A glória e as tragédias de Romildo Magalhães, um dos governantes mais polêmicos do Acre

Menino travesso em Feijó, ele morreu lamentando a desdita do pós-poder

Romildo Magalhães da Silva, o 13º governador do Acre constitucional e falecido neste domingo (14) aos 78 anos, começou a vida política no município onde nasceu, Feijó, interior do Acre, como vereador. O mandato foi conquistado muito graças à popularidade na cidade de sua mãe, conhecida como dona Mocinha Magalhães, uma parteira prática e também uma espécie de assistente social que atendia os mais pobres numa época difícil e de pouco acesso das pessoas às políticas públicas.

Dona Mocinha, irmã de outro personagem histórico de Feijó, o ex-prefeito Nanzio Magalhães, era ligada à política e se tornou amiga do então governador do Território Federal do Acre, José Guiomard dos Santos. Em Feijó, a matriarca dos Magalhães foi chefe local do Movimento Autonomista, que desembocaria, em 1962, na elevação do Acre à condição de Estado.

O ex-governador Romildo Magalhães em retrato durante mandato/Foto: Arquivo pessoal

Com o Acre elevado a Estado, Dona Mocinha começa a trabalhar para que no futuro sua família fosse dirigente da nova unidade da federação brasileira. Até então Romildo levava a vida gritando bingos em arrais e como atleta de futebol, na posição de goleiro. As vezes ele também cantava no clube municipal da cidade. Essa condição o levou a ser, provavelmente, um dos vereadores mais votados nas primeiras eleições municipais da história de Feijó. Era torcedor do Vasco da Gama e se orgulhava de ter defendido o CNF, cão questionável, de um pênalti do ídolo Roberto Dinamite num amistoso entre o chamado “Gigante da Vida Linda” e a Seleção de Futebol de Feijó.

Quando veio a ditadura militar, em 1964, que derrubou o governo estadual de José Augusto de Araújo, do PTB, as relações de Dona Mocinha com Guiomard Santos, general da reserva do Exército que apoiava o novo regime e que havia sido eleitor senador da República, o então vereador Romildo Magalhães é indicado prefeito do município e passaria a se tornar um personagem visível da política local.

Ex-governador Romildo Magalhães e o jornalista João Batista/Foto: Arquivo Pessoal/FEM

Em 1978, o ex-prefeito conquista seu primeiro mandato de deputado estadual. Foi um dos mais votados. Em 1982, agora pelo PDS, conquista seu segundo mandato de deputado estadual. Nesta condição, conquista o cargo de primeiro secretário da Assembleia Legislativa do Estado do Acre (Aleac), quando da presidência do deputado Manuel Machado da Rocha, seu amigo de infância.

Em 1990, apresentou-se como um dos candidatos a vice do candidato do PDS ao governo do Estado, seu colega de bancada Edmundo Pinto. O outro postulante ao cargo de vice era o empresário e então deputado federal Francisco Diógenes. Numa convenção tumultuada na sede do Rio Branco Futebol Clube, sob escolha dos convencionais do PDS, eis que surge Romildo Magalhães como o pré-candidato a vice à frente de Diógenes, que aceitou o resultado. Ainda assim, surgiram, à época, denúncias de que Romildo batera o poderoso Francisco Diógenes graças às manobras do advogado Francisco Fernandes, pai de Toinha Magalhães, então a segunda esposa de Romildo (ele havia se separado de dona Maüca, namorada dos tempos de juventude em Feijó e mãe de seus filhos mais velhos).

Edmundo Pinto e Magalhães foram unidos para uma campanha eleitoral vencedora, que bateu, inicialmente, quatro concorrentes – Jorge Viana, do PT, Osmir Lima, do MDB, Rubem Branquinho, do PL, e Ressine Jarude, do PSDB. Como já havia na política o instituto do segundo turno e como Edmundo Pinto, embora na condição de primeiro colocado, não havia obtido a maioria absoluta dos votos, o segundo turno é disputado com o petista Jorge Viana. Abertas as urnas, a chapa Edmundo Pinto-Romildo Magalhães era vitoriosa com uma diferença de pouco mais de 13 mil votos.

Romildo Magalhães, na condição de vice-governador, fazendo jus à sua condição de político polêmico, passou, desde então, a divulgar que os 13 mil votos que asseguraram a vitória da chapa vitoriosa, foram obtidos graças a ele, já que a diferença seria dos votos do interior, notadamente aqueles da região do Envira e Tarauacá, de onde vinha o vice-governador.

Romildo durante coletiva à imprensa na década de 90/Foto: Arquivo Pessoal/FEM

Edmundo Pinto e Romildo Magalhães assumem o governo do Estado do Acre sob o signo da discórdia. Com base no princípio de que os 13 mil votos que selaram a vitória à chapa vencedora, Romildo Magalhães reivindica a divisão do Governo do Estado, literalmente ao meio. Edmundo Pinto, claro, não aceitou e aí começaram as divergências entre os dois, inicialmente discretas. De repente, se tornaram públicas porque, a cada viagem do governador titular, o vice assumia a titularidade do Governo montando um governo para chamar de seu, ainda que temporário, de poucos dias.

Ele demitia os secretários de maior confiança de Edmundo Pinto para nomear homens ligados a ele, como Silvio Montenegro, ex-diretor da Aleac e, no Governo do Acre, listado como uma espécie de ás na manga do governador interino. Um dos secretários de Edmundo Pinto mais visados e odiados pelo vice na condição de governador interino era o jornalista Mário Emílio Malachias, a quem o vice demitia sob a acusação de que o porta-voz de Edmundo Pinto era um pedófilo contumaz que abusava de criança na periferia da Capital.

A cada viagem em que essas ocorrências eram registradas, Edmundo Pinto tinha que voltar ao Estado às pressas para consertar o desgoverno.

Governador e vice passaram a ser inimigos fidegais no exercício daquele governo. Decisões tomadas por Edmundo Pinto passaram a ser publicamente questionadas pelo vice-governador. Um desses questionamentos se deu em relação à prisão do então tenente-coronel da Polícia Militar Hildebrando Pascoal, comandante do policiamento da capital e do interior. Já de olho na disputa político-partidaria, o militar questionava Edmundo Pinto publicamente. O governador também era o comandante-em-chefe da Polícia Militar. Instado por aliados, desconheceu as relações de amizade com o coronel PM que vinham desde a adolescência, na localidade conhecida como Rabo da Besta, região do Bairro Quinze, no Segundo Distrito de Rio Branco. O então vice-governador, no auge das hostilidades com o governador titular, vai ao Quartel General prestar solidariedade com oficial militar rebelado. Como oficiais não podem ser colocados atrás das grades ainda que estejam presos, Hildebrando Pascoal passava os dias de sua prisão fazendo comícios, com farda e medalhas no uniforme, na frente do quartel da PM, nos quais já dava sinais de que seria candidato a governador nas eleições seguintes, de 1994.

Mas veio o dia 17 de maio. O então governador Edmundo Pinto seria assassinado num quarto de hotel de luxo na capital paulista, um assassinato não suficientemente esclarecido mesmo 34 anos depois daqueles fatos.

 

O feijoense e improvável governador, chegaria ao topo do governo do Acre. Romildo Magalhães, empossado governador titular, começa a planejar o futuro, com ele no mandato de senador e o amigo e aliado Hildebrando Pascoal governador eleito pelo voto direto.

Retratos de Edmundo Pinto e Romildo Magalhães, respectivamente/Foto: Arquivo pessoal

Para isso acontecer, o próximo presidente da Aleac teria que ser aquele amigo de infância de Romildo Magalhães, o então deputado Manuel Machado eleito presidente da Aleac. Magalhães renunciaria ao governo para concorrer ao Senado, Manuel Machado seria governador por nove meses e Hildebrando, enfim, seria indicado candidato a governador para disputar o mandato pelo voto direto. Mas algo deu errado: na disputa pela presidência da Aleac, Manuel Machado acabou derrotado e o presidente eleito foi o deputado José Bestene, com a diferença de um voto num colegiado de 24 eleitores. Além disso, em Cruzeiro do Sul, o então prefeito Orleir Cameli, depois de uma administração revolucionária na segunda maior cidade do Acre, se apresenta como candidato a governador, pelo mesmo Partido do então governador Romildo Magalhães. Governador e o pré-candidato Orleir Cameli chegaram a bater de frente, mas, ao final da campanha, governador titular e o eleito estavam em paz. Orleir recebeu a faixa de governador do Romildo Magalhães em 1º de janeiro de 1995.

Romildo Magalhães, agora viúvo com a morte de sua segunda esposa Toinha Magalhães, vítima de infarto recolhe-se a um haras onde criava cavalos de raça, na estrada Transacreana, zona rural de Rio Branco. Ali passou a viver com a então namorada Rosinha, sua ex-secretária quando ele era governador.

Um dia, um dos filhos mais novos com Toinha e Romildo Magalhães, Romildo Junior, leva o coração do ex-governador a sangrar de novo. Aliás, ali, seu coração estava apenas começando a sangrar nos anos seguintes.

Os dias de paz no Haras Cinco Irmãos foram interrompidos em 1995, quando um grupo de assaltantes invadiu o local. O bando seria identificado depois por três bandidos conhecidos pelos apelidos de Rambo 157, Laranja e Pinguim, três fugitivos do sistema prisional estadual, por outros crimes. De acordo com depoimentos dos bandidos, eles tinham informação de que o ex-governador havia deixado o governo levando para casa sacos de dinheiro, fato nunca comprovado. Dinheiro que assaltantes queriam, segundo disseram numa longa negociação num final de tarde. Percebendo o ataque, Magalhães e a namorada Rosinha se trancaram numa sala, verdadeiro bunker, tentando escapar dos bandidos. Romildo Junior, então um adolescente, chegava em casa, após sair da escola, sem saber o que o destino o reservava. Rendido pelos bandidos, houve uma troca de negociações lideradas por Rambo 157. Eles exigiam a presença do ex-governador em troca da vida do adolescente. Romildo optou por viver, ainda que sangrando pelo resto da vida. Romildo Jr. é batido a tiros.

Começava aí o outro estágio do calvário do ex-governador, que passou a viver sob uma tristeza infinda. Além das dores pessoais, viu seu filho mais novo, o caçula com Toinha Magalhães, transformar-se num dos assaltantes mais perigosos da cidade. O rapaz foi preso e recolhido à penitenciária estadual. “Ainda bem que minha mãe não está viva para ver isso. Que tristeza, meu Deus”, disse na única vez em que falou da prisão do filho mais novo, a quem nunca visitou no sistema prisional.

Quando parecia recolhido e em paz após a morte do filho, Romildo Jr., no início de 2001 o coração do ex-governador voltaria a sangrar: seu sobrinho mais querido, o ex-deputado federal Carlos Airton Magalhães é encontrado morto em casa, vítima de suicídio após problemas com a então esposa, que acabou ferida a tiros mas sobreviveu.

Romildo Magalhães recolheu-se em casa, agora no Jardim Ipê, bairro de classe média de Rio Branco, e só se manifestava para reclamar da ausências dos amigos que o apoiavam nos tempos de poder, ou quando se via ameaçado de perder a pensão e aposentadoria por ter sido governador do Estado, no período de 1992 a 1994.

O ex-governador Romildo Magalhães passou por uma cirurgia para o implante de uma válvula aórtica no coração em 2017/Foto: Arquivo pessoal

Tinha diabetes, em alto grau, assim como sua mãe dona Mocinha e o tio Nanzio Magalhães. Não reclamava da doença e, no ano passado, por consequência, perdeu uma das pernas amputadas para tentar prolongar a vida. Não deu. Depois de 20 dias internado no Hospital Santa Juliana, sob entubação, ele perdeu a guerra pela sobrevivência e será sepultado nesta segunda-feira (15), levando segredos, inclusive sobre a morte de Edmundo Pinto, que só ele, o filho dileto de dona Mocinha Magalhães, poderia desvendar.

Velório do ex-governador Romildo Magalhães/Foto: AC24horas/Saimo Martins

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