Dia do Socorrista: conheça o herói que salvou vidas e teve que enfrentar a tragédia de perder o próprio filho

ContilNet traz os relatos de profissionais e as dificuldades para socorrer pessoas vítimas de acidentes e de problemas de saúde graves

Em 2018, o técnico de enfermagem Zaquel da Silva Ramos escutou no rádio o acionamento da ambulância Zero Um. “Adolescente em estado gravíssimo. Disparo de arma de fogo”, foi a mensagem enviada pela central do telefone 192.

Ramos está de plantão, na equipe da motolância – como é chamado o atendimento feito por meio de motocicletas. Por isso, dessa vez, ele não estará na ocorrência com a ambulância de suporte avançado. Mas, pelo endereço e pelas circunstâncias em que chegou o aviso, sente uma angústia no coração, na certeza de que o jovem em questão é seu filho, Wesley Felipe.

Zaqueu é técnico de enfermagem do Samu/Foto: Resley Saab/ContilNet

O garoto, de apenas 16 anos foi morto com um tiro. Um único disparo no coração. O óbito foi confirmado pela Zero Um, a de suporte avançado, destinada a casos extremamente graves, como foi o caso.

“Eu pulei do beliche, calcei a bota e falei para o meu colega: ‘Meu filho. Mataram meu filho’. Naquele momento tive essa percepção”.

A felicidade renasce no coração do socorrista: Eloá Vitória é o seu nome

O jovem filho Wesley Felipe se foi, mas o tempo não parou e a vida seguiu exigindo a mesma atenção e o amor pelo auxílio ao próximo no coração de Zaquel Ramos. No último dia 3 deste mês, ele conduziu a menina Eloá Vitória a chegar ao mundo. A recém-nascida veio em suas mãos, num trabalho de parto dentro de uma ambulância parada no acostamento de uma via, porque não deu tempo de chegar à maternidade.

“Eu estava precisando de algo fantástico na minha vida. E fazer aquele parto, aquecer aquela criança, envolvê-la no manto, colocando a toquinha na sua cabeça – apetrechos que já temos disponibilizados na ambulância para recém-nascidos –, foi extraordinário. Perdi um filho, mas outra vida ressurgiu bem ali, nas minhas mãos. Deus é magnífico”.

E completa: “já tinha dois anos que eu não fazia nenhum parto”, relembra Ramos, emocionado, olhos marejados e voz embargada de emoção.

A pequena Eloá Vitória nasceu dentro de uma das ambulâncias do Samu/Foto: Cedida

Nesta quinta-feira (11), o Brasil comemora o Dia Nacional do Socorrista. Profissionais médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e condutores de ambulância que se doam à exaustão para que pessoas em emergência sejam auxiliadas e salvas. Por isso, ContilNet traz a história de dois grandes profissionais, entre as dezenas que trabalham no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência e Emergência (Samu), de Rio Branco, um dos serviços mais elogiados pela população acreana, pelos esforços de todos de salvar vidas, tanto na capital quanto no interior.

Zaqueu Ramos, que abre esta reportagem, é técnico de enfermagem há mais de 20 anos. Está no Samu desde os 17 e é profissional intensivista. Em quase duas décadas, já fez mais de 30 partos no interior de ambulâncias do Samu e dos colegas de profissão, ele desfruta do respeito de ser um dos maiores especialistas em unidades de terapia intensiva. Afirma que o segredo para ser um bom socorrista é nunca se deixar levar pela frieza do coração.

“Aqui a gente vê de tudo. Desde uma cabeça decapitada a um corpo acolá e uma perna ali. Mas sempre nos vigiamos para que não nos tornemos pessoas frias, que não se importam com a dor do outro. Mas todo samuseiro é emotivo por natureza. Embora a tendência seja nos tornarmos frio, é justamente o contrário que prevalece aqui, graças a Deus. Nas ocorrências, atuamos com todo o profissionalismo necessário, mas sem jamais deixar de entender a dor da vítima, o que nos assegura a fazer bem feito o nosso trabalho”, assevera Ramos.

Condição de vulnerabilidade e reconhecimento

A gratidão da avó da menina Eloá Vitória, ao ver a neta nascer saudável dentro da ambulância, fez com que ela quisesse beijar os socorristas em agradecimento pela dádiva da vida da criancinha. “Vocês são demais. Vocês são os nossos enviados de Deus. Que Ele abençoe cada um aqui”, dizia a senhorinha de 76 anos.

E o que faz uma mãe, em quase trabalho de parto, recorrer ao Samu? “A situação de vulnerabilidade social e financeira”, responde o especialista Zaqueu Ramos. “São famílias muito pobres, cujas mulheres, muitas vezes, desconhecem sobre direitos, deveres ou estão em condições financeiras muito vulneráveis”, explica.

“Elas entendem assim: ‘é melhor chamar o Samu a ter de precisarmos de um Uber ou algo assim, porque não teremos dinheiro para isso’”, pontua Ramos.

E neste sentido, o profissional do Samu deixa um lembrete às pessoas. “Valorizem a vida que vocês levam, pois aqui, não precisamos ir muito longe para enxergarmos o quanto tem de pessoas em condições piores que a nossa”.

Crueldade contra idosos e crianças são as que mais chocam os profissionais

O condutor Averaldo Azevedo, 52 anos, trabalha no Samu desde a sua fundação, há 20 anos. Já passou por agruras como ter de presenciar a morte de três crianças carbonizadas, quando a mãe delas havia saído para um forró, na região do Portal da Amazônia, no Bairro Calafate.

“Aquilo foi demais pra gente. Meu Deus, quanta crueldade. Eu torcia para que os bombeiros nos autorizassem logo a entrar, na esperança de que pudéssemos resgatar alguém com vida. Mas não foi possível. Ver aquelas três crianças mortas, esturricadas e abraçadas uma com a outra me comove até hoje”, diz o socorrista.

Tanto Azevedo quanto Ramos concordam que é muito doloroso atender ocorrências envolvendo idosos e crianças. Zaqueu Ramos lembra, por exemplo, de uma idosa com câncer no útero que estava se esvaindo em sangue e teve que ser removida às pressas para o hospital.

Azevedo é condutor de ambulância no Samu do Acre/Foto: Cedida

“A casa toda ensanguentada. Sangramento vaginal. E a filha dormindo com um marginal do lado. Ela não quis acompanhar a mãe. Disse que apenas assim: ‘Ah, amanhã, se der, eu vou lá ver a senhora. Nesta noite, tudo o que aquela senhora precisava era estar com um acompanhante. Eu fui às lágrimas por isso”, lembra Ramos.

Motoristas e motociclistas ainda atrapalham o trabalho de resgate

Um dos problemas mais graves no momento de atender a uma ocorrência é a incompreensão de motociclistas e motoristas de veículos particulares, de acordo com Averaldo Azevedo.

“Eu farei 20 anos de Samu no próximo dia 31 deste mês e fico feliz de nunca ter batido uma viatura destas porque não podemos errar. Mas, andar entre 80 e 90 quilômetros por hora num trânsito como o nosso, de Rio Branco, é um desafio diário”.

“Nosso trânsito é um dos mais caóticos do país e a gente pede que os motoristas fiquem atentos à ambulância que precisa chegar o mais rápido possível ao destino da ocorrência, mas não tem jeito. Quando não impedem que passemos, tem motociclista e motorista de carro particular que tenta fazer racha com nossas ambulâncias”, comenta Azevedo.

Para acionar o socorro através do Samu, basta entrar em contato com o número 192/Foto: Odair Leal/Secom

“Nós não estamos pra fazer racha. Nós estamos pedindo pra passar porque nós temos um tempo a cumprir que pode custar a morte de quem precisa da gente. Então, dê preferência para o Samu”, alerta Averaldo Azevedo.

“A maioria de nós, condutores, tem receio de que, quando tentamos salvar uma vítima, possamos fazer outra no caminho. Pessoas que não têm nada a ver com o que está acontecendo lá no final da ocorrência podem morrer somente porque motoristas e motociclistas não colaboram”.

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