Feminicídio: entenda quais são as principais causas e meios do crime com alto índice no Acre

Acre já registrou cinco casos de feminicídio em 2024

Em alusão ao Agosto Lilás, campanha pelo fim da violência contra a mulher, que além de relembrar os 18 anos da Lei Maria da Penha, é um mês dedicado à conscientização sobre a violência de gênero, e o ContilNet conversou com a delegada Elenice Carvalho, da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) do Acre e com a professora de Psicologia, Magde Porto, que estuda sobre violência de gênero há 20 anos.

Apesar da causa principal de um crime de feminicídio nunca ser exatamente descoberta, pois não há versão da vítima, as autoridades policiais inferem durante as investigações. É o que disse a delegada Elenice Carvalho, da DEAM do Acre. Segundo ela, a maior parte dos casos acontecem por ciúmes, sentimento de posse e uso e abuso de álcool e drogas.

Segundo os dados da DEAM, o Acre registrou cinco feminicídios de janeiro a julho, sendo dois em janeiro, um em abril e dois no mês de junho. De acordo com a delegada, as causas que levam ao feminicídio são diversas, mas uma das principais é o fato da mulher não buscar ajuda.

Delegada Elenice Frez, que coordena Deam, fala sobre a importância do acolhimento/Foto: José Caminha/Secom

“A vítima, às vezes, está em uma relação abusiva e violenta, onde ela é agredida. Geralmente, o ciclo da violência inicia com agressões verbais, depois o autor pode começar a atirar objetos contra a parede, agredir animais, até que a violência cresce e acontece um empurrão, puxão de cabelo e ela não procura ajuda, acaba se reconciliando depois da agressão. Depois disso, vai ter um período de calmaria, mas as tensões vão acontecendo e voltam as agressões”, explica.

A delegada ressaltou a importância do apoio de amigos e familiares ao perceber que uma mulher sofre violência doméstica. “Essa vítima, muitas vezes sozinha, não tem forças para procurar ajuda. É aí que reside a importância dos amigos e família apoiarem essa mulher, conduzirem ela até a delegacia ao perceber que ela está vivendo esse ciclo de violência”, disse.

Os dados apontam ainda que mais de 90% das mulheres que são vítimas de feminicídio não têm medida protetiva contra o agressor. 

Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher/Foto: Ascom

Além do fato da mulher não buscar ajuda, outra causa do feminicídio é a dependência emocional e/ou financeira. No caso da dependência emocional, acontece de ambas as partes. “Às vezes os homens se encontram nessa situação de dependência e quando há uma solicitação de rompimento do relacionamento, eles acabam praticando feminicídio porque não aceitam aquela situação. Ele não aceita por causa do sentimento de posse e acaba matando a mulher”, explicou.

O uso abusivo de álcool e drogas também é uma das causas. “Muitas vezes, por ciúmes, não aceita o término e já tem intento feminicida, então sob efeito de álcool, ele se encoraja para praticar o crime”, completou a delegada.

Principais armas

A delegada Elenice, da DEAM, disse ainda que as principais armas usadas para praticar feminicídio no Acre são as armas brancas, mas os casos com arma de fogo têm crescido. “A gente tem visto um crescimento no número de mulheres que são mortas por meio de arma de fogo como instrumento. Até um tempo atrás, a maior parte dos casos eram praticados com o uso de arma branca, como a faca e o terçado”, comentou.

Além dos tipos de armas, os homens também aproveitam da vantagem biológica da força física ser maior que de uma mulher e praticam o feminicídio com o estrangulamento. “Quase 100% dos casos o homem tem uma força muito superior à da mulher. É difícil um casal que a mulher tenha mais força que o homem. Normalmente a força física favorece o homem em uma eventual disputa de força”, disse.

Vítimas

Independente de perfil e classe social, todas as mulheres podem se tornar vítimas de feminicídio ou de violência doméstica. De acordo com a delegada, a DEAM atende mulheres de todas as classes sociais, profissões e carreiras que se possa imaginar.

“Nós atendemos mulheres que são muito bem estudadas e mulheres que não tem estudo nenhum. Mulheres que têm renda muito alta e aquelas mulheres que não tem renda nenhuma. Quando se trata de feminicídio, a gente tem visto mulheres de todo tipo de classe social e todo nível de escolaridade sendo mortas aqui no Brasil. Nós precisamos estimular a denúncia, principalmente a denúncia precoce. A Lei Maria da Penha entra em ação já como prevenção”, explicou.

Para a delegada, é importante que a mulher seja estimulada a encerrar o relacionamento que seja abusivo, pois quando há violência, não há tendência de melhora sem que haja um tratamento para mudar a mentalidade do agressor.

“Normalizamos a violência”

A professora e psicóloga clínica Madge Porto, que estuda violência contra a mulher há 20 anos, explicou ao ContilNet que o feminicídio é o ápice da violência.

“A violência contra a mulher é naturalizada. Ela é vivenciada por todas as mulheres desde o nascimento até ela morrer, pois existem vários tipos de violência, como por exemplo, pela Lei Maria da Penha, há a violência física, patrimonial, moral e psicológica, mas também existe violência da desqualificação intelectual das mulheres, do assédio moral, então dependendo do lugar onde a mulher está, ela sofre diversos tipos violência, e isso ocorre porque a gente tem um modelo de sociedade patriarcal, onde o homem é superior e um ente social superior às mulheres e as mulheres precisariam estar para servir esses homens no ponto de vista dos cuidados diários, da vida doméstica, então na hora que uma mulher não corresponde a isso, ela é castigada”, explicou.

O Acre registrou cinco casos de feminicídio em 2024/Foto: Ilustrativa

Madge lembrou ainda que a sociedade tem influência escravista e colonialista, que tem como elemento educacional a violência. “Antigamente se batia nas crianças com um pretexto de educar, que foi preciso ter uma lei para dizer que é errado. Em 2006 foi criada a Lei Maria da Penha para dizer que matar mulher é crime e na época da colônia, era permitido o marido matar a mulher aqui no Brasil. Nós temos uma sociedade, ainda muito recente, que faz com as mulheres tenham esse papel social e isso as deixa vulnerável a violência”, completou.

A professora explicou ainda sobre os dados que apontam que o Acre é um dos estados com maior número de feminicídios do Brasil. “Para que esses casos de feminicídio aconteçam, começa um puxão de cabelo, uma agressão verbal, um ciúme descontrolado, e ele vai sendo construído porque as violências são naturalizadas, não são questionadas essas situações de violências diárias, porque elas são comuns e muito frequentes”, disse.

Além disso, a professora apontou ainda que no Acre grande parte da população se declara como evangélica, portanto, tem a diferença mais marcada pela ideia conservadora das relações entre homens e mulheres.

Outro fator importante é a falta de políticas públicas, principalmente de educação. “Se a professora não pode explicar para as crianças que meninos e meninas são iguais e merecem respeito e um menino não pode tocar uma menina se ela não consentir, e que um adulto não pode tocar uma menina ou um menino em partes íntimas, você está deixando essas crianças vulneráveis”, explicou.

Madge diz ainda que o problema precisa ser tratado como grave e que, além da vida da mulher que é tirada, há outros problemas que vem com a morte de uma mulher. “Cada mulher que é assassinada por um homem é menos uma mulher que vai estar trabalhando, é mais problema para a previdência social, são crianças que ficam órfãs. Além de tirar a vida de alguém por motivo torpe, existe um impacto na sociedade para além da mulher”, finalizou.

Para denunciar um caso de feminicídio, que inclusive pode ser feito de forma anônima, é possível enviar uma mensagem ao Centro de Atendimento à Vítima do Ministério Público (CAV/MPAC), disque 180.

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