri. Até mesmo seus pais se paqueravam na frente da tela grande.
Em sua vida acadêmica, ele se debruçou, justamente, pela história da sétima arte no século passado. Desde uma pesquisa sobre o cinema nos anos de chumbo até uma dissertação sobre cinema no Acre na década de 70 – Acre (Anos) de Cinema: Uma História Quadro-a-Quadro de Jovens Cineastas (1972-1982).
Sobre como começou, ele fala que um professor seu o revelou este fato, o que o deixou incrédulo:
“Eu sei que cinema é uma arte cara, complexa, eu fiquei meio incrédulo e quando ele falou quem eram as pessoas, eu fiquei mais incrédulo ainda”, diz.
Adalberto Queiroz, Tonivam, João Batista de Assunção (Teixeirinha do Acre), Laurêncio Lopes e muitos outros. Esses eram os nomes dos que criaram a ECAJA. O grupo começou a realizar o sonho de “fazer filme” no Acre. Entre 17 e 18 anos, eles escreviam roteiros – mulheres também, além de serem diretoras de algumas obras – e dirigiam seus filmes.
A bitola super-8, apesar de mais trabalhosa e cara, era mais acessível que as câmeras de 16mm, que estavam em alta na época. Com esta opção sobrando, os jovens criavam filmes de 60, 70 minutos – lembrando que a duração do super-8 é de até 3 minutos.
Alguns longa-metragens produzidos na época foram:
- “Fracassou meu Casamento” (1973): Com argumento e roteiro de João Batista e Adalberto Queiroz, e dirigido por João Batista. Que conta a história de um casal assombrado por segredos e traumas do passado;
- “Rosinha, A Rainha do Sertão” (1974): Com argumento, roteiro e direção de João Batista. Se tornou um clássico de Rio Branco. Narra o choque cultural da cidade, após a chegada dos sulistas, tendo como protagonista, a filha de um coronel;
- “A Luta em Busca do Amor” (1976): Adalberto Queiroz é quem dirige, argumenta e escreve neste que narra a briga de dois irmãos, filhos de um pequeno pecuarista;
- “O Amante da Fortuna” (1977): Após a morte de um dono de empresas, seus herdeiros se veem envolvidos em um suspense como mortes e intrigas. Tonivam foi o diretor, argumento e roteiro de Iris Marques.
Além deles, outros títulos como “Uma realidade em Conflito”, “Alucinados pelo Vício” também foram produzidos pelo grupo, que também lançou curtas.
O pêlo do Mapinguari
Em sua escrita, ele também se deparou com diversos causos e histórias inusitadas. Uma delas envolve o nascido em Sena Madureira, Laurêncio Lopes, o Lapys. O jovem, após ver “Rosinha” no cinema, decidiu criar um longa sobre uma expedição para caçar um monstro, o Mapinguari, que apavorava e devorava as pessoas.
Um roteiro escrito em 3 dias e filmagens que duraram 15 dias, o maior desafio seria a maquiagem. Muita cola branca e cabelos pegos de salão de beleza foram a solução. Pena que isso acabou causando uma reação alérgica no ator.
“O ator principal estava cheio de tudo, todo empolado, um pouco marcado de ferida, por causa do cabelo preso”, revela o professor. Mas quem pensa que o ator se desanimou, se engana, ele se empolgou e gritou até demais para garantir uma boa performance.
“Cinema é memória”
Não se podia, por exemplo, fazer filmes de época, devido ao figurino. Além disso, um clima de disputas começou a se instalar na ECAJA. Quanto maior o elenco, maior a influência do diretor, mais chance dele ser presidente. O que gerou desavenças e uma separação da equipe. Mas a produção de filmes continuou e forte até os dias de hoje.
Muitos filmes se perderam ou foram danificados. O Super-8 é delicado e, com o tempo, os originais foram se deteriorando. Uma transição para o VHS foi efetuada, o que só acabou piorando o quadro. Hoje, alguns filmes estão sendo digitalizados e colocados no YouTube, mas a maioria do material foi perdida. O que é triste, pois, como ressalta Hélio:
“Além do filme, tem toda a memória visual da cidade da década de 70”.
O professor finaliza reafirmando que, por meio de cineastas como Guilherme, Sérgio, Margarido e tantos outros que estão produzindo graças a leis de incentivo cultural como a Paulo Gustavo, o cinema acreano continua acontecendo:
“O cinema, ele é uma memória. É uma das formas de memória afetiva, essa memória visual”, finaliza.