Dono do shopping que pegou fogo tem outro empreendimento na mesma rua com pedido de demolição e sem laudo dos Bombeiros

Com patrimônio de mais de R$ 300 milhões, Law Kin Chong já foi preso por contrabando, responde a processos por construção irregular, lavagem de dinheiro e contrabando e pode pagar multa de R$ 46 milhões

incêndio no Shopping 25 Brás, ocorrido na quarta-feira (30), deixou o edifício praticamente destruído. O prédio pertence ao empresário Law Kin Chong, uma figura controversa da região e conhecido como o “rei do contrabando” no Brasil. Chong, de 63 anos, é natural da China e possui um vasto patrimônio, além de um histórico de prisões pela Polícia Federal e investigações por lavagem de dinheiro. Ele também é proprietário de outro centro comercial na mesma rua, que opera de forma irregular, é alvo de um pedido de demolição pela prefeitura e acumula dívidas de IPTU.

À esquerda, shopping 25 Brás, que pegou fogo na quarta; ao meio, Law Kin Chong e, à direita, o Shopping Stunt, prédio irregular

À esquerda, shopping 25 Brás, que pegou fogo na quarta; ao meio, Law Kin Chong e, à direita, o Shopping Stunt, prédio irregular — Foto: Reprodução/ Google Maps/ Câmara dos Vereadores de São Paulo

Na altura do número 226 da mesma rua Barão de Ladário, funciona atualmente o Shopping Stunt, em um edifício comercial cuja construção, conforme relata a prefeitura em processo no Tribunal de Justiça de São Paulo, prosseguiu apesar de ordens municipais para paralisação das obras.

A ação, que tramita desde 2021, relata que o endereço de cinco andares onde funcionam diversas lojas foi erguido descumprindo alvará de reforma concedido pela prefeitura. Os donos do local aprovaram um projeto anterior para o prédio, por volta de 2016. Depois, pediram uma ampliação que foi negada pela subprefeitura da Mooca, em 2018. “A obra colocaria em risco a integridade física de futuros ocupantes do imóvel, inclusive dos vizinhos e transeuntes”, escreveu o juiz responsável pelo caso, Adriano Marcos Laroca.

Mesmo assim, a edificação, que tem mais de 35.000 metros quadrados de área construída, cresceu além do previsto e o local chegou a ser interditado. Multas foram expedidas em 2018 e em 2019 e o alvará de reforma anteriormente concedido foi cassado. Outro projeto foi apresentado pelos donos em 2020 e novamente rejeitado. O Tribunal determinou a paralisação das obras em fevereiro de 2021.

Os donos, no entanto, só foram encontrados pelo oficial de Justiça para a citação da decisão em julho de 2022 e, no espaço de tempo, a construção foi concluída. O juiz estabeleceu uma multa de R$10.000 para cada dia que a obra seguisse. O valor acumulado é de R$ 46 milhões. No momento, a Justiça aguarda o resultado de uma perícia na construção.

Não há alvará de funcionamento registrado para o estabelecimento comercial, que abriga boxes de lojas de vestuário e acessórios, nem mesmo auto de vistoria do Corpo de Bombeiros, o AVCB. O local acumula ainda uma dívida de IPTU de R$ 997 mil.

O endereço onde funciona o Shopping 25 Brás também deve um valor considerável em impostos para a prefeitura, acumulando R$ 18,8 milhões de reais em dívidas de IPTU e estava com o auto de vistoria dos Bombeiros vencido desde agosto.

Law Kin Chong e a esposa, Hwu Su Chiu Law, conhecida como ‘dona Miriam’ na região do Brás, aparecem como sócios e administradores de ao menos dez empresas na base de dados da Receita Federal, em levantamento feito pelo GLOBO com o uso da ferramenta de análise de dados Cruzagrafos, da Abraji. Os empreendimentos somam um capital de R$360 milhões de reais e são de estacionamentos na região central a incorporadoras, imobiliárias, restaurantes em bairros como a Mooca, holdings e uma marina na cidade de São Vicente, no litoral paulista.

A família Law é influente também no mundo da política. Um dos filhos do casal, Thomas Law, é advogado e representante da comunidade chinesa, marcando presença na Câmara dos Deputados, dos vereadores e na Assembleia Legislativa de São Paulo. Ele é presidente do instituto Ibrachina e já acompanhou o ex-presidente Jair Bolsonaro em visita oficial à China em 2019, tendo atuado como intérprete de parlamentares.

Thomas esteve nesta sexta-feira (1º) na visita do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) ao Brás após o incêndio. A reportagem procurou a família Law sobre as dívidas de IPTU e o processo judicial que corre na Justiça por meio dos advogados que os representam: Aldo Bonametti, que é também presidente do consórcio que gere o Mercado Municipal de São Paulo, e Glaucia de Oliveira Barone, que trabalha no escritório de advocacia de Thomas Law. Não houve resposta até a publicação do texto. A prefeitura de São Paulo também não se manifestou sobre o processo em curso.

Law Kin Chong e dona Miriam voltaram aos holofotes em 2022, quando eram investigados na CPI da Pirataria, instaurada na Câmara dos Vereadores de São Paulo. O relatório final da comissão, concluído em 2023, diz que o casal é dono de diversos shoppings, galerias e salas comerciais pela cidade, sublocam estantes, comercializam mercadorias falsificadas e vendem produtos importados sem o recolhimento de impostos.

Para a CPI, Chong afirmou, por meio da sua defesa, que seu modelo de negócios consiste apenas em “alugar imóveis, isentando-o quanto sua ligação com as atividades comerciais praticadas por seus respectivos inquilinos”. Quando foram até a Câmara para prestar depoimento, a dupla permaneceu em silêncio durante os questionamentos realizados pelos parlamentares.

O documento também apresenta um histórico das atividades anteriores de Chong. Segundo o texto, ele iniciou a trajetória comercial aos 19 anos com a venda de relógios importados. O homem foi preso pela primeira vez pela Polícia Federal acusado de contrabando, pela segunda vez pela tentativa de suborno a um deputado federal em 2007, quando acontecia outra CPI da Pirataria, essa, na Câmara dos Deputados. A terceira detenção ocorreu em 2008, também por contrabando, quando era chamado de o ‘maior contrabandista do país’ pela polícia.

Acabou solto em todas as ocasiões após o vencimento de mandados de prisão temporária ou após progredir para o regime semiaberto. Parte dos processos criminais de Law na Justiça Federal foram arquivados ou suspensos. Em acórdão em 2022, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região condenou ele e a esposa pelos crimes de contrabando e lavagem de dinheiro, mas o processo, que se iniciou em 2004, segue em tramitação após recurso da defesa do casal.

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